Acórdão Nº 0000727-02.2019.8.24.0049 do Terceira Câmara Criminal, 18-02-2020

Número do processo0000727-02.2019.8.24.0049
Data18 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemPinhalzinho
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000727-02.2019.8.24.0049, de Pinhalzinho

Relator: Desembargador Ernani Guetten de Almeida

APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU PRESO). CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO CIRCUNSTANCIADO POR TER SIDO PRATICADO EM PERÍODO DE REPOUSO NOTURNO E QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO (CP, ART. 155, § 1º E 4º, I). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO.

AVENTADA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA ANTE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESPROVIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. FORMA CIRCUNSTANCIADA E QUALIFICADA DO CRIME E CONDIÇÃO DE MULTIRREINCIDENTE, INCLUSIVE ESPECÍFICO NA PRÁTICA DE CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO, QUE IMPEDE O RECONHECIMENTO DO CRIME BAGATELAR. REPROVABILIDADE DA CONDUTA E OFENSIVIDADE DO COMPORTAMENTO EVIDENCIADOS. ADEMAIS, DEVOLUÇÃO DOS BENS À VÍTIMA DECORRENTE DE AÇÃO POLICIAL. CONDUTA MATERIALMENTE TÍPICA.

PEDIDO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO (CP, ART. 155, § 4º, I). INVIABILIDADE. AGENTE QUE SUBTRAIU BENS MÓVEIS DO INTERIOR DO VEÍCULO DA VÍTIMA, MEDIANTE ROMPIMENTO DA FECHADURA DO PORTA-MALAS. QUALIFICADORA COMPROVADA ATRAVÉS DE LAUDO PERICIAL E, AINDA, CORROBORADA PELAS FOTOGRAFIAS E DECLARAÇÕES FIRMES E COERENTES DA VÍTIMA NO INQUÉRITO POLICIAL E EM JUÍZO. DECOTE INVIÁVEL.

SEGUNDA FASE. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, "D") E A CONSEGUINTE COMPENSAÇÃO INTEGRAL COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA (CP, ART. 61, I). DESPROVIMENTO. APELANTE MULTIRREINCIDENTE ESPECÍFICO NA PRÁTICA DE CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. COMPENSAÇÃO INTEGRAL INVIÁVEL. PRECEDENTES DESTA CORTE. PREPONDERÂNCIA RAZOÁVEL E PROPORCIONAL.

TERCEIRA FASE. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DO REPOUSO NOTURNO. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA DEVIDAMENTE DESCRITA NA DENÚNCIA E COMPROVADA NOS AUTOS. COMPATIBILIDADE DA MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO COM A MODALIDADE QUALIFICADA DO CRIME DE FURTO. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E DESTA CORTE.

FIXAÇÃO, DE OFÍCIO, DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COMPLEMENTARES AO DEFENSOR NOMEADO PELA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 85, §§ 1º, 2º, 8º E 11º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL C/C ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DA RESOLUÇÃO 11/2019 DO CONSELHO DA MAGISTRATURA DESTA CORTE.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000727-02.2019.8.24.0049, da comarca de Pinhalzinho Vara Única em que é/são Apelante(s) Maicon Rodrigues e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, fixando-se, de ofício, honorários advocatícios complementares ao defensor nomeado.

Presidiu o julgamento, realizado na presente data, o Exmo. Sr. Des. Júlio César M. Ferreira de Melo, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Getúlio Corrêa. Funcionou como Representante do Ministério Público a Exmo(a) Dr(a). Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 18 de fevereiro de 2020.

Desembargador Ernani Guetten de Almeida

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Pinhalzinho, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Maicon Rodrigues pela prática, em tese, do crime previsto no art. 155, § 4º, I, do Código Penal, em razão dos fatos a seguir expostos (fls. 71-73):

No dia 16 de Junho de 2019, por volta da 1 hora, na residência localizada na Avenida Brasília, s/n, Centro, neste Município e Comarca de Pinhalzinho, o denunciado Maicon Rodrigues, dolosamente, ciente da ilicitude e da reprovabilidade de sua conduta, subtraiu, para si, com ânimo de assenhoreamento definitivo, coisas alheias móveis, consistentes em 1 (um) aparelho de som automotivo, marca H-Buster, modelo BB6505DL, com controle remoto, avaliado em aproximadamente R$ 140,00 (cento e quarenta reais) e 1 (um) pen drive, marca Kingston, de propriedade da vítima Sidnei Ferreira.

Na oportunidade, o crime de furto foi praticado mediante rompimento de obstáculo à subtração das coisas, tendo em vista que o denunciado rompeu a fechadura do porta-malas do veículo, o que permitiu a entrada para a subtração dos objetos acima indicados.

O denunciado foi abordado e preso pelos policiais. Depois, os bens subtraídos foram restituídos à vítima.

Após a instrução do feito, adveio sentença na qual a Magistrada julgou procedente a peça acusatória oferecida em desfavor de Maicon Rodrigues para condená-lo, como incurso nas sanções do art. 155, §§ 1º e 4º, I, do Código Penal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos, 1 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Por fim, negou-se ao réu o direito de recorrer em liberdade (fls. 156-168).

O réu Maicon Rodrigues interpôs recurso de apelação (fl. 177). Em suas razões recursais, pugnou pela absolvição em razão da atipicidade material da conduta ante a aplicação do princípio da insignificância. Subsidiariamente, pleiteou o afastamento da qualificadora do rompimento de obstáculo (CP, art. 155, § 4º, I), a aplicação, na segunda fase dosimétrica, da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d") com a sua compensação integral com a agravante da reincidência (CP, art. 61, I) e, na terceira fase, o afastamento da majorante do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) (fls. 186-196).

Contrarrazões às fls. 205 - 210.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Rogério Antônio da Luz Bertoncini, onde opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 216-222).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso preenche todos os requisitos de admissibilidade motivo pelo qual deve ser conhecido.

Inicialmente, a defesa requer a absolvição pela atipicidade material da conduta (art. 386, III, do Código de Processo Penal), em razão da incidência do princípio da insignificância.

Sem razão.

Pelo que se infere dos autos, no dia 16 de junho de 2019, por volta da 1h, o apelante, dolosamente, ciente da ilicitude e da reprovabilidade de sua conduta, subtraiu, para si, um aparelho de som automotivo com controle remoto e um pen drive do veículo de propriedade da vítima Sidnei Ferreira, mediante rompimento da fechadura do porta-malas.

A materialidade e autoria emergem do Auto de Prisão em Flagrante (fl. 1), Auto de Exibição e Apreensão (fl. 2), Termo de Reconhecimento e Entrega (fl. 8), Boletim de Ocorrência (fls. 19-21), Laudo Pericial (fls. 138-146), bem como pelos depoimentos colhidos em ambas as fases da persecução penal.

Quanto ao princípio da insignificância, convém ressaltar que a aplicação do Código Penal exige a prática de condutas criminosas que, a despeito de serem tipicamente formais, manifestem reprovabilidade e repercussão suficientes a ofender, ainda que minimamente, bens jurídicos expressivos, sob pena de carecer de tipicidade material e, dessa forma, mostrar-se insignificante à persecução penal.

O princípio da bagatela, desse modo, encontra-se fundado na ideia de que o Direito Penal funciona como a "ultima ratio" no complexo do ordenamento jurídico e está voltado exclusivamente para condutas materialmente relevantes. É, enfim, um consectário lógico do papel fragmentário desse ramo jurídico.

Paulo Queiroz discorre acerca do tema (in Direito Penal: parte geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 60):

"[...] por meio do princípio da insignificância, cuja sistematização coube a Claus Roxin, o juiz, à vista da desproporção entre a ação (crime) e a reação (castigo), fará um juízo (inevitavelmente valorativo) sobre a tipicidade material, quanto a condutas que, embora formalmente típicas, não o sejam do ponto de vista material, dada a sua irrelevância [...]".

Nesse cenário, a fim de atender o caráter fragmentário e a função de "ultima ratio" do Direito Penal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC n. 112378, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. 28.08.2012) fixou requisitos cumulativos para a aplicação do princípio da insignificância, consistentes na: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) nenhuma periculosidade social da ação; 3) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No caso, conforme se verá, a prática do crime em horário destinado ao repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e mediante rompimento de obstáculo (CP, art. 155, § 4º, I), demonstra, por si só, reprovabilidade da conduta e ofensividade do comportamento a afastar a aplicação da bagatela, ainda que os bens furtados tenham sido restituído a vítima - o que, aliás, ocorreu exclusivamente em razão da ação policial.

Nesse sentido, colhe-se desta Corte:

1) Apelação Criminal 0000475-53.2015.8.24.0044, Quarta Câmara Criminal, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. em 9.5.2019:

APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO MEDIANTE O EMPREGO DE CHAVE FALSA E O CONCURSO DE PESSOAS (CP, ART. 155, § 4º, III E IV) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO - MATERIALIDADE E AUTORIA DEBATIDAS - AFASTAMENTO - PROVAS DOS AUTOS QUE DEMONSTRAM O FATO E O ALINHA A PESSOA DO ACUSADO - TESTEMUNHA OCULAR QUE RECONHECE O ACUSADO E SEU COMPARSA COMO AUTORES DO DELITO - RECONHECIMENTO FIRMADO NA AUDIÊNCIA - AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA NOS CARROS VIOLADOS QUE SE MOSTRA DESNECESSÁRIA, ESPECIALMENTE QUANDO DEMONSTRADA POR OUTROS MEIOS COMO A PROVA TESTEMUNHAL - EMPREGO DE CHAVE FALSA ATESTADO PELAS VÍTIMAS - ADEMAIS, REGRA DO ART. 167 DO CPP QUE PODE SER AFASTADA - CONDENAÇÃO IMPERATIVA.

Desaparecidos os vestígios e não sendo possível o exame de corpo de delito, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167 do CPP), de modo que, havendo fartura de relatos dando conta do emprego de chave...

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