Acórdão Nº 0000753-12.2019.8.24.0045 do Segunda Câmara Criminal, 18-02-2020

Número do processo0000753-12.2019.8.24.0045
Data18 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemPalhoça
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Em Sentido Estrito n. 0000753-12.2019.8.24.0045

Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE, PELA ASFIXIA E PELO RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA. OCULTAÇÃO DE CADÁVER (ART. 121, § 2º, I, III E IV, E ART. 211, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PRELIMINARES. PLEITO DE NULIDADE DE DECISÃO QUE DETERMINOU AUTUAÇÃO DO RECLAMO EM APARTADO E DATA PARA SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. NÃO ACOLHIMENTO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 583, PARÁGRAFO ÚNICO, E 584, § 2º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA POR AUSÊNCIA DE PERÍCIA DE COMPARAÇÃO DE VOZ. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE DO INTERROGATÓRIO EXTRAJUDICIAL SEM A PRESENÇA DE ADVOGADO. RÉU CIENTIFICADO DE SUAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PREFACIAIS AFASTADAS.

1 Apesar de o réu ter sido ouvido, na etapa administrativa sem a presença de defensor, tal fato não macula o feito, porquanto, segundo consta do termo acostado aos autos, foi ele cientificado das disposições constitucionais que lhe são garantidas, dentre elas o direito de permanecer em silêncio, salientando-se que não compete à autoridade policial providenciar a assistência de advogado ou intimar o defensor do ato a ser realizado.

2 Diante do procedimento bifásico do Tribunal do Júri, mostra-se inexigível o laudo pericial de comparação de voz para a sentença de pronúncia quando, comprovada a materialidade, outros elementos apontarem indícios suficientes da autoria.

MÉRITO. IMPRONÚNCIA. NÃO CABIMENTO. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE PERMITEM A ADMISSÃO. BIS IN IDEM ENTRE AS MAJORANTES DOS INCISOS III E IV DO § 2º DO ART. 121 DO CÓDIGO PENAL. NÃO VERIFICADO. RECONHECIMENTO DA CONSUNÇÃO. INVIABILIDADE. DECISÃO DE PRONÚNCIA PRESERVADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1 O afastamento de qualificadora, ao menos na fase preliminar, só é viável quando a majorante se mostrar, desde já, manifestamente improcedente, ou seja, inteiramente divorciada do conjunto probatório, circunstância não verificada no caso concreto.

2 Não é possível reconhecer a absorção do delito de ocultação de cadáver pelo de homicídio qualificado, porquanto ausente relação de meio e fim entre as práticas delitivas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0000753-12.2019.8.24.0045, da comarca de Palhoça 1ª Vara Criminal em que é Recorrente Jeferson Carlos Reichwald e Recorrido Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso para afastar as preliminares e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado na data de hoje, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Sérgio Rizelo, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Norival Acácio Engel. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Paulo Roberto Speck.

Florianópolis, 18 de fevereiro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Palhoça, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Darlan Souza de Oliveira, Giovane Souza de Oliveira e Jeferson Carlos Reichwald, imputando-lhes a prática dos delitos previstos nos arts. 121, § 2º, I, III e IV, e 211, ambos do Código Penal, pois, segundo consta na inicial:

Numa noite do final do mês de julho de 2017, possivelmente dia 22, em horário que a instrução poderá apurar, os denunciados Darlan Souza de Oliveira, Giovani Souza de Olivera e Jeferson Carlos Reichwald (vulgo "Alemão Casqueiro") uniram-se para executar o premeditado homicídio da vítima Carlos Alberto Cardoso dos Santos, crime praticado às margens do Rio Imaruim, no bairro Ponte do Imaruim, em Palhoça.

Os denunciados atraíram a vítima até o local e, agindo juntos, sem possibilitar qualquer defesa pela sua compleição física e também pela desproporção de estarem em três contra um - agrediram-na fisicamente com socos e chutes, acabando por imobilizá-la. Com um pedaço de fio, os denunciandos Darlan e Jeferson passaram a estrangular a vítima, puxando cada um de um lado para asfixiá-la, ao tempo em que proferiam vários xingamentos e debochando de estarem tirando a vítima [sic] dela.

A cena que envolveu a asfixia com o fio foi filmada (gravada em celular) pelo denunciado Giovane, que durante todo o momento incentivava os comparsas a assassinar a vítima e inclusive debocha do sofrimento dela: "Pisão é assim, filho da puta, tu é lixo ó, tá difícil de morrer né putinha, aqui é só psico joh, barbudo mendigo, ai ó só sente o respiro dele ó, ta dando o cusinho até morto" (voz de Giovane). O vídeo também gravou os deboches dos comparsas: "já deu o cu até pro demônio, brinca, brinca agora, brinca, brinca alemão casqueiro né?" (voz de Jeferson); "o rapaiz, ta dando os suspiros finais ó" (voz de Jeferson); "é ele gostou, ele chupou um, um, um litro de mijo, é, é, é" (voz de Darlan).

Ato contínuo, os denunciados, com objetivo de concluir seu intento homicida e ocultar o cadáver, amarraram algum um peso ao corpo da vítima e o lançaram no Rio Imaruim para afundar.

O corpo da vítima foi encontrado boiando no Rio Imaruim na manhã de 29 de julho de 2017. Em razão do avançado estado de decomposição, o laudo cadavérico de fls. 99/105 não conseguiu conferir com exatidão a causa da morte da vítima. No entanto, no vídeo gravado pelos próprios denunciados é possível verificar que a morte se deu por ato de asfixia e durante a intensa sessão de agressão física.

De acordo com a investigação, a vítima, na condição de usuária de drogas, teria supostamente subtraído entorpecente (crack) do denunciado Darlan (sabidamente traficante), sendo este, segundo o próprio Darlan menciona no vídeo, a motivação de sua morte: "Olha o que que a gente faz com gente que rouba, safado ó, quer roubar pedra ó, seu safado" (motivo torpe).

Com essa conduta, os denunciados praticaram, em coautoria, o crime de homicídio contra a vítima Carlos Alberto por motivo torpe, pois agiram pela vingança em razão de acreditarem na subtração de certa quantidade de drogas, executando por meio de asfixia e mediante recurso que tornou impossível a defesa da vítima, haja vista que atacaram de forma desproporcional - os três denunciados atacando juntos a vítima - e sem possibilidade de fuga. (fls. 259/261 dos autos originários - SAJ5)

Finda a fase do judicium accusationis, a Magistrada a quo admitiu o pedido formulado na denúncia, para pronunciar os réus e submetê-los a julgamento pelo Tribunal do Júri pela prática, em tese, das condutas previstas nos arts. 121, § 2º, I, III e IV, e 211, ambos do Código Penal.

Inconformado com o decisum, Jeferson Carlos Reichwald interpõe recurso em sentido estrito, mediante o qual requer, em liminar, a suspensão da audiência do Tribunal do Júri, sob o argumento de que é parcialmente nula a decisão que determinou a autuação do presente recurso em autos apartados e designou data à sessão, por afronta ao art. 584, § 2º, do Código de Processo Penal. Preliminarmente, sustenta a nulidade da decisão de pronúncia por cerceamento de defesa, consistente na ausência de perícia de voz, e a nulidade de seu interrogatório extrajudicial por estar desacompanhado de advogado. No mérito, requer a impronúncia com fundamento na insuficiência de provas. Subsidiariamente, almeja o afastamento das qualificadoras previstas nos incisos I e IV do § 2º do art. 121 do Código Penal, além de sustentar a ocorrência de bis in idem entre o reconhecimento da asfixia e do recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Por fim, pleiteia a absorção do delito de ocultação de cadáver pelo de homicídio, por força do princípio da consunção (fls. 9/21).

Contrarrazões ofertadas (fls. 25/37), os autos acenderam a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Paulo Roberto Speck, manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (fls. 45/54).

VOTO

O recurso reúne os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1 De pronto, observa-se que a sessão do Tribunal do Júri já ocorreu na data de 13/6/2019, em relação aos corréus, nos autos n. 0000310-95.2018.8.24.0045 (fls. 822/834 dos autos originários - SAJ5/PG).

De toda forma, não merece guarida o pleito fundado na nulidade parcial da decisão que determinou a autuação do presente recurso em autos apartados e designou data à sessão do Tribunal do Júri, pois, conforme dispõe o art. 583, parágrafo único, do Código de Processo Penal, "[o] recurso da pronúncia subirá em traslado, quando, havendo dois ou mais réus, qualquer deles se conformar com a decisão ou todos não tiverem sido ainda intimados da pronúncia".

Enquanto o art. 584, § 2º, do...

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