Acórdão Nº 0000753-27.2012.8.24.0087 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 10-12-2020

Número do processo0000753-27.2012.8.24.0087
Data10 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemLauro Müller
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0000753-27.2012.8.24.0087, de Lauro Müller

Relator: Desembargador Jaime Machado Junior

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS VINCULADOS A CONTA CORRENTE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECLAMO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

POSSIBILIDADE DE REVISAR AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE COLOQUEM O CONSUMIDOR EM DEMASIADA DESVANTAGEM OU QUE SEJAM ABUSIVAS. PROVOCAÇÃO DA PARTE. SÚMULA N. 381 DO STJ. REVISÃO QUE NÃO FERE O PRINCÍPIO PACT SUNT SERVANDA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

CONTRATOS NÃO JUNTADOS. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 359 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 APLICÁVEL À ÉPOCA (ATUAL ART. 400 DO CPC/15).

JUROS REMUNERATÓRIOS FIXADOS COM BASE NA TAXA MÉDIA DIVULGADA PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL NOS CASOS EM QUE OS CONTRATOS NÃO FORAM JUNTADOS, SALVO SE A TAXA PACTUADA FOR MAIS BENÉFICA AO DEVEDOR.

Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor (Súmula 530 do STJ).

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INCIDÊNCIA INCABÍVEL NOS CONTRATOS AUSENTES .

A ausência de juntada do instrumento contratual firmado entre as partes, mesmo após determinação judicial para o suprimento da omissão, impõe o afastamento da capitalização de juros, pois se mostra inviável a demonstração de sua contratação.

RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADES NO PERÍODO DE NORMALIDADE QUE, CONJUGADO À IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR O SALDO DEVEDOR DE CONTRATOS COMO OS DA ESPÉCIE, DERRUI A MORA. PRECEDENTES DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO.

RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS A MAIOR. POSSIBILIDADE, DIANTE DE MONTANTE PAGO INDEVIDAMENTE.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0000753-27.2012.8.24.0087, da comarca de Lauro Müller Vara Única em que é Apelante Banco Santander S/A e Apelado Bett Car Ltda.

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Tulio Pinheiro, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sebastião César Evangelista.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2020

Desembargador Jaime Machado Junior

Relator

RELATÓRIO

Banco Santander S.A interpôs recurso de apelação cível contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Lauro Müller que, nos autos da ação revisional de contrato ajuizada por Bett Car Ltda, julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Ante o exposto:

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Bett Car Ltda em desfavor do Banco Santander (Brasil) S/A na presente ação de revisão de contrato bancário para:

A) declarar nula a cobrança dos títulos de capitalização adquiridos;

B) limitar a taxa de juros remuneratórios à taxa média de mercado vigente à época da celebração dos contratos;

C) reconhecer a ilegalidade da capitalização dos juros;

D) afastar a cobrança de comissão de permanência;

E) afastar a cobrança das taxas administrativas (TAC, TEC, Taxa e Retorno ou outras denominações tendo o mesmo fato gerador).

F) declarar a ausência de mora por parte do autor ante a falta do requisito subjetivo e, via de consequência, CONCEDER A TUTELA ANTECIPADA pretendida na inicial para: f.1) proibir o réu de inscrever o nome do autor nos cadastros da SERASA, SPC e assemelhados em razão do débito versado nestes autos até que se apure eventual débito em liquidação de sentença ou; f.2) caso já tenha inscrito, determinar que o réu proceda à exclusão do nome do autor do cadastro de proteção ao crédito, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada ao valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

Condeno o réu, ainda, à devolução dos valores eventualmente cobrados a maior ou sua compensação com os valores que, porventura, o autor ainda deva, sendo que para apuração os valores cobrados deverão ser calculados de acordo com o estabelecido na fundamentação supra.

Diante da sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como da verba honorária, que fixo em R$ 15.000,00 (um mil e quinhentos reais), o que faço com fulcro no art. 20, §4º, do CPC.

Postergo a análise da liberação de eventuais valores depositados em Juízo para depois do trânsito em julgado.

Inconformada com a prestação jurisdicional entregue, a instituição financeira sustentou a legalidade da contratação, defendendo que o contrato não padece de cláusulas abusivas. Para tanto, discorreu acerca da possibilidade de contratação dos juros remuneratórios acima da taxa média de mercado e do cabimento de capitalização. Aduziu, ainda, que não há valores a serem restituídos. Pugnou, por fim, pela caracterização da mora e revogação da tutela concedida para o fim de vedar a inscrição do nome do autor em cadastro de devedores inadimplentes.

Apresentadas as contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

Considerando que a sentença objurgada restou publicada na vigência do Código Processual de 1973, a análise do reclamo ficará a cargo de mencionado diploma legal.

Inicialmente, importa ressaltar que a presente ação tem o objetivo de revisar as cláusulas de contrato de abertura de crédito em conta corrente e demais vinculados, exceto as cédulas de crédito bancário n. 00335990200130013884 e n. 0033599300000001960, as quais foram discutidas nos autos dos embargos à execução n. 0001576-98.2012.8.24.0087 e n. 0000408-27.2013.8.24.0087, respectivamente.

Com a peça pórtica não foram colacionados os pactos.

Em decisão interlocutória de fl. 121, foi determinada a intimação da casa bancária para juntar os aludidos documentos, sob pena de incorrer na penalidade prevista no art. 359 do CPC/73, aplicável à época, dispositivo que admitia - assim como continua sendo admitido pela regra do art. 400 do CPC/15 - fossem considerados verdadeiros os fatos que deveriam ter sido comprovados mediante a pactuação que não foi juntada aos autos pelo banco. Nessa toada, ainda que conferido prazo hábil para tanto, as avenças revisandas não foram colacionadas.

Sendo assim, o feito observou os efeitos do artigo em epígrafe, atento às alegações exordiais frente à ausência de conhecimento das cláusulas que compuseram os contratos.

Pois bem.

A casa bancária sustentou a legalidade dos pactos celebrados entre as partes, a significar a impossibilidade de revisão, em virtude do princípio pacta sunt servanda.

Com base na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, exsurge a possibilidade de revisar as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em situação desfavorável ou que sejam abusivas, consoante artigo 51, inciso IV, do citado diploma. Tal revisão, porém, não vai de encontro aos princípios do citado pacta sunt servanda, autonomia da vontade e ato jurídico perfeito, os quais cedem espaço à norma específica prevista no artigo 6º, inciso V, do CDC, por serem genéricos.

Por oportuno, importa citar o verbete da Súmula n. 381 do Superior Tribunal de Justiça: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas."

Nessa linha de raciocínio, a revisão de cláusulas contratuais poderá ocorrer mediante provocação da parte, o que se deu através do ajuizamento da presente ação ordinária.

Juros remuneratórios

A respeito dos juros remuneratórios, é importante frisar que o entendimento jurisprudencial vem admitindo a sua variação acima da taxa média de mercado, desde que não seja iníqua ou abusiva, com o objetivo de conservar a natureza do encargo. A propósito, transcreve-se trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi, no REsp n. 1.061.530/RS: "[...] conclui-se que é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada."

Embora não demonstrada a pactuação dos encargos, já que os contratos estão ausentes, é certo que a remuneração dos juros é implícita à concessão de crédito bancário.

O Grupo de Câmaras de Direito Comercial deliberou pela aplicação da taxa média de mercado informada pelo Banco Central do Brasil nas hipóteses em que o instrumento contratual não tenha sido acostado aos autos, acompanhando o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, estabelecido pela Súmula n. 530:

Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.

Assim, na impossibilidade de aferição do percentual cobrado a título de juros remuneratórios, deve-se aplicar a taxa média divulgada pelo Banco Central no período da contratação, para contratos da mesma espécie, exceto se a taxa cobrada no caso concreto for mais vantajosa para o devedor.

A partir desse contexto, o recurso não merece ser provido no ponto, devendo ser observada a taxa de juros pactuada, se mais vantajosa ao autor.

Capitalização de juros

A legalidade da capitalização de juros encontra-se atrelada ao preenchimento concomitante de dois requisitos: autorização legal nesse sentido e disposição contratual expressa prevendo a possibilidade.

O caso dos autos não merece maiores digressões, visto que a ausência de juntada dos instrumentos contratuais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT