Acórdão Nº 0000759-98.2014.8.24.0043 do Terceira Turma de Recursos - Chapecó, 20-10-2017

Número do processo0000759-98.2014.8.24.0043
Data20 Outubro 2017
Tribunal de OrigemMondaí
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Terceira Turma de Recursos - Chapecó



Apelação n. 0000759-98.2014.8.24.0043, de Mondaí

Relator: Juiz Marcio Rocha Cardoso

CRIME DE USURA – ART. 4º ALÍNEA "A" DA LEI N. 1.521/51 – ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO – CRIME FORMAL – RENOVAÇÃO DO PRAZO A CADA EXIGÊNCIA INDEVIDA – OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - INEXISTÊNCIA – MUTIRÃO DE SENTENÇAS DA CGJ – LICITUDE - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – CRIME DEVIDAMENTE CARACTERIZADO COM RENEGOCIAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COM SUPERAÇÃO DO LIMITE DE JUROS IMPOSTO EM LEI – CONTINUIDADE DELITIVA MANIFESTA – AUSÊNCIA DE CONCURSO MATERIAL – REINCIDÊNCIA NÃO ESPECÍFICA - SUBSTITUIÇÃO DA PENA SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL – RELEVAÇÃO DA PENA DE MULTA QUE DEVERÁ SER ANALISADA EM JUÍZO COMPETENTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0000759-98.2014.8.24.0043, da comarca de Mondaí Vara Única, em que é Apelante Airton Dirceu Kaefer,e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:


A Terceira Turma de Recursos - Chapecó decidiu, por maioria de votos, vencido o Juiz Marcos Bigolin no concernente à substituição da pena, prover parcialmente o recurso .


Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Juízes Marcos Bigolin e Giuseppe Bellani.




Chapecó, 20 de outubro de 2017.



Marcio Rocha Cardoso

Relator


RELATÓRIO

Tratam os autos de apelação criminal deflagrada contra a condenação proferida contra o recorrente, denunciado e condenado como incurso nas sanções do art. 4º, "a" da Lei n. 1.521/51, por duas vezes, em concurso material, à pena de 01 ano e 02 meses de detenção, em regime semi-aberto, além de 20 dias-multa pelo valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

Em seu recurso aventa o apenado: prescrição; ofensa ao princípio da identidade física do juiz; não se caracterizar, nem de longe, o crime de agiotagem, sendo que as cobranças promovidas o foram por conta de dívida das supostas vítimas por publicidade contratada e não paga na rádio local; argumentou, ainda,não haver concurso material, mas eventualmente crime continuado, sendo possível a substituição da pena e a relevação da pena de multa.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Moacir José Dal Magro.


Este é o relatório.


VOTO

Funda a defesa a alegação de prescrição dos fatos narrados no aditamento de fls. 100/102 na circunstância dos títulos estarem datados e emitidos em março e maio do ano de 2010, tendo sido a denúncia recebida somente em junho de 2015,além dos 04 anos previstos em lei.


Ora, como afirmou o Ministro Gilson Dipp, "O crime de usura é crime formal, bastando para sua caracterização a exigência dos juros extorsivos" ( Resp n. 569.496/SP, julgado em 20.11.03). Como se afirmou no acórdão:


"“Segundo o art. 4.º, a, da Lei n.º 1.251⁄51, constitui crime punível com pena de seis meses a dois anos de detenção e multa, a conduta de cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei.

O núcleo do tipo penal em exame é cobrar que não significa, necessariamente, receber, e sim exigir, reclamar, daí ressaindo que independe do efetivo resultado, consumando-se o delito ainda que o agente não tenha recebido o exorbitante valor cobrado a título de juros.

Em assim sendo, o crime parece ter natureza formal, instantâneo, consumando-se no instante em que os juros extorsivos são cobrados, ainda que, eventualmente, possa ter natureza permanente, enquanto perdurarem os atos de cobrança.” (grifei).


Ora, a propositura da ação de cobrança descrita no aditamento de fls. 100/102 é, evidentemente, ato formal de cobrança que renova o prazo prescricional, não se podendo falar, portanto, em lapso temporal da firmação das cártulas cobradas e que, em princípio, continham, no seu bojo, a exigência indevida.


Sem razão, também, quando alega ofensa ao princípio da identidade física do juiz.


É que a Comarca de Mondaí, está a participar do projeto de mutirões de sentenças da CGJ e, em tais situações, não se fazendo demonstrar quaisquer prejuízos ao apenado, não se há falar em nulidade.


A matéria não é nova e já foi crivada pelo STJ, a saber:


"O Superior Tribunal de Justiça, há muito, vem entendendo que se deve aplicar, por analogia, o disposto no art. 132 do CPC/1973 (vigente à época da condenação) - o qual traz exceções à aplicação do princípio da identidade física do juiz - nos casos de ausência do magistrado que presidiu a instrução criminal em razão de convocação, licença, afastamento, promoção ou aposentadoria, devendo os autos serem transferidos ao seu sucessor legal" (HC 385.321/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 16/08/2017).


E, em sede de análise, nos casos de mutirões de sentença nas hostes do processo civil, o mesmo Pretório assentou:


"Não prospera a alegada contrariedade ao art. 132 do CPC, por ofensa ao princípio do juiz natural, porquanto a Corte Especial deste Tribunal firmou entendimento no sentido de que "o princípio da identidade física do juiz não tem caráter absoluto. Assim, desde que não se vislumbre, no caso concreto, prejuízo a alguma das partes, é de se reconhecer como válida sentença proferida por juiz que não presidiu a instrução, ainda que tenha decidido como substituto eventual, em regime de mutirão" (STJ, AgRg no Ag 624.779/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, CORTE ESPECIAL, DJe de 17/11/2008)" (AgRg no AREsp 690.661/ES, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 29/03/2016).


Em relação ao mérito discutido, a sentença merece confirmação por seus próprios fundamentos, eis que bem enquadrada a tipificação, esclarecendo o magistrado os pontos de convencimento e demonstrando a ocorrência, indiscutível do crime previsto no art. 4º, "a" da Lei n. 1.521/51, já tendo o STF proclamado, em sede de repercussão geral, a constitucionalidade do dispositivo do art. 82, § 5º da LJE (RE n. 63729/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 30.06.11).


Em relação ao concurso de crimes, há que se tecer algumas considerações.


Como já apontado no voto, o crime de usura é delito formal, bastando a exigência da dívida com juros acima do permitido; no caso, ainda que extinto o primeiro procedimento judicial (fato I do aditamento da denúncia), a exigência se fez concreta e efetiva, caracterizando o delito. Tem-se, pois, dois delitos bem caracterizados, todavia há que se perquirir: está-se diante de crime continuado ou concurso material?


Não há informações de que o apenado se dedicasse à agiotagem como "atividade profissional", mas sim que...

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