Acórdão nº 0000762-03.2020.8.11.0044 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 24-02-2021

Data de Julgamento24 Fevereiro 2021
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCriminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo0000762-03.2020.8.11.0044
AssuntoHomicídio Qualificado

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 0000762-03.2020.8.11.0044
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Homicídio Qualificado]
Relator: Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO


Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), LAIRTO GUEDES VALENCIO DA ROCHA - CPF: 988.694.931-72 (RECORRENTE), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (REPRESENTANTE), VITORINO DE SOUZA - CPF: 085.016.381-10 (VÍTIMA), MICHEL ASTROLLI SALAZAR - CPF: 934.269.921-91 (ASSISTENTE), MAURI MULLER - CPF: 768.092.420-15 (ASSISTENTE), RONALDO ROQUE DA SILVA - CPF: 043.871.571-35 (ASSISTENTE), SEBASTIAO DA SILVA MAIA - CPF: 377.985.701-44 (ASSISTENTE), AROLDO RIBEIRO DA SILVA - CPF: 550.439.091-53 (ASSISTENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.

E M E N T A

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – ART. 121, § 2º, INCISOS II, E IV, DO CP – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – PRETENSÃO – EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS – MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA – INVIABILIDADE – QUALIFICADORAS QUE NÃO SE MOSTRAM ABSOLUTAMENTE IMPROCEDENTES ANTE AOS FATOS NARRADOS – USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA – INCONSTITUCIONALIDADE – RECURSO DESPROVIDO.

A exclusão da qualificadora constante na pronúncia somente se mostra viável quando manifestamente improcedente, sob pena de se usurpar a competência constitucional do júri.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Lairto Guedes Valêncio da Rocha, qualificado, contra a decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara da Comarca de Paranatinga/MT, nos autos do processo nº 0000762-03.2020.8.11.0044 – Código nº 11468630, foi pronunciado como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal.

Inconformado, através da Defensoria Pública, interpôs o presente recurso em sentido estrito (Id. 70982467). Em suas razões busca a reforma da r. decisão de pronúncia, a fim de excluir as qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da vítima, pois são manifestamente improcedentes.

E contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento do recurso, e no mérito, pelo desprovimento, mantendo incólume a sentença de pronúncia. (Id. 70982470).

O juízo a quo, manteve a decisão recorrida, por seus próprios fundamentos (Id. 70982471).

Nesta instância, o eminente Procurador de Justiça, Singer Tutiya, manifestou-se pelo improvimento do recurso (Id. 75284997), sintetizando com a seguinte ementa:

“SÍNTESE MINISTERIAL: “Artigo 121, §2°, incisos II e IV, do Código Penal – Pleito de exclusão das qualificadoras do motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima – Impossibilidade - Qualificadoras somente podem ser excluídas quando manifestamente improcedentes, o que não é caso dos autos - Qualificadoras que não se mostram desarrazoadas, encontrando amparo no conjunto probatório dos autos – Aplicação do “in dubio pro societate” - Cabe ao júri popular a análise da questão - - Pelo improvimento do recurso”.”

RELATADO O NECESSÁRIO.

V O T O R E L A T O R

Conforme relatado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Lairto Guedes Valêncio da Rocha, qualificado, contra a decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara da Comarca de Paranatinga/MT, nos autos do processo nº 0000762-03.2020.8.11.0044 – Código nº 11468630, foi pronunciado como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal.

A Defesa interpôs o presente recurso, objetivando a reforma da decisão para que sejam afastadas as qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da vítima.

De comum conhecimento que a decisão de pronúncia tem a natureza de decisão interlocutória mista não terminativa, porque encerra uma fase sem pôr fim ao processo e sem decidir o meritum causae, tratando-se de um juízo de admissibilidade da acusação.

Nesta fase, não obstante os argumentos expendidos pelo ora recorrente, na fase de pronúncia somente serão excluídas as qualificadoras que se mostrarem manifestamente improcedentes, assegurando-se, assim, a observância da competência constitucional do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida.

A exordial acusatória narra os seguintes fatos:

“(...) Consta dos inclusos autos que, no dia 22 de março de 2020, por volta das 18h3Omin, na propriedade rural denominado "Fazenda Laguna Carapã", localizada na MT 020, Km 10, neste município e comarca de Paranatinga/MT, o denunciado LAIRTO GUEDES VALÊNCIO DA ROCHA com consciência e vontade, caindo com animus necandi, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, por meio de disparas de arma de fogo. matou a vítima Vitorino de Souza conforme Auto de Prisão em Flagrante Delito (fl. 02); Boletim de Ocorrência (fls. 03/04); Relatório de Investigação (fl. 05/07); Termo de Reconhecimento de Objeto de fl. 23; Termo de Apreensão de A. 08; Termo de Qualificação, Vida Pregressa e Interrogatório de fl. 25 e demais elementos coligados aos autos.

Apurou-se que, nas circunstâncias de tempo e local acima descritos, o denunciado LAIRTO GUEDES VALÊNCIO DA ROCHA impelido por motivo fútil, com o intento homicida, apossou-se de urna arma de fogo, do tipo espingarda e, repentinamente, efetuou 1 (um) disparo com o referido instrumento em face do ofendido Vitorino de Souza.

Não satisfeito, após efetuar o primeiro disparo e perceber que a vitima ainda estava viva, o denunciado LAIRTO GUEDES VALÊNCIO DA ROCHA efetuou o segundo disparo de arma de fogo contra a cabeça do ofendido, logrando êxito em seu intento criminoso consistente em matar Vitorino de Souza, que veio a óbito instantaneamente.

Após ser realizada a comunicação dos fatos à Polícia Judiciária Civil, os Investigadores de Polícia Michel Astrolli Salazar e Mauri Muller diligenciaram até o local dos fatos e inciaram as investigações no sentido de localizar o autor do crime.

Em diligências, a equipe da Policia Civil recebeu a informação de que LAIRTO GUEDES VALÊNCIO DA ROCHA foi o autor do crime de homicídio qualificado praticado em face de Vitorino de Souza.

Salienta-se que a qualificadora do motivo fútil está presente uma vez que o denunciado LAIRTO GUEDES VALÊNCIO DA ROCHA matou o Sr. Vitorino de Souza em razão de discussão banal e estado de embriaguez.

Do mesmo modo, restou evidenciado que o crime em questão foi praticado mediante o emprego de recurso que dificultou a defesa do ofendido, o qual foi surpreendido pelo denunciado que repentinamente pegou a arma e efetuou os disparos. (...)”

Destarte, passo à análise da pretensão deduzida pela defesa, atinente ao decote das qualificadoras.

É de sabença que, as qualificadoras, quando propostas na denúncia, somente não prosperam em sede de sentença de pronúncia caso haja prova inconteste e inequívoca de sua improcedência, merecendo acolhimento caso haja o mínimo de indícios, ainda que incertos, devendo o tribunal do júri manifestar-se, após análise, pelo seu provimento ou improvimento.

Quanto a qualificadora do motivo fútil, preleciona Cleber Masson:

Motivo fútil é o insignificante, de pouca importância, completamente desproporcional à natureza do crime praticado. Exemplo: Age com motivo fútil o cliente que mata o dono do bar pelo fato de este ter lhe servido cerveja quente. Fundamenta-se a elevação da pena na resposta estatal em razão do egoísmo, da atitude mesquinha que alimenta a atuação do responsável pela infração penal. O motivo fútil, revelador de egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até a insensibilidade moral, deve ser apreciado no caso concreto, de acordo com o id quod plerumque accidit, ou seja, levando em conta a máxima da experiência, os fenômenos que normalmente acontecem na vida humana” [Direito Penal: Parte Especial, vol. 2, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2017, p. 29].

No mesmo sentido, é a lição de Rogério Greco:

“O inciso II do § 2º do art. 121 do Código Penal prevê, também, a qualificadora do motivo fútil. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. Segundo Heleno Fragoso, ‘é aquele que se apresenta, como antecedente psicológico, desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendo-se em vista a sensibilidade moral média’.

[...]

Enfim, motivo fútil é aquele no qual há um abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente” [Curso de Direito Penal: parte especial, volume II, 15. ed. Niterói: Impetus, 2018, p. 30].

Cito, por fim, Heráclito Antônio Mossin:

“Do ponto de vista etimológico, fútil, na qualidade de qualificadora subjetiva, é todo o comportamento que é frívolo, leviano, mesquinho. Assim, o agente que tira a vida de seu semelhante por essa razão, merece considerável repulsa não só em termos legais, bem como sob o quadrante social. Em termos jurisprudenciais, é fútil o crime praticado por razão insignificante, sem importância, totalmente desproporcionada em relação ao crime, em vista de sua banalidade. É a desconformidade entre a pequeneza da provocação e a grave reação criminosa que o sujeito lhe impõe e que não pode explicar a ação criminosa; é aquele que é insignificante, desarrazoado, despropositado, ínfimo, mínimo e tão desprovido de razão que deixa o crime, por assim dizer, vazio de motivo.

Ainda aqui merece destaque a lição de Nelson Hungria:

“O motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius e em...

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