Acórdão nº 0000782-76.2018.8.11.0007 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Vice-Presidência, 16-06-2021

Data de Julgamento16 Junho 2021
Case OutcomeProvimento em Parte
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoVice-Presidência
Número do processo0000782-76.2018.8.11.0007
AssuntoAssociação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 0000782-76.2018.8.11.0007
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins]
Relator: Des(a).
GILBERTO GIRALDELLI


Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]

Parte(s):
[GUILHERME FERRAZ SOARES - CPF: 057.571.871-40 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.

E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO PELO DELITO TIPIFICADO NO ARTIGO 33, CAPUT DA LEI N.º 11.343/2006 – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1) PRELIMINAR DE NULIDADE PELA OCORRÊNCIA DE INVASÃO DE DOMICÍLIO – REJEIÇÃO – DENÚNCIA ANÔNIMA QUE NÃO FOI O ÚNICO ELEMENTO A EMBASAR A ABERTURA DO PROCEDIMENTO PENAL – ESTADO DE FLAGRÂNCIA QUE SE PROTRAI NO TEMPO – APREENSÃO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE DENTRO DE QUINTAL VIZINHO POR TER SIDO LÁ LANÇADA DURANTE A FUGA DO AGENTE – 2) MÉRITO2.1) ALMEJADA ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES SUBSIDIADA POR PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE PARA CONSUMO PESSOAL – INVIABILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DO NARCOTRÁFICO DEMONSTRADAS – FORÇA PROBANTE DA PALAVRA POLICIAL – VERSÃO DEFENSIVA ISOLADA QUE NÃO CONVERGE COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO E COM ELEMENTOS ANGARIADOS EM DILIGÊNCIAS POLICIAIS PRÉVIAS – 2.2) PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE READEQUAÇÃO DA PENA – PROCEDÊNCIA PARCIAL 2.2.1) PENA-BASE QUE DEVE SER RETIFICADA ANTE A AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A NEGATIVAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS À EXCEÇÃO DA VARIEDADE DE DROGAS, EM VIRTUDE DA EXEGESE DO ARTIGO 42 DA LEI N.º 11.343/20062.2.2) FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO PELA ATENUANTE DA MENORIDADE RELATIVA DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA SACRAMENTAR QUANTUM DIVERSO DA FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO) – 2.2.3) PROCESSO EM CURSO POR FATO POSTERIOR QUE AUTORIZA A MANUTENÇÃO DO ÓBICE AO RECONHECIMENTO DA FIGURA PRIVILEGIADA – 2.2.4) VALOR DE CADA DIA-MULTA RETIFICADO EX OFFICIO PARA ATENDER AO CRITÉRIO BIFÁSICO – 3) PREQUESTIONAMENTO – APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

1) Não sendo a notícia apócrifa o único elemento a dar azo à abertura do procedimento próprio e formal do inquérito policial, não há falar em nulidade. Ademais, quando se está diante de crime de natureza permanente, possibilita-se o imediato ingresso dos policiais na residência, independentemente de ordem judicial, justamente em razão do estado de flagrância que se protrai no tempo, ainda mais quando o contexto traduz inequívoca fundada suspeita para a busca domiciliar do crime permanente em questão, embora em nenhum momento tenha se efetivado uma verdadeira varredura domiciliar, porquanto ingressou-se no quintal da residência da tia do réu para abordá-lo porque lá adentrou em fuga, bem como no terreno vizinho e mediante autorização do respectivo proprietário, para a apreensão da substância proscrita lá dispensada pelo apelante;

2.1) As condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão do apelante e da apreensão dos entorpecentes, aliadas aos depoimentos testemunhais prestados nos autos, tornam devidamente demonstradas a materialidade e a autoria do crime de tráfico de entorpecentes, autorizando, por consequência, o afastamento da tese absolutória subsidiada pela desclassificatória;

2.2.1) Merece retificação, embora não para o patamar mínimo legal, a pena-base do apelante se as circunstâncias judiciais que lhes foram desabonadas carecem de fundamentação idônea, remanescendo válida apenas a invocação do artigo 42 da Lei de Drogas em virtude da diversidade dos entorpecentes apreendidos em poder do apelante;

2.2.2) Ante a ausência de regramento disciplinando a matéria, consolidou-se na jurisprudência que a fração das circunstâncias legais seja de 1/6 (um sexto) - para atenuantes e/ou agravantes -, salvo se o caso concreto reclamar quantum diverso, o que não se verifica na hipótese em que se reconheceu e aplicou a menoridade relativa em patamar inferior sem qualquer fundamentação;

2.2.3) Processo em curso, ainda que referente a fatos posteriores aos do delito em voga, muito embora não configurem maus antecedentes e tampouco reincidência, podem ser utilizados para afastar a causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, §4.º, da Lei n.º 11.343/06, por indicarem que o agente se dedica a atividades criminosas. Precedentes do STJ;

2.2.4) Observando-se que o valor de cada dia-multa não obedeceu ao critério bifásico [enquanto a quantidade de dias-multa deve guardar a devida proporcionalidade com a respectiva pena privativa de liberdade, o valor de cada dia-multa deve guardar relação com as condições econômicas do apenado], de rigor sua retificação ex officio para o patamar mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do fato.

Apelo defensivo conhecido e parcialmente provido, com providência de ofício.


R E L A T Ó R I O

APELANTE GUILHERME FERRAZ SOARES

APELADO MINISTÉRIO PÚBLICO

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI

Egrégia Câmara:

GUILHERME FERRAZ SOARES, irresignado com a r. sentença proferida pelo MM. Juiz da 5.ª Vara da Comarca de Alta Floresta-MT, nos autos da ação penal n.º 0000782-76.2018.8.11.0007 – Código 163526, na qual foi condenado à pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 780 (setecentos e oitenta) dias-multas, à base de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época do fato, pela prática do crime tipificado no artigo 33, caput da Lei n.º 11.343/2006, recorre a este eg. Tribunal de Justiça [ID 73980972 ao ID 73980977], arguindo, preliminarmente, a nulidade absoluta do processo pela afronta ao direito de inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5.º, XI, da Carta Maior.

Em matéria de mérito, pretende ser absolvido, ante a ausência de comprovação da propriedade da droga ou ver o delito de narcotráfico desclassificado para o de posse de entorpecentes para consumo pessoal [artigo 28 da Lei de Drogas], por inexistir o dolo de mercancia. Subsidiariamente, ainda vindica a retificação da pena-base, em virtude da exasperação ter sido baseada em fundamentação genérica e verificada a ocorrência de bis in idem; a redução proporcional e razoável pela atenuante da menoridade relativa [na fração de 1/6], além do reconhecimento da figura privilegiada na fração máxima de 2/3. Por fim, prequestiona os artigos 33, caput, e § 4.° da Lei de Drogas; artigos 155 e 157 do Código de Processo Penal; artigos 59 e 68 do Código Penal; precedentes dos Tribunais Superiores e desse Sodalício que garantem a proporcionalidade na majoração da pena base; vedam o ingresso na residência com base em meras presunções; coíbem a utilização de condenação por fato posterior para o afastamento da aplicação do art. 33, §4.° da Lei de Drogas; além do artigo 93, IX da Constituição Federal e artigo 33, §2.º do Código Penal.

Contrarrazões ministeriais são vistas no ID 73980986 ao ID 73980989, pugnando pelo desprovimento do recurso, a fim de se rejeitar a preliminar de nulidade e, no mérito, manter incólume a r. sentença proferida, destacando ser incontroverso que o apelante realmente praticou o delito em testilha, bem como mostrar-se escorreita a dosagem da pena.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de ID 80540970, da lavra do i. Procurador de Justiça, Dr. Élio Américo, opina pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do apelo, seguindo a mesma linha intelectiva das contrarrazões recursais, inclusive adotando-as per relationem, com fulcro na Recomendação n.º 57/2017 do CNMP.

É o relatório.

À douta Revisão.

Incluído o feito em pauta para julgamento, da respectiva data, intime-se a Defensoria Pública Estadual, na forma do art. 128, I, da LC n.º 80/94

V O T O R E L A T O R

VOTO [PRELIMINAR – DA NULIDADE DO PROCESSO POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO]

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR)

Egrégia Câmara:

A primeira tese defensiva apresenta-se como matéria preliminar e guarda relação com suposta nulidade absoluta do processo frente à violação do direito de inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5.º, XI, da Carta Maior.

Argumenta, o apelante, que “...a polícia militar teria recebido denúncias anônimas a respeito de eventual comercialização de droga ilícita pelo recorrente, e após o avistar, passaram a segui-lo. Quando o recorrente adentrou a casa de sua tia (e testemunha deste processo), Marilene Miguel de Medrades Rodrigues, de imediato, os policiais invadiram a residência...” – sic, ID 73980972 – pág. 3.

Não se ignora que a denúncia anônima, que veicula uma notitia criminis perante os órgãos estatais encarregados da investigação penal, sem declinar, contudo, quem é o seu responsável, desperta certa controvérsia, por representar, ao mesmo tempo, uma dimensão do direito à segurança (art. 5.º, caput da CF), exercido pelos próprios particulares em colaboração com os agentes públicos, e uma eventual afronta à vedação do anonimato, que condiciona o direito à livre manifestação do pensamento (art. 5.º, inciso IV, CF).

Por um lado, identificam-se cidadãos interessados em ver a apuração de uma possível infração penal e que se valem desse instrumento como uma forma de provocar as autoridades competentes e manter, concomitantemente, certa distância e garantia de proteção, evitando futuras retaliações por parte dos delatados. De outro, encontra-se o investigado, que tem direito de conhecer os termos da acusação e de ver mantida a sua esfera de privacidade e honra objetiva na comunidade em que está...

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