Acórdão Nº 0000805-70.2018.8.24.0068 do Primeira Câmara Criminal, 01-07-2021

Número do processo0000805-70.2018.8.24.0068
Data01 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0000805-70.2018.8.24.0068/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: REONALDO CORREIA DOS SANTOS (ACUSADO) ADVOGADO: GUILHERME BENETTI FONTANA (OAB SC044639) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de SEARA em face de Reonaldo Correia dos Santos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 147 do Código Penal, c/c o artigo 7º, inciso II, da Lei 11.340/2006, por duas vezes (Fato 1 e Fato 2), e artigo 147 do Código Penal (Fato 3), na forma do artigo 69 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
Fato 1 - Ameaça em sede da Lei Maria da Penha:
Aos 13 dias do mês de agosto de 2018, por volta das 00h01min, em residência localizada na Rua Orlando Dezen, n. 233, bairro Industrial, no município de Seara (SC), o denunciado REONALDO CORREIA DOS SANTOS, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, munido de um facão, ameaçou, por palavras, causar mal injusto e grave à vítima Silvana da Silva, sua companheira, no instante em que disse que iria matá-la, cortar o pescoço dela, deixando o corpo de um lado e a cabeça de outro.
Na ocasião, a vítima não permitiu que o Denunciado fizesse uso de entorpecentes, após chegar em casa com os amigos, circunstância que o deixou brabo, de modo que, munido de um facão, proferiu ameaças em desfavor da vítima e danificou os bens da residência com o uso da arma branca e de um bastão de madeira (Termo de Exibição e Apreensão da p. 9).
Em seguida, a vítima evadiu-se da residência e chamou por socorro.
Acionada a Polícia Militar, a porta da residência foi arrombada para que o Denunciado fosse preso em flagrante delito.
Fato 2 - Ameaça em sede da Lei Maria da Penha:
Após os fatos acima narrados, no trajeto para Delegacia de Polícia, no interior da viatura, o denunciado REONALDO CORREIA DOS SANTOS, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, ameaçou, novamente, por palavras, causar mal injusto e grave à vítima Silvana da Silva, sua companheira, no instante em que proferiu os seguintes dizeres: "que a cadeia não é para sempre, que uma hora sai de lá, e quem vai para o cemitério não sai mais e a polícia não vai estar 24h na porta da casa da vítima".
Fato 3 - Ameaça:
Nas mesmas circunstâncias de local e tempo narradas no Fato 2, o denunciado REONALDO CORREIA DOS SANTOS, com consciência e vontade, ciente da ilicitude e reprovabilidade da sua conduta, ameaçou, por palavras, causar mal injusto e grave às vítimas Rafael Mânica Hanke e Sidinei Gaio, ambos Policiais Militares, no momento em que disse que: "o que era deles estava guardado e iria encontra-los por aí", bem como afirmou: "eu vou preso, mas eu saio, aí nos vamos resolver isso" (evento 23, eproc1G, em 17-8-2018).
Sentença: o juiz de direito Douglas Cristian Fontana julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar Reonaldo Correia dos Santos ao cumprimento da pena de 2 meses e 16 (dezesseis) dias de detenção, a serem cumpridos inicialmente em regime aberto, pela prática dos delitos previstos nos art. 147 do Código Penal e art. 147, do CP, c/c art. 7º, II, da Lei 11.340/2006, tudo na forma do art. 69, do Código Penal, suspendo-lhe pena privativa de liberdade por 3 (três) anos, mediante o cumprimento das seguintes condições (CP, art. 78, caput, e § 1.º): a) proibição de frequentrar bares, boates e congêneres; b) comparecimento pessoal e obrigatório em juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades; c) no primeiro ano do prazo, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a serem definidas na fase da execução, consistente em tarefas gratuitas atribuídas aos condenados conforme suas aptidões, cumpridas à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
Fixou honorários advocatícios em R$766,00 em favor de Guilherme Benetti Fontana - OAB/SC 44.639 (evento 192, eproc1G, em 16-12-2020).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.
Recurso de Reonaldo Correia dos Santos: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:
a) em relação ao "fato 2" descrito na denúncia, a absolvição é medida que se impõe, pois não existem provas colhidas sob o contraditório judicial aptas a amparar uma condenação. Ademais, não houve a comprovação que o apelante teve o dolo de ameaçar a suposta vítima;
b) no que diz respeito ao "fato 3", deve ser extinta a punibilidade do apelante por ausência de representação das vítimas. Subsidiariamente, considerando que os policiais não se sentiram ameaçados, é necessária a absolvição do apelante;
c) o prazo de três anos fixado para suspensão condicional da pena é abusiva; também "revela-se demasiada as condições fixadas, posto que extrapolaram demasiadamente os limites da pena, revelando-se excessivas, principalmente a prestação de serviço a comunidade por 1 (um) ano, cumpridas à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, ficando mais rígida que a pena privativa de liberdade".
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo que: a) seja reconhecida a extinção da punibilidade pela decadência com relação ao fato 3; b) o apelante seja absolvido das condutas narradas na denúncia; e c) revista as condições do sursis. Por fim, pugnou pela concessão da justiça gratuita e fixados honorários recursais (evento 216, eproc1G, em 18-3-2021).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que:
a) é pacífico o entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que a manifestação da vítima prescinde de qualquer rigor formal, bastando a comunicação dos fatos à autoridade policial ou, de algum modo, o seu seu desejo de ver o agente processado, para autorizar a Autoridade Policial a prosseguir com as investigações, como ocorreu no caso;
b) não há falar em insuficiência de provas, porquanto a sentença analisou os elementos de prova produzidos durante a persecução criminal e concluiu, com a certeza que se espera, pela condenação do agente pelos delitos que lhe foram imputados;
c) o Magistrado a quo agiu de modo escorreito, expondo motivação idônea e suficiente para a substituição da reprimenda.
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 221, eproc1G, em 22-4-2021).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Paulo Antônio Günther opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, tão somente para que seja concedido o benefício da justiça gratuita e majorada a verba honorária (evento 10, eproc2G, em 12-5-2021).
Este é o relatório

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche parcialmente os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser parcialmente conhecido.
Isso porque a defesa postulou a concessão da justiça gratuita, todavia, não houve manifestação do Juízo de primeiro grau, a quem compete analisar o pleito, consoante posição consolidada por este Órgão Fracionário, nos termos das Apelações Criminais 0006402-67.2015.8.24.0054 e 2014.001026-2, ambas desta Relatoria.
Dessa forma, não se conhece do recurso, no ponto.
Da questão prejudicial
A defesa pretende o reconhecimento da decadência do direito de representação apresentada pelas vítimas em relação ao "fato 3".
De fato, nos termos do artigo 103 do Código Penal "salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime".
Compulsando autos, nota-se que a ameaça contra os policiais foi registrada no boletim de ocorrência contra o apelante em 13-8-2018, nos seguintes termos (evento 1 - P_FLAGRANTE4):
Foram acionados via COPON para atender uma ocorrência, a princípio seria uma discussão de família, porém, obtiveram informações que o conduzido estaria munido de um facão. [...] No caminho para a Delegacia ameaçou o comunicante e seu colega dizendo: "Eu vou preso, mas eu saio, aí nós vamos resolver isso". [...]
Os policiais Sidnei e Rafael, ouvidos pela autoridade policial, relataram que na viatura, o apelante dirigiu ameaças para a vítima Silvana da Silva, bem como para a guarnição, dizendo: "o que era nosso estava guardado, que nós iríamos se encontrar por aí" (evento 3).
Em juízo, ratificaram suas declarações, confirmando as ameaças proferidas pelo apelante.
O registro da ocorrência, somado às declarações prestadas pelos ofendidos, em que relatam detalhadamente o ocorrido, evidencia o desejo de ver o apelante processado criminalmente pelos fatos praticados.
A propósito, já destacou o Superior Tribunal de Justiça que "doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação do ofendido nas ações penais públicas condicionadas prescinde de qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima em autorizar a persecução criminal", de modo que "o simples registro de ocorrência policial pela vítima, exatamente como ocorreu na espécie, já se revela suficiente para que seja deflagrada ação penal contra o paciente pelo crime de ameaça", porquanto evidencia a intenção da ofendida em autorizar a persecução penal (HC 323.855/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 13-10-2015).
Desta Corte, colaciona-se:
APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA, DANO QUALIFICADO E DESACATO (ARTS. 147, CAPUT, 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, E 331, TODOS DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. DELITO DE AMEAÇA. PEDIDO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DA APELANTE PELO RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA. INVIABILIDADE. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. ATO PROCESSUAL QUE NÃO EXIGE FORMALIDADE. BOLETIM DE OCORRÊNCIA E DECLARAÇÕES DA OFENDIDA NA FASE INDICIÁRIA...

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