Acórdão nº 0000821-18.2020.8.14.0105 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Penal, 10-07-2023

Data de Julgamento10 Julho 2023
Órgão1ª Turma de Direito Penal
Número do processo0000821-18.2020.8.14.0105
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoCrimes de Trânsito

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0000821-18.2020.8.14.0105

APELANTE: RENATO CORDEIRO TRINDADE

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 303, §1º, DA LEI N.º 9.503/1997. ABSOLVIÇÃO. CARÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. NARRATIVA HARMÔNICA DA VÍTIMA. INOBSERVÂNCIA DO DEVER. REDUÇÃO PENA. INCABIMENTO. REPRIMENDA DETERMINADA NO MÍNIMO LEGAL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. Na lesão corporal não é necessária a configuração da figura dolosa, a intenção no cometimento ilícito, bastando, simplesmente, a presença da imprudência, da negligência ou da imperícia. Forçoso entender, que a imprudência se encontra demonstrada no caso em apreço, na medida em que o apelante agiu sem qualquer dever de cautela, na condução de veículo automotor, ao avançar a preferencial, sem emitir qualquer alerta para externar sua intenção de ingressar no estabelecimento. Lado outro, restou comprovado que o apelante, ao conduzir o veículo sem habilitação para tanto, não observou o necessário dever de cuidado ao trafegar por via pública, expondo a sério risco a integridade física de transeuntes e de demais pessoas que ali trafegavam, como, de fato, ocorrido, ao colidir com a motocicleta do ofendido.

2. Oportuno sobrelevar a inexistência nos autos de qualquer indício de que a vítima, com seu comportamento, tenha contribuído para o acidente, tampouco, que tenha dado causa, exclusivamente ao sinistro. A dinâmica delitiva exposta no conjunto probatório, expõe que o ofendido estava na sua preferencial e o réu, sem a devida cautela, avançou com o veículo e ocasionou o acidente, não restando alternativa à vítima a não ser colidir na traseira do veículo conduzido pelo apelante.

3. Incabível o pleito de redução se pena, eis que o quantum da pena base foi estabelecido no mínimo legal de 06 (seis) meses de detenção. Não foram consideradas atenuantes e agravantes. Na terceira etapa, a reprimenda restou acrescida da fração mais benéfica de 1/3 (um terço), em razão da causa de aumento descrita no art. 303, §1º, c/c art. 302, §1º, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro, cominando ao réu a pena definitiva de 08 (oito) meses de detenção.

4. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime.

Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Penal, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe negar provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Sala de Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, iniciada aos dias dez e encerrada aos dias dezessete do mês de julho de 2023.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Kédima Pacífico Lyra.

Belém/PA, 10 de julho de 2023.

Desembargadora VÂNIA LÚCIA SILVEIRA

Relatora

RELATÓRIO

RENATO CORDEIRO TRINDADE interpôs recurso de apelação, irresignado com a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Concórdia do Pará (ID 12882656), que o condenou, como incurso no tipo penal inserto no art. 303, §1º, do Código de Trânsito Brasileiro, à reprimenda de 08 (oito) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, bem como à suspensão, por 01 (um) ano, do direito de obter habilitação ou permissão para dirigir veículo automotor, na forma do art. 293 do CTB, ou, na hipótese de o réu já possuir carteira de habilitação, à suspensão do direito de uso, pelo prazo supracitado.

Determinou, ademais, o Juízo, a suspensão da pena privativa de liberdade por 01 (uma) restritiva de direito, concernente em prestação pecuniária, no valor de R$ 1.818,00 (mil e oitocentos e dezoito reais), em favor do ofendido.

Narra a peça incoativa (ID 12882617) que no dia 08 de fevereiro de 2020, por volta das 12h00min, em via pública, em frente ao Posto de Gasolina Paradão, no Município de Concórdia do Pará/PA, o apelante praticou lesão corporal contra vítima Marcos Araújo Chagas, na condução de veículo automotor.

Descreve que, na data mencionada, o réu conduzia o veículo, marca FIAT, modelo Strada, cor branca, ano 2016, Placa NRE-6102, CHASSI 9C2KC08107R189497, registrado em nome de Renato Cordeiro Trindade, sem carteira de habilitação, quando colidiu com a motocicleta Honda CG, de cor preta, conduzida pela vítima.

Detalha que, na ocasião, a vítima, conduzia sua motocicleta no sentido Mãe do Rio/Concórdia do Pará, e o réu em sentido contrário, oportunidade na qual ele adentrou no posto de combustível Paradão, de maneira brusca e repentina, imprudentemente, sem dar preferencial à vítima, colidindo seu veículo com o dela, causando ao ofendido as lesões corporais descritas na prova técnica.

Em razões recursais (ID 12882670), clama a defesa pela reforma do édito condenatório, e consequente absolvição do apelante, diante da insuficiência de provas a lastrear a condenação. Sustenta contradição entre a prova testemunhal e a narrativa acusatória, ressoando dos autos, em realidade, que o sinistro decorreu de culpa exclusiva da vítima, ao conduzir motocicleta com velocidade desatenta. Afirma, ademais, a comprovação de que o réu promoveu socorro ao ofendido, consoante ratificado por uma das testemunhas.

Outrossim, roga pela condenação apenas no que concerne à conduta prevista no art. 309, do CTB, por ser fato incontroverso que o apelante não é regularmente habilitado para condução de veículo automotor.

Pleiteia, por derradeiro, a aplicação da reprimenda no mínimo legal, diante da favorabilidade das vetoriais do art. 59, do Código Penal.

Requer o conhecimento e provimento do apelo manejado.

Em contrarrazões (ID 12882674), o Ministério Público de 1º Grau manifesta-se pelo conhecimento e improvimento do apelo manejado.

Nesta Superior Instância, o Custos Iuris, representado pela Procuradora de Justiça Maria do Socorro Martins Carvalho Mendo, opina pelo conhecimento e improvimento do esmero defensivo, a fim de ser mantida hígida a sentença vergastada.

É o relatório. Sem revisão (pena de detenção – art. 610 do CPPB).

VOTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1. Pleito absolutório. Fragilidade de provas. In dubio pro reo:

Clama a defesa pela reforma do édito condenatório, e consequente absolvição do apelante, diante da insuficiência de provas a lastrear a condenação. Sustenta contradição entre a prova testemunhal e a narrativa acusatória, ressoando dos autos, em realidade, que o sinistro decorreu de culpa exclusiva da vítima, ao conduzir motocicleta com velocidade desatenta. Afirma, ademais, a comprovação de que o réu promoveu socorro ao ofendido, consoante ratificado por uma das testemunhas.

Outrossim, roga pela condenação apenas no que concerne à conduta prevista no art. 309, do CTB, por ser fato incontroverso que o apelante não é regularmente habilitado para condução de veículo automotor.

Não obstante, sem muito esforço, verifica-se que os argumentos esposados não merecem prosperar, senão vejamos:

A materialidade do crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, é indiscutível e encontra-se demonstrada por intermédio do Boletim de Ocorrência Policial (ID 12882612, pág. 05); do Auto/Termo de Exibição e Apreensão (ID 12882614, pág. 05); dos Autos de Entrega (ID’s 12882614, pág. 06 e 12882615, pág. 02); e, sobretudo, a partir do Auto de Exame de Corpo de Delito (ID 12882615, pág. 06), que atesta ofensa à integridade corporal do ofendido, produzido por colisão de motocicleta com automóvel, resultando-lhe perigo de vida.

Cumpre ressaltar que a circunstância de não terem sido produzidos laudos acerca da dinâmica do sinistro, não constitui óbice à comprovação da conduta infracional, podendo ser suprida a perícia por depoimentos testemunhais e demais evidências constantes dos autos, aferíveis pelo magistrado em atenção ao princípio da persuasão racional adotado pelo art. 155 do CPP.

A autoria do crime também resta evidenciada aos autos de forma induvidosa.

A vítima Marcos Araújo Chagas, em seu relato judicial, enfatiza que estava conduzindo sua motocicleta, instante no qual, nas proximidades do Posto Paradão, foi atingido pelo veículo do réu, o qual, imprudentemente, avançou a preferencial, no intuito de ingressar no estabelecimento. Acrescenta que o apelante sequer efetuou a sinalização luminosa, de que pretendia efetuar a manobra.

A testemunha Samuel Matos dos Santos, policial militar, em juízo, declara que a vítima colidiu com o réu; que ambos foram conduzidos para a Delegacia; que o réu prestou assistência à vítima; que a vítima estava em sua preferencial e o réu avançou para entrar no posto de combustíveis.

O apelante Renato Cordeiro Trindade, por seu turno, ao exercer sua autodefesa, nega a acusação que lhe pesa, ao argumento de que foi ao posto para abastecer e que a vítima atingiu a traseira de seu veículo.

Destarte, na lesão corporal não é necessária a configuração da figura dolosa, a intenção no cometimento ilícito, bastando, simplesmente, a presença da imprudência, da negligência ou da imperícia. Forçoso entender, que a imprudência se encontra demonstrada no caso em apreço, na medida em que o apelante agiu sem qualquer dever de cautela, na condução de veículo automotor, ao avançar a preferencial, sem emitir qualquer alerta para externar sua intenção de ingressar no estabelecimento.

Lado outro, restou comprovado que o apelante, ao conduzir o veículo sem habilitação para tanto, não observou o necessário dever de cuidado ao trafegar por via pública, expondo a sério risco a integridade física de transeuntes e de demais pessoas que ali trafegavam, como, de fato, ocorrido, ao colidir com a motocicleta do ofendido.

Vê-se, portanto, que a conduta voluntária do recorrente produziu resultado antijurídico não querido, porém previsível, que podia, com a devida atenção, ser evitado. Nos...

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