Acórdão Nº 0000821-29.2014.8.24.0047 do Quinta Câmara de Direito Público, 30-01-2020

Número do processo0000821-29.2014.8.24.0047
Data30 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemPapanduva
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0000821-29.2014.8.24.0047, de Papanduva

Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

MEIO AMBIENTE - POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL - ÓRGÃO EXECUTOR DE ACORDO COM A LEI ESTADUAL 14.675/09 - AMPLO PODER DE FISCALIZAÇÃO - COMPETÊNCIA AINDA PARA FIRMAR TERMO DE COMPROMISSO E APLICAR SANÇÕES - MULTA - DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA QUANTO AO VALOR - NULIDADE - PARCIAL FALTA DE INTERESSE RECURSAL DA ACIONANTE.

1. O Código Estadual do Meio Ambiente (Lei 14.675/09) definiu, na linha da Lei 9.605/98, que a Polícia Militar Ambiental é órgão executor em conjunto com o Instituto do Meio Ambiente. Atua em nome do Estado de Santa Catarina e possui amplo poder de fiscalização, podendo aplicar sanções e até firmar termo de compromisso - neste caso com auxílio técnico da entidade estadual (IMA).

2. Não há discricionariedade no campo punitivo, ou se haveria de reconhecer que seria dado ao agente público aplicar e medir sanções ao sabor da conveniência e oportunidade - e, pior ainda, com extremas limitações ao controle jurisdicional.

Reprimenda em processo administrativo decorrente de infração ambiental envolve juízo de valor próximo, se não equivalente, àquele do âmbito penal. As penas devem ser dosadas fundamentadamente. A prática de um fato, em tese, punível com multa, não leva necessariamente a esse resultado, muito menos se permite não sejam expostas razões concretas quanto ao valor da sanção - o que não foi seguido na situação concreta.

3. Em seu recurso a autora traz diversos motivos para a anulação do ato que lhe aplicou multa. Não há sentido nessas pretensões porque a sentença justamente reconheceu a nulidade da decisão administrativa.

4. O beneficiário da gratuidade pode ser condenado nos ônus de sucumbência, ainda que haja simultaneamente a suspensão da exigibilidade, que permanecerá até que se prove a obtenção de situação financeira que permita enfrentar o custo (sem prejuízo do prazo decadencial de cinco anos).

Na situação, a benesse foi de fato deferida no curso do feito, não constando que tenha havido revogação. Mesmo que não mencionada pela sentença, a vantagem subsiste ao menos até que eventualmente se concretize aquela mencionada condição.

5. A sentença estabeleceu a sucumbência recíproca e proporcionalmente distribuiu, nos limites do CPC, os ônus sucumbenciais, não sendo o caso de ser feita revisão.

6. Recurso do Estado de Santa Catarina e remessa necessária desprovidos. Apelo do particular conhecido em parte e nessa medida desprovido.

A Quinta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso do Estado de Santa Catarina e da remessa, negando provimento aos dois. O apelo da autora foi conhecido em parte e nessa extensão desprovido. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Denise de Souza Luiz Francoski e Vilson Fontana.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2020.

Desembargador Hélio do Valle Pereira

Presidente e relator


RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença:

Irene Marquetti, devidamente qualificada, ingressou com ação de anulação de ato jurídico contra o Estado de Santa Catarina, igualmente qualificado, na qual aduziu, em síntese, que é suinocultora, sendo que os dejetos dos animais são depositados em tanques específicos para tal fim (tanque de decantação). Afirmou que houve defeito em um dos tanques de decantação e que por adversidades climáticas não pode consertá-lo. Disse que no dia 20-10-2009, a Polícia Militar Ambiental compareceu à sua propriedade e a multou em R$ 50.000,00 pela inadequação do tanque, além de embargar toda a propriedade. Afirmou que realizou Termo de Compromisso com a FATMA, na qual se comprometeu a proceder a recuperação e enriquecimento da Reserva Legal em sua propriedade. Relatou que deu início ao procedimento de recuperação, mas foi notificada, em 13-12-2011, acerca da rescisão do TC firmado e manutenção da multa de R$ 50.000,00, supostamente pelo descumprimento do Termo. Requereu a reconsideração da decisão administrativa, o que foi negado, inscrevendo-se valor da multa em Dívida Ativa. Afirmou que a Polícia Militar Ambiental é incompetente para julgar a infração ambiental; inscrever a multa em dívida ativa e firmar TC, bem como arguiu ausência de parâmetros para dosar a pena de multa, ofensa ao princípio da legalidade, cerceamento de defesa e cumprimento do termo de compromisso. Requereu a concessão de tutela antecipada para determinar que o Estado não inscreva a multa em dívida ativa, bem como suspenda a decisão que rescindiu o termo de compromisso firmado com a FATMA, confirmando-se ao final.

A liminar foi parcialmente deferida, determinando-se a proibição do réu de inscrever em dívida ativa a multa aplicada (fls. 168-173).

Citado, o Estado contestou às fls. 183-201, arguindo a legalidade no procedimento administrativo, bem como rescisão do TC e aplicação da multa. Relatou, inclusive, que várias irregularidades foram encontradas nas instalações da autora, o que gerou o embargo da propriedade e rescisão do Termo de Compromisso. Requereu, deste modo, a rejeição dos pedidos.

Réplica às fls. 623-634.

O feito foi saneado às fls. 696-697.

As testemunhas arroladas foram ouvidas por carta precatória.

Alegações finais às fls. 982-985 e 988-989.

Ao dar pela parcial procedência, constou isto na parte dispositiva:

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, acolho em parte os pedidos formulados por Irene Marquetti contra Estado de Santa Catarina para reconhecer a ausência de fundamentação na decisão que fixou a multa ambiental no procedimento administrativo em R$ 50.000,00 e reconhecer a sua nulidade podendo, no entanto, o órgão competente proceder à nova fixação desta, agora observando expressamente os parâmetros estabelecidos pela Lei n. 9.605/98 e pelo Decreto n. 6.514/2008.

Consequentemente, confirmo a liminar concedida, a qual determinou a abstenção da de inscrição da multa de R$ 50.000,00 em dívida ativa, sem prejuízo de posterior inscrição por inadimplemento quando da revisão da multa.

Tendo em vista a sucumbência recíproca, fixo os honorários advocatícios em 15% sobre o valor da causa com espeque no artigo 85, §2º, do Código Processual Civil. Tendo em vista a sucumbência recíproca, condeno a autora ao pagamento de 70% das despesas processuais e dos honorários advocatícios e a parte requerida em 30% das despesas processuais, observada a isenção do pagamento cabível ao Estado (Lei Complementar Estadual n. 156/97), bem como 30% do valor fixado a título de honorários sucumbenciais.

Além da remessa necessária, ambas as partes recorrem.

O Poder Público alega que "não há nenhuma determinação específica que defina como deve ser realizada a motivação do ato administrativo. Se foram expostas as razões de fato que justificaram a prática do ato conforme realizado, a decisão contém motivação suficiente". Não se pode exigir um "rigor metodológico" sob pena de se estar impondo excesso de formalismo em âmbito administrativo. Insiste, então, que foram expostas de forma objetiva e clara as razões para a aplicação da sanção, ficando destacada também a gravidade da conduta praticada pela administrada. Quer a reforma da decisão, dando-se pela improcedência.

Já a autora defende que a sentença deve ser modificada porque (a) é beneficiária gratuidade, sendo também necessária (b) correção quanto à distribuição da verba honorária. Deve ainda ser (c) refeita a dosimetria da multa, (d) reconhecendo-se o cumprimento do Termo de Compromisso e (e) a incompetência da Polícia Militar para firmá-lo ou rescindi-lo.

No tocante ao primeiro aspecto, afirma que houve deferimento da benesse às fls. 168, de modo que não poderia o juízo condená-la nos ônus de sucumbência. A verba honorária, de sua vez, foi estabelecida de forma "totalmente desproporcional", pois o CPC determina que fique entre 10% e 20% mas o juízo a fixou em 30%, também lhe impondo suportar 70% das custas.

Relativamente à dosimetria da multa, advoga que deveria a Administração ter observado uma série de elementos, em especial aqueles constantes da Portaria 170 FATMA/PMA/2013, de modo que os R$ 50.000,00 aplicados pelo Estado são "absurdos".

De outro lado, reitera que não houve descumprimento, de sua parte, quanto ao termo de compromisso firmado, salientando inclusive que administrativamente ocorreu ofensa ao devido processo legal, pois não lhe fora permitido apresentar alegações finais.

Clama, então, caso não seja reconhecida a gratuidade, que ao menos se reduza a verba honorária, anulando-se a multa imposta pela Fazenda Pública ou, quando menos, se promovendo sua redução para R$ 1.000,00.

Em contrarrazões os apelados defenderam o acerto da decisão combatida quanto aos tópicos recorridos, tendo o Estado de Santa Catarina feito ressalva de que hoje não mais subsistem razões para a manutenção da gratuidade pois a autora é proprietária de dois veículos e em 2015 declarou ter auferido renda média de R$ 8.200,00 - além de possuir R$ 40.000,00 guardados em espécie.

O Ministério Público negou interesse na causa.

VOTO

1. O ato administrativo que resultou na aplicação de multa à autora merece realmente ser anulado por vício em sua motivação (ainda que sua ausência não seja plena, a lacuna deixada acabou por comprometer toda a decisão dada naquele âmbito).

É que, embora exposta fundamentação quanto à necessidade de aplicação de reprimenda, não houve específica e particularizada justificativa para que fosse orçada a multa naquele patamar (de R$ 50.000,00).

Como bem fundamentou o magistrado, a Lei 9.605/98 impõe para tanto estes requisitos:

Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:

I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;

II - os antecedentes do infrator quanto...

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