Acórdão Nº 0000832-66.2015.8.24.0033 do Quinta Câmara Criminal, 13-02-2020

Número do processo0000832-66.2015.8.24.0033
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0000832-66.2015.8.24.0033, de Itajaí

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES. ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES (ART. 345, DO CÓDIGO PENAL). NÃO ACOLHIMENTO. SUBTRAÇÃO DO AUTOMÓVEL PELO ACUSADO OCORRIDA SETE ANOS APÓS A VENDA. PRETENSÃO LEGÍTIMA NÃO VERIFICADA. INTENÇÃO DE SUBTRAIR BEM DA VÍTIMA. EVENTUAL INADIMPLEMENTO OU DESACORDO COMERCIAL QUE DEVERIA TER SIDO SOLUCIONADO EM JUÍZO. PRECEDENTES DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000832-66.2015.8.24.0033, da comarca de Itajaí 2ª Vara Criminal em que é Apelante Alexsandro dos Santos e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

O conteúdo do presente acórdão, nos termos do § 2º, do artigo 201, do Código de Processo Penal, deverá ser comunicado pelo juízo de origem.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Alexsandro dos Santos, pelo cometimento, em tese, do delito disposto no artigo 155, caput, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:

1. No dia 31 de agosto de 2007, ALEXSANDRO DOS SANTOS vendeu o automóvel Fiat Palio Fire, placa MDH5423, para Volmir Garcia, e firmou uma procuração a este com outorga de poderes para sua transferência. Conforme acordado, o comprador deveria quitar as 60 (sessenta) parcelas faltantes do financiamento do veículo.

Embora conste nos autos informações de que Volmir Garcia pagou apenas a primeira parcela do financiamento, o denunciado nunca procurou o comprador para desfazer o negócio e, tampouco, o acionou judicialmente.

2. Em data e circunstâncias a serem esclarecidas no decorrer da instrução, Volmir Garcia vendeu o aludido veículo para Paulo Sérgio da Silva Santos, que o adquiriu de boa-fé.

3. No dia 26 de outubro de 2014, por volta das 10h, Patrícia Maximiliano, esposa de Paulo Sérgio da Silva Santos, foi até o Supermercado Koch, situado na Rua José Pereira Liberato, Bairro São João, nesta urbe, para fazer compras.

No caminho, ALEXSANDRO DOS SANTOS, que trafegava por aquelas imediações a bordo de sua motocicleta, avistou o carro e o reconheceu como aquele que havia vendido a Volmir Garcia, sete anos antes.

O denunciado, então, seguiu Patrícia Maximiliano até aquele estabelecimento. Depois que ela estacionou o automóvel no pátio e entrou no supermercado, ALEXSANDRO DOS SANTOS aproximou-se do carro.

Utilizando a chave reserva que ainda possuía, ele abriu a porta do veículo, ingressou em seu interior e o subtraiu do local. Quando retornou, Patrícia Maximiliano percebeu que o automóvel havia sido furtado, razão pela qual acionou, imediatamente, a Polícia Militar.

Os agentes públicos conseguiram desvendar a autoria do furto por meio das câmeras de segurança do supermercado, que captaram toda a ação desenvolvida pelo denunciado. No dia 30 de outubro de 2014, o automóvel Fiat Palio Fire, placa MDH5423, foi apreendido na residência de ALEXSANDRO DOS SANTOS.

A fim de justificar seu ato, ALEXSANDRO DOS SANTOS sustentou que tinha apenas a intenção de reaver o bem, que era de sua propriedade. Contudo, como a venda se deu havia mais de sete anos, não há que se falar em legitimidade para tanto, pois, de acordo com as regras do direito civil, sobretudo aquelas que tratam da usucapião de bem móvel, decorrido 5 (cinco) anos, a propriedade se reverte em favor do comprador, independentemente de título ou boa-fé. Desse modo, ALEXSANDRO DOS SANTOS subtraiu, para si, coisa alheia móvel.

A denúncia foi recebida (fl. 73), o réu foi citado (fl. 79) e apresentou defesa (fl. 86/95).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência para oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo (fl. 110).

Considerando a não localização do réu, foi decretada sua revelia (fl. 123).

Designada audiência de instrução e julgamento, no ato foi ouvida uma testemunha arrolada pelas partes e interrogado o réu (fl. 181). Foi também inquirida uma testemunha através de carta precatória (fl. 186).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (fls. 207/211 e 214/220), sobreveio a sentença (fls. 222/227), com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia, para CONDENAR o acusado, Alexsandro dos Santos, já qualificado nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato, por infração ao art. 155, caput, do Código Penal.

Diante da quantidade de pena aplicada e da natureza do crime, substituo a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistentes em (a) prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, com base no art. 44, caput e §2º, primeira parte, do CP.

Inconformado, o acusado interpôs recurso de apelação (fls. 237), pugnando pela desclassificação de sua conduta para a prática do disposto no art. 345, do Código Penal (fls. 238/243).

Foram apresentadas as contrarrazões às fls. 250/256 e os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 267/269).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

O apelante pretende a reforma da sentença para o fim de ver desclassificada a conduta que lhe foi imputada para o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, do CP), pois o automóvel estava registrado em seu nome e, portanto, lhe pertencia. Em razão disso, pretende a extinção da punibilidade, uma vez que operou-se a decadência do direito de queixa.

Diz o art. 345, do Código Penal que: "Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência."

A respeito do crime de exercício arbitrário das próprias razões, esclarece a doutrina:

O art. 345 é um tipo de conduta livre em que o agente faz justiça pelas próprias mãos, para satisfazer a uma pretensão. Esta se apresenta como um direito que o agente tem ou julga ter, isto é, pensa de boa-fé possuí-lo. Mesmo que a pretensão seja ilegítima, configura-se o crime se o agente está convencido de ser titular do direito, que pode ser qualquer um: real, pessoal, de família etc. Essa pretensão é o pressuposto do crime. [...] O dolo do crime de exercício arbitrário das próprias razões é a vontade de empregar o meio (violência, ameaça, fraude, etc.) com o fim de satisfazer a pretensão real ou supostamente legítima. Se o móvel é revide, vingança, revanche, retorção etc., o fato constituirá outro ilícito. (Código penal interpretado / Julio Fabbrini Mirabete / Renato N. Fabbrini - 6. ed. - 3. reimpr. - São Paulo: Atlas, 2008, pgs. 2.634 e...

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