Acórdão Nº 0000842-93.1998.8.24.0005 do Terceira Câmara de Direito Público, 30-11-2021

Número do processo0000842-93.1998.8.24.0005
Data30 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0000842-93.1998.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC (EXEQUENTE) APELADO: JUBAL MIRANDA JUNIOR (EXECUTADO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Balneário Camboriú, a municipalidade ajuizou execução fiscal contra Jubal Miranda Junior, na data de 09/1/1998 objetivando a cobrança de um crédito tributário relativo a IPTU referente aos exercícios de 1993 a 1994.

Em consulta, pelo juízo, à base dados da Receita Federal (Comprovante de Situação Cadastral no CPF), foi obtida a informação do óbito do executado, cujo fato foi registrado no ano de 2010 (Evento 175, CPF1, autos de origem).

Por consequência, diante da ilegitimidade passiva do executado, a douta Magistrada proferiu sentença de extinção do processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, inciso VI, do CPC.

Inconformado, o Município interpôs recurso de apelação alegando o seguinte:

a) que, antes de proferir a sentença extintiva, o juiz deveria ter aplicado a norma do art. 10, do Código de Processo Civil;

b) que "não se trata de alterar o sujeito passivo da relação jurídico tributária identificado à época do lançamento e ajuizamento para inclusão de outro", mas, em razão da morte do contribuinte, "chamar o espólio para a ação, na condição de representante judiciário (art. 75, VII do CPC) e de responsável tributário (art. 131, III do CTN)";

c) "que a questão jurídica aqui debatida não se submete aos termos daquela hipótese ventilada pela súmula 392/STJ, eis que não trata de correção de vício nem de modificação do sujeito passivo da relação material";

d) que não é "razoável extinguir de pronto a execução para que o ente tributante a reapresente posteriormente, do contrário estaríamos nos afastando da celeridade e objetividade processual", e "menos razoável ainda é extinguir a execução para que se refaça o lançamento, e forme-se novo título executivo";

e) que no julgamento do REsp n. 1.559.791/PB, o Superior Tribunal de Justiça "já vinha adotando o mesmo entendimento que aqui se reclama, qual seja, de permitir o redirecionamento ao espólio do devedor";

f) que é aplicável ao caso o disposto nos arts. 130 e 131, do Código Tributário Nacional;

g) que, mantida a sentença, "o Município perde o crédito tributário, pois ajuizando outra execução fiscal, fatalmente, estará prescrita, pois o falecimento da parte devedora não é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, abarcada no art. 151 e no art. 174 ambos do CTN";

h) que as Câmaras de Direito Público deste Tribunal de Justiça "já tem entendimento consolidado em favor da Municipalidade: se a parte não foi citada, o Espólio ou o novo proprietário poderão vir a frequentar o polo passivo da demanda", aproveitando-se os atos processuais já praticados (arts. 188 e 277, do CPC), mormente porque a parte executada faleceu depois do protocolo da ação de execução fiscal.

No mais, em defesa da tese de que é possível o redirecionamento da execução fiscal, cita precedentes da Primeira, Terceira e Quarta Câmaras de Direito Público deste Tribunal de Justiça, respectivamente (Apelação Cível n. 0032900-64.2009.8.24.0038; Apelação n. 0301281-53.2017.8.24.0235; Apelação Cível n. 2010.072404-6).

Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Superior Instância.

VOTO

Da ausência de intervenção do Ministério Público

Imperativo registrar, inicialmente, que a ausência de intervenção do Ministério Público no feito se deve ao contido no art. 178, do Código de Processo Civil, e nos arts. 127 e 129, da Constituição Federal.

Ademais, de acordo com o enunciado da Súmula 189, do Superior Tribunal de Justiça, "é desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais".

Não se pode olvidar, ainda, que a douta Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, com fundamento no Ato n. 103/04/MP, racionalizou a intervenção do Ministério Público no processo civil, orientando seus membros a intervir somente naqueles casos em que se evidencia o interesse público.

A interpretação que se faz desse Ato, no âmbito do Ministério Público, como se tem visto em diversos processos, é a de que na execução fiscal e respectivos embargos, não há interesse público a justificar a intervenção do órgão ministerial, na medida em que a Fazenda Pública se encontra bem representada por seu Procurador, que tem envidado os necessários esforços para defendê-la na ação.

Por isso, é desnecessária a remessa do recurso à douta Procuradoria-Geral de Justiça.

Da ofensa ao princípio da não surpresa (arts. e 10, do CPC)

O município apelante alega, como preliminar, que antes de proferir a sentença extintiva da execução fiscal, o juiz deveria observar o disposto nos arts. e 10, do Código de Processo Civil, assim redigidos:

"Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

I - à tutela provisória de urgência;

II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;

III - à decisão prevista no art. 701.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício".

Todavia, não há ofensa ao princípio da não surpresa, haja vista que a sentença recorrida está fundamentada nos dispositivos legais aplicáveis ao caso em questão, vale dizer, no art. 485, inciso VI (ausência de legitimidade), do Código de Processo Civil, sobretudo porque, de acordo com a pacífica jurisprudência, "somente é possível o redirecionamento da execução fiscal em face do espólio quando o falecimento do contribuinte ocorrer após ele ter sido devidamente citado nos autos da execução" (STJ - REsp n. 1.832.608/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe de 24/9/2019), o que não ocorreu no caso dos autos e, por isso, ausente está uma das condições da ação, que é a legitimidade passiva.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, a respeito, decidiu que "o princípio da 'não surpresa', constante no art. 10 do CPC/2015, não é aplicável à hipótese em que há adoção de fundamentos jurídicos contrários à pretensão da parte com aplicação da lei aos fatos narrados pelas partes" (STJ - AgInt no AREsp n. 1.359.921/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 21/11/2019).

No mesmo sentido:

"O 'fundamento' ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure" (STJ - AgInt no REsp n. 1.701.258/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 29/10/2018).

Dos fundamentos do voto proferido pela digna Ministra Maria Isabel Gallotti, devido à pertinência e à relevância, extrai-se:

"Se ao autor e ao réu não é exigido que declinem, na inicial e na contestação, o fundamento legal, mas apenas o jurídico, não faz sentido supor que o magistrado deva proferir despacho prévio à sentença, enumerando todos os dispositivos legais possivelmente em teses aplicáveis para a solução da causa.

Os fatos da causa devem ser submetidos ao contraditório, não ao ordenamento jurídico, o qual é de conhecimento presumido não só do juiz (iura novit curia), mas de todos os sujeitos ao império da lei, conforme presunção jure et de jure (art. 3º da LINDB).

A subsunção dos fatos à lei deve ser feita pelo juiz no ato do julgamento e não previamente, mediante a pretendida submissão à parte, pelo magistrado, dos dispositivos legais que possam ser cogitados para a decisão do caso concreto. Da sentença, que subsumiu os fatos a este ou àquele artigo de lei, caberá toda a sequencia de recursos prevista no novo Código de Processo Civil.

A aventada exigência de que o juiz submetesse a prévio contraditório das partes não apenas os fundamentos jurídicos, mas também os dispositivos legais (fundamento legal) que vislumbrasse de possível incidência, sucessivamente, em relação aos pressupostos processuais, condições da ação, prejudiciais de mérito e ao próprio mérito, inclusive pedidos sucessivos ou alternativos, entravaria o andamento dos processos, conduzindo ao oposto da eficiência e celeridade desejáveis. Seria necessário exame prévio da causa pelo juiz, para que imaginasse todos os possíveis dispositivos legais em tese aplicáveis, cogitados ou não pelas partes, e a prolação de despacho submetendo artigos de lei - cujo desconhecimento não pode ser alegado sequer pelos leigos - ao contraditório, sob pena de a lei vigente não poder ser aplicada aos fatos objeto de debate na causa.

A discussão em colegiado, com diversos juízes pensando a mesma causa, teria de ser paralisada a cada dispositivo legal aventado por um dos vogais, a fim de que fosse dada vista às partes. Grave seria o entrave à marcha dos processos, além de fértil campo de nulidades.

O absurdo da conclusão revela, data maxima venia, o equívoco da premissa.

Não admito, portanto, a alegação de ofensa ao artigo 10 do CPC/2015" (STJ - AgInt no REsp n. 1.701.258/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 29/10/2018).

O eminente Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, na Apelação n. 0901412-53.2018.8.24.0005, em que o mesmo município aqui apelante alegou a nulidade da sentença por ofensa ao art. 10, do Código de Processo Civil, deixou assente:

"3. Da vedação à decisão surpresa:

De plano, refuta-se a prefacial de nulidade da sentença que extinguiu o feito sem a prévia oitiva da Fazenda Pública

De acordo com o Código de Processo Civil: [...]

Como se observa, tal previsão legal visa concretizar o princípio do...

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