Acórdão Nº 0000850-47.2016.8.24.0035 do Quinta Câmara Criminal, 21-07-2022

Número do processo0000850-47.2016.8.24.0035
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000850-47.2016.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: ANDERSON PADILHA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Ituporanga, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Anderson Padilha, dando-o como incurso nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (evento 19):

No dia 7 de novembro de 2015, por volta das 14 horas, o denunciado Anderson Padilha se dirigiu até o estabelecimento comercial denominado "Supermercado Volmar", situado na Rua Quinze de Novembro, 629, Centro, no Município de Atalanta-SC, Comarca de Ituporanga, e efetuou a aquisição de 120 (cento e vinte) latas de cerveja, 20 (vinte) carteiras de cigarro e 24 (vinte e quatro energéticos), totalizando a quantia de R$ 617,80 (seiscentos e dezessete reais e oitenta centavos).

Na oportunidade, o denunciado Anderson Padilha realizou o pagamento do montante devido com o cheque n. 859250, pertencente à empresa Klabin S.A, no valor de R$ 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta reais), sendo-lhe, portanto, restituída a quantia de R$ 732,30 (setecentos e trinta e dois reais e trinta centavos).

Todavia, a cártula bancária dada em pagamento era clonada - e o denunciado Anderson Padilha possuía conhecimento dessa circunstância - e, por este motivo, não restou compensada pela instituição bancária.

Encerrada a intrução, o feito foi sentenciado nos seguintes termos (evento 212):

Ante o exposto, com fundamento no artigo 387 do Código de Processo Penal, julgo procedente a denúncia formulada pelo Ministério Público de Santa Catarina para condenar ANDERSON PADILHA, já qualificado, à pena de 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto, bem como ao pagamento de 10 dias-multa (cada um no valor de um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente), por infração ao preceito contido no artigo 171, caput do Código Penal.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais (artigo 804 do CPP), cuja exigibilidade fica suspensa porque concedo o benefício da Justiça Gratuita.

Diante do pedido formulado pelo Ministério Público na denúncia (evento 19), com fundamento no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, condeno o réu ao pagamento, em favor da vítima MAIKON RODRIGO SOARES, de valor mínimo a título de danos materiais consistente em R$ 1.350,00 (um mil trezentos e cinquenta reais), em razão dos termos do depoimento e do documento a que se refere o evento n. 1, fl 39.

Conforme determina o artigo 201, § 2º, do CPP, dê-se ciência à vítima do inteiro teor desta sentença, em especial por meio eletrônico.

Diante do disposto na LCE 730/2018 e Resolução CM n. 5/2019 fixo os honorários pela realização da defesa em todos os atos processuais do presente feito no valor de R$ 806,30 (oitocentos e seis reais e trinta centavos), observados os parâmetros estabelecidos no artigo 8º, caput, e Anexo Único, Tabela "c", item 10. Justifico a fixação no máximo em razão da natureza e a importância da causa, o grau de zelo do profissional, o trabalho por ele realizado e o lugar da prestação do serviço (Comarca interiorana). Outrossim, não encontro justificante para aplicação da regra prevista no § 4º do artigo 8º da Resolução. Solicite-se o pagamento dos honorários por meio do Sistema Eletrônico de Assistência Judiciária Gratuita.

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de Defensor Dativo. Em suas razões recursais alega, preliminarmente, a decadência em razão da ausência de representação da vítima, consoante exigência trazida pela Lei 13.964, de 24 de dezembro 2019. No mérito, requer a absolvição por falta de provas, enfatizando a ausência de dolo específico em sua conduta. Alega, ainda, "que a suposta vantagem se aproxima de um salário mínimo, emerge a nítida aplicação do princípio da insignificância" ou, no mínimo, a causa de diminuição de pena decorrente da figura privilegiada prevista no art. 171, § 1º do Código Penal (evento 221).

Em contrarrazões, o Ministério Público defendeu o desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença prolatada (evento 227).

Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação (eventos 3 e 9 deste Processo).

Este é o relatório que submeto à apreciação do i. Revisor.

Documento eletrônico assinado por LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2452916v9 e do código CRC 5765ceb9.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZAData e Hora: 4/7/2022, às 11:7:19





Apelação Criminal Nº 0000850-47.2016.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: ANDERSON PADILHA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1. Antes de tudo, relevante registrar ter sobrevindo aos autos parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, da lavra do Dr. Henrique Limongi, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 21).

2. No que tange à necessidade de representação criminal no caso em apreço, é de conhecimento geral que a Lei n. 13.964/2019, em vigor desde 23 de janeiro de 2020, modificou a natureza da ação penal nos crimes de estelionato - de pública incondicionada para pública condicionada à representação - salvo nos casos em que a vítima for a administração pública (direta ou indireta), criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, maior de setenta anos de idade ou incapaz, o que não é o caso dos autos.

Contudo, em se tratando de processo em andamento, inclusive já em grau de recurso, e considerando que a novel legislação fez modificações tanto de caráter processual, quanto material, entende-se que a exigência, somente agora, da representação da vítima por simples formalidade é um profundo disparate.

Rogério Sanches Cunha doutrina sobre o tema:

Retroatividade da Lei - Por fim, tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos da punibilidade, a regra no §5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. Aqui temos que diferenciar duas hipóteses:

a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei n. 9.099/1995).

b) se a incoativa ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna representação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial, para os fatos pretéritos, é o da vigência da novel lei. (Pacote anticrime - Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020; p. 65).

Ademais, não se pode olvidar que, "quando a ação penal pública depender de representação do ofendido ou de seu representante legal, tal manifestação de vontade, condição específica de procedibilidade sem a qual é inviável a propositura do processo criminal pelo dominus litis, não exige maiores formalidades, sendo desnecessário que haja uma peça escrita nos autos do inquérito ou da ação penal com nomen iuris de representação, bastando que reste inequívoco o seu interesse na persecução penal" (AgRg no RHC 118.489/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 12-11-2019, DJe 25-11-2019).

No caso em apreço, a vítima (representada por seu sócio proprietário) demonstrou de forma clara e inequívoca a intenção de ver o réu processado criminalmente pelo crime de estelionato, tanto assim que procurou a autoridade policial para comunicar o fato (evento 1, Inq4) e prestar declarações (evento 1, Inq6 e 7), deixando clara e inequívoca sua intenção em ver o réu processado.

Por essa via, os Grupos de Direito Criminal desta Corte já sedimentaram a irretroatividade da Lei Lei 13.964/2019, no que toca à exigência de representação em casos análogos:

EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO TENTADO PRATICADO CONTRA IDOSO (ART. 171, § 4º, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PRETENDIDA A PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO QUE DECIDIU PELA BAIXA DOS AUTOS À ORIGEM, A FIM DE DETERMINAR A INTIMAÇÃO DA VÍTIMA PARA O OFERECIMENTO DE REPRESENTAÇÃO, SOB PENA DE DECADÊNCIA, EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA LEI N. 13.964/2019. NÃO CABIMENTO. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE NÃO EXIGIU MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE, A PARTIR DE SUA VIGÊNCIA. REPRESENTAÇÃO QUE É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E NÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PEÇA, ADEMAIS, QUE NÃO EXIGE FORMALIDADE. ELEMENTOS NOS AUTOS QUE COMPROVAM DE FORMA CLARA E INEQUÍVOCA A VONTADE DA VÍTIMA EM VER O AUTOR DO CRIME SER PROCESSADO. EMBARGOS IMPROCEDENTES. - "[...] tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos da punibilidade, a regra no § 5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no...

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