Acórdão Nº 0000859-44.2013.8.24.0025 do Quinta Câmara Criminal, 02-06-2022

Número do processo0000859-44.2013.8.24.0025
Data02 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0000859-44.2013.8.24.0025/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: VALDIR INACIO THOMAS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Valdir Inácio Thomas, imputando-lhe a prática dos crimes previstos no art. 302, parágrafo único, IV, por cinco vezes, e no art. 303, parágrafo único, c/c art. 302, parágrafo único, IV, por três vezes, todos do Código de Trânsito Brasileiro, na redação anterior à Lei n. 12.971/2014, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (docs. 4-6 da ação penal):

Na manhã do dia 3 de setembro de 2011, o denunciado VALDIR INACIO THOMAS conduzia a van da marca Renault, modelo Master Bus 16, placas ANZ 7428, pela Rodovia BR 470, com o objetivo de transportar alunos e professores do Colégio Rodolfo Luzina de Nova Erechim/SC ao Parque Temático Beto Carreiro, localizado em Penha/SC.

Destaca-se que o motorista VALDIR efetuou o longo trajeto desconsiderando o estado desgastado dos pneus do seu automotor (negligência)¹ e sem advertir aos passageiros, em sua maioria adolescentes, quanto à obrigatoriedade do uso de cinto de segurança durante a viagem (negligência)².

Assim, por volta das 7h20min, ao trafegar pelo Km 37,1 da rodovia federal, especificamente pelo trevo do Posto Pioneiros, no perímetro urbano de Gaspar/SC, e após visualizar um veículo de cor branca, procedente de uma via coletora, iniciar manobra de cruzamento de pista, o denunciado VALDIR, sem adotar quaisquer cautelas necessárias à conduta defensiva do veículo, pois possuía tempo e espaço para o correto desvio (acostamento), deixou de acionar os freios e lançou o automotor diretamente sobre a pista contrária, onde seguia trajetória oposta o caminhão da marca Volvo, placas MFG-5744, guiado por Neri Moreira Fagundes.

A imprudente conduta do denunciado VALDIR provocou uma grave colisão frontal entre a van e o caminhão, levando a óbito os passageiros Bruna Zeni, Danielly Ana Hining, Jocicler Maria Mascarello, Renata Julia Pezenatto e Gustavo Simioni Weschenfelder e lesionando Vinicius Sirtuli, Brenda Cibulski Pompeo e Julia Mascarello de Souza.

Recebida a denúncia (docs. 420-421 da ação penal) e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (doc. 807 da ação penal), na qual foi julgada procedente a pretensão Ministerial para condenar o réu à pena de 5 (cinco anos, 2 (dois) meses e 3 (três) dias de detenção, em regime inicial semiaberto, e 5 (cinco) meses e 5 (cinco) dias de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, pela prática, em concurso formal, dos crimes previstos no art. 302, § 1º, IV, por cinco vezes, e no art. 303, § 1º, por três vezes, ambos do CTB.

A sanção corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (doc. 4), no qual pleiteou ser absolvido porque, segundo os relatos das testemunhas, os passageiros foram advertidos sobre a necessidade de uso do cinto de segurança, portanto não houve negligência do acusado nesse sentido.

Argumentou, ainda, que as testemunhas ouvidas confirmaram sua versão de que apenas invadiu a pista de sentido contrário porque um veículo de cor branca, proveniente do centro de Gaspar, cortou sua frente. Aventou, diante disso, que foi o condutor deste automóvel branco o real causador do acidente e que, por conseguinte, não teria o acusado concorrido para o crime em questão.

Mencionou, subsidiariamente, que os fatos arguidos demonstram que não há provas suficientes da materialidade do delito.

Foram apresentadas contrarrazões no doc. 6.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Excelentíssima Senhora Doutora Heloísa Crescenti Abdalla Freire, a qual se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (doc. 8).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2131701v8 e do código CRC c74ab166.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 13/5/2022, às 9:12:34





Apelação Criminal Nº 0000859-44.2013.8.24.0025/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: VALDIR INACIO THOMAS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

1 Prejudicial

Inicialmente, necessário o reconhecimento, de ofício, de questão prejudicial, qual seja, a prescrição da pretensão punitiva em relação aos crimes de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor.

Destaco, nesse sentido, que "a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva constitui matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício, em qualquer grau de jurisdição, nos termos do artigo 61 do Código de Processo Penal" (HC 431.664/RO, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 7-6-2018).

Para fins prescricionais, quando a sentença condenatória transita em julgado para a acusação, seja porque esta não interpôs recurso ou porque este foi improvido, utiliza-se como parâmetro a pena aplicada em concreto, de modo que o quantum fixado na sentença deve ser confrontado com a relação de correspondência elencada no art. 109 do Código Penal, a fim de se constatar o prazo prescricional em cada caso concreto.

Nesse sentido, preconiza a Súmula n. 146 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: "A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação".

Aliás, sobre o tema, dispõe o art. 110, § 1º, do Código Penal:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

No caso, o apelante foi condenado, pela prática do crime previsto no art. 303, § 1º, do CTB, à pena de 8 (oito) meses de detenção e 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de suspensão do direito de dirigir, em relação a cada uma das vítimas (doc. 807 da ação penal).

Desse modo, o prazo prescricional a ser observado é de 3 (três) anos, consoante o preceito do art. 109, VI, do Código Penal.

Portanto, em conformidade ao disposto nos arts. 117, I e IV, e 119 do Código Penal, tem-se o decurso de lapso temporal superior ao prazo prescricional entre o recebimento da denúncia, em 18-10-2014 (docs. 420-421 da ação penal), e a publicação da sentença, em 11-7-2021 (doc. 807 da ação penal).

Destarte, é medida imperativa a extinção da punibilidade do réu quanto aos crimes de lesão corporal culposa, em face da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos dos arts. 107, IV, c/c 109, VI e 110, § 1º, todos do Código Penal, c/c art. 61 do Código de Processo Penal.

2 Mérito

No mérito, o apelante postulou ser absolvido, sob o argumento de que não concorreu para a infração penal, porque há testemunhas que disseram que o réu solicitou aos passageiros que usassem o cinto de segurança e porque o acidente foi, na verdade, causado por um terceiro que cortou a sua frente, fazendo com que precisasse desviar para a contramão.

Adianto, contudo, que razão não lhe assiste, senão vejamos.

A materialidade e a autoria do crime, bem como a culpa do acusado, em que pese a discordância defensiva, estão demonstradas pelo boletim de acidente de trânsito (docs. 10-40 da ação penal), pelos laudos necroscópicos e certidões de óbitos das vítimas fatais (docs. 41-59, 331, 335, 337, 361 e 373 da ação penal), pelo laudo pericial dos veículos envolvidos no acidente (docs. 106-134 da ação penal), pelas imagens das câmeras de monitoramento das imediações do local dos fatos (docs. 169-173, 714 e 727 da ação penal), pelas reportagens a respeito do ocorrido (docs. 711-713 e 726 da ação penal), pelas fotografias do local do acidente (docs. 732-740 da ação penal) e pelos depoimentos colhidos em ambas as fases processuais, conforme se demonstrará.

Para evitar tautologia e prestigiar a exposição feita pela Magistrada de origem a respeito da prova oral produzida na etapa administrativa - cujo teor original pode ser conferido nos docs. 60-63, 161-162, 178-182, 194, 276-279, 281-284, 330, 332, 334, 336, 338-340, 349-350, 359, 364, 366-367, 369, 371, 374-375, 378 da ação penal - e em juízo - que pode ser confirmados pelas mídias dos docs. 715-725, 728-830 e 793 -, cito o conteúdo dos depoimentos transcritos na sentença, para integrá-los à presente decisão (doc. 807 da ação penal, grifei):

Na fase embrionária, Dirson Brasil declarou que era motorista da empresa "Roclavatur Transporte de Passageiros LTDA ME" e que em 02.09.2011 saiu da cidade de Nova Erechim/SC por volta das 23h30min, conduzindo um ônibus DD, o qual transportava alguns alunos e professores ao parque Beto Carreiro World, na cidade de Penha/SC, enquanto os motoristas Clairton Hansen e Valdir Thomas descansavam na cama do ônibus. Relatou que, junto deste ônibus, também existia um micro-ônibus da mesma empresa, conduzido por Geraldo Pezi, que transportava outros alunos e professores. Explicou que por volta das 4h do dia 03.09.2011, os dois veículos pararam na cidade de Curitibanos/SC, local onde houve troca de motoristas, momento em que Clairton assumiu a direção do ônibus e Valdir do micro-ônibus. Narrou que por volta das 6h30min pararam no Bar e Restaurante Estrela para...

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