Acórdão Nº 0000873-62.2019.8.24.0075 do Terceira Turma Recursal, 11-03-2020

Número do processo0000873-62.2019.8.24.0075
Data11 Março 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Terceira Turma Recursal



Apelação n. 0000873-62.2019.8.24.0075, de Tubarão

Relator: Juiz Antonio Augusto Baggio e Ubaldo

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO (ART. 28 DA LEI 11.343/06) - SENTENÇA QUE REJEITOU A DENÚNCIA - RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO - PRETENSO PROCESSAMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA - DESCABIMENTO - APREENSÃO DO APELADO NA POSSE DE UM INVÓLUCRO PLÁSTICO CONTENDO APROXIMADAMENTE 1,94G (UMA GRAMA E NOVENTA E QUATRO DECIGRAMAS) DE SUBSTÂNCIA VULGARMENTE CONHECIDA COMO MACONHA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - APLICABILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0000873-62.2019.8.24.0075, da comarca de Tubarão Juizado Especial Criminal, em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e Apelado Samuel Idalino Fernandes:

A Terceira Turma Recursal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Sem custas e honorários advocatícios.

O julgamento, realizado no dia 11 de março de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Marcelo Pons Meirelles, com voto, e dele participaram a Excelentíssima Senhora Juíza Adriana Mendes Bertoncini e, atuando como representante do Ministério Público, a Excelentíssima Senhora Promotora de Justiça Ângela Valença Bordini.

Florianópolis, 11 de março de 2020.







Antonio Augusto Baggio e Ubaldo

JUIZ Relator

Relatório dispensado, passa-se ao voto.

VOTO

Sobre o consumo de drogas, após a última alteração legislativa sobre a matéria, dispõe o art. 28 da Lei 11.363/06, in verbis:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.

§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

Como se vê, a alteração legislativa constitui verdadeiro abrandamento das penas anteriormente previstas no art. 16 da Lei 6.368/76, senão sua manifesta extinção, as quais consistiam na punição do usuário à detenção de 6 meses a 2 anos, e ao pagamento de 20 a 50 dias multa.

Contudo, sem embargo do esforço legislativo no banimento da desproporcional punição anteriormente imposta ao usuário, a regra disposta no art. 28 da Lei 11.363/06 configura verdadeira atecnia em matéria penal, razão pela qual encontra-se em discussão perante a mais alta corte do país.

No ponto, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659, cujo objeto é a alegada inconstitucionalidade do disposto no art. 28 da Lei 11.343/06 e os votos proferidos até o presente momento são favoráveis ao acolhimento da tese inaugural, todavia, o processamento do feito encontra-se suspenso.

Sobre referido julgamento, colhe-se da doutrina:

§ 2.2.1. O porte de drogas para consumo pessoal.

Em lição anterior vimos que a Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina descriminalizou a posse de pequena quantidade de droga para uso pessoal aos maiores de dezesseis anos (art. 14, §2º da Lei n. 23.737/1989. Ambicionamos que em breve o Supremo Tribunal Federal perfilhe idêntica ou, inclusive, uma mais avançada tese ( RE 635.659-SP²²). São poucos, inclusive, os juízes que procuram frear a velocidade de imposição punitiva do art. 28 da Lei n.11.343/2006, de 23 de agosto. A título de exemplo, lembramos precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo: "A criminalização do porte de drogas para consumo pessoal é de indisfarçável sustentabilidade jurídico-penal por vários fatores, dentre os quais a de que não há tipificação hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade" (6º Câmara Criminal, AP n. 1.113.563.3-0, rel Juiz José Torres, j. 31-3-2008). Nesse contexto, é pertinente destacar a possibilidade de se dar vida à atuação de descriminalização judicial por meio do controle difuso de constitucionalidade. Assim, textualmente declara Alexandre Bizzotto que "basta ao intérprete apurar os valores tutelados pelo ordenamento jurídico maior para fazer uma confrontação abstrata e retirar daí a conclusão da validade/existência da conduta em apreciação e da norma formal de teórica incidência. (MARTINELLI, João Paulo Orsini. Lições fundamentais de direito penal: parte geral – 3. Ed. - São Paulo, Saraiva Educação, 2018 – fls. 222-223)

A antiga Primeira Turma de Recursos, no mesmo sentido, manifestou-se pelo reconhecimento da atipicidade da conduta:

APELAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA PELO CRIME PREVISTO NO ART. 28 DA LEI N. 11.343/06. CONDENAÇÃO. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. MÉRITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. ATIPICIDADE MATERIAL RECONHECIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (Apelação n. 0703468-26.2011.8.24.0090, da Capital - Norte da Ilha, rel. Juíza Adriana Mendes Bertoncini, Primeira Turma de Recursos - Capital, j. 06-10-2016).

Do voto respectivo, destaca-se:

A propósito, o ensinamento de Eugênio Pacelli de Oliveira:

"Com efeito, a providência final que, em regra, espera-se no processo penal condenatório (excluída, por ora, a hipótese de transação penal realizada nos Juizados Especiais Criminais) é a absolvição ou a condenação do réu nas sanções em que se achar ele incurso, isto é, nas penas cominadas no tipo penal correspondente à conduta reconhecidamente praticada. "Afirma-se, com isso, que o pedido seria sempre genérico, no sentido de com ele se viabilizar a correta aplicação da lei penal, independentemente da alegação do direito cabível trazida aos autos pelas partes. O Juiz Criminal estaria vinculado apenas à imputação dos fatos, atribuindo-lhes, uma vez reconhecidos, a consequência jurídica que lhe parecer adequada, tanto no que respeita à classificação (juízo de tipicidade) quanto à pena e à quantidade de pena a ser imposta. "Se no processo civil o autor delimita tanto a matéria a ser conhecida quanto a providência que lhe parece necessária a satisfazer seus interesses, no processo penal cumpre ao autor delimitar unicamente a causa petendi, ou seja, o fato delituoso merecedor de reprimenda penal. O juízo de adequação típica, o enquadramento jurídico do fato, bem como a dosimetria da pena a ser aplicada, encontram-se, todos, na própria lei, cabendo ao juiz a tarefa de revelar seu conteúdo" (Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009).

Logo, esta Turma vem entendendo, em casos como o dos autos, pelo conhecimento da tese sustentada pelo apelante, referente à aplicabilidade do princípio da insignificância, mesmo em caso de inovação recursal, em razão do acima explicitado.

Pois bem, quanto ao mérito, apesar da divergência constante nos Tribunais Superiores e, inclusive, neste Colegiado, no tocante à aplicabilidade do princípio da insignificância, filia-se este Relator à corrente que reconhece a atipicidade material da conduta, ressalva circunstâncias especiais.

A respeito da tipicidade, Rogério Greco faz a importante distinção entre a tipicidade formal, e a tipicidade conglobante. Sobre essas espécies de tipicidade, o Autor faz os seguintes comentários:

"Tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal. [...]. Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico. (Greco, Rogério. Curso de direito penal. 17 ed. - Rio de Janeiro: Impetus, 2015, fl. 113)

Tal observação é importante na medida em que, a ausência de tipicidade material conduz a um indiferente penal, pois, o ato praticado pelo agente não fere de maneira...

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