Acórdão nº 0000916-57.2018.8.11.0087 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal, 07-02-2023

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Case OutcomeProcedência em Parte
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Número do processo0000916-57.2018.8.11.0087
AssuntoFeminicídio

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 0000916-57.2018.8.11.0087
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Feminicídio]
Relator: Des(a).
PEDRO SAKAMOTO


Turma Julgadora: [DES(A). PEDRO SAKAMOTO, DES(A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (REPRESENTANTE), ADEMILSON NUNES - CPF: 027.329.881-03 (APELANTE), FERNANDO HELEODORO BRANDAO - CPF: 593.055.251-72 (ADVOGADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (REPRESENTANTE), LAURO MARCOS AMORIM - CPF: 044.434.751-84 (ASSISTENTE), DANIEL BISPO LOPES - CPF: 016.109.512-71 (ASSISTENTE), RONALDO BISPO LOPES - CPF: 001.035.632-02 (ASSISTENTE), GERALDO GEZONI FILHO - CPF: 951.050.771-72 (ASSISTENTE), MIRIAN COELHO SANTOS - CPF: 014.385.251-50 (ASSISTENTE), RAFAELA COELHO SANTOS - CPF: 046.716.731-18 (ASSISTENTE), MARINEIDE RODRIGUES COELHO - CPF: 406.874.651-68 (ASSISTENTE), P. F. C. D. S. (ASSISTENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS), EDILENE COELHO SANTOS - CPF: 049.425.601-01 (VÍTIMA), ANA MARIA MAGRO MARTINS - CPF: 086.287.209-01 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.

E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO MAJORADO E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO – CONDENAÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – ANULAÇÃO DA SESSÃO DE JULGAMENTO – IMPROCEDÊNCIA – CONTRARIEDADE DO VEREDICTO À PROVA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – TESE DE LEGÍTIMA DEFESA SUSTENTADA UNICAMENTE PELO PRÓPRIO ACUSADO – VERSÃO INFIRMADA PELOS DEPOIMENTOS PRESTADOS POR TESTEMUNHAS EM JUÍZO – SOBERANIA DO TRIBUNAL DO JÚRI QUANTO À MATÉRIA – AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO DESFAVORÁVEL DOS ANTECEDENTES – IMPOSSIBILIDADE – CONDENAÇÃO DEFINITIVA POR CRIME ANTERIOR AOS FATOS – REDUÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO REFERENTE A CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL – INVIABILIDADE – FRAÇÃO DE 1/8 DO INTERVALO ENTRE AS PENAS MÍNIMA E MÁXIMA COMINADAS AOS TIPOS PENAIS – CRITÉRIO ACEITO NA JURISPRUDÊNCIA – EXTIRPAÇÃO DA AGRAVANTE DO MOTIVO FÚTIL – IMPROCEDÊNCIA – CIRCUNSTÂNCIA RECONHECIDA COMO QUALIFICADORA PELOS JURADOS – ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE SUPORTAM O VEREDICTO NESSE PARTICULAR – RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – POSSIBILIDADE – RÉU QUE ADMITIU TER EFETUADO GOLPES DE FACA CONTRA A VÍTIMA, MAS ALEGOU TER AGIDO EM LEGÍTIMA DEFESA – CONFISSÃO QUALIFICADA – INCIDÊNCIA DA ATENUANTE, COM FRAÇÃO REDUZIDA DE ABRANDAMENTO DA REPRIMENDA – AFASTAMENTO DA MAJORANTE DECORRENTE DO FATO DE O “FEMINICÍDIO” TER SIDO PRATICADO NOS 3 MESES APÓS O PARTO – INVIABILIDADE – CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA RECONHECIDA SOBERANAMENTE PELOS JURADOS – DEPOIMENTOS QUE ATESTAM QUE O FILHO MAIS NOVO DA OFENDIDA TINHA MENOS DE 1 MÊS DE IDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Para a anulação da decisão proferida pelo Tribunal do Júri é necessário que a decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos, sob pena de violação do princípio constitucional da soberania dos veredictos, de modo que, se a tese acolhida pelos jurados está lastreada pelos elementos probatórios colhidos, revela-se inviável a invalidação da sentença.

Não há falar em afastamento da valoração desfavorável dos antecedentes se, a despeito de a condenação ter transitado em julgado no curso do processo pelo delito subsequente, o fato criminoso propriamente dito, objeto da condenação definitiva mencionada na dosimetria da pena, é anterior ao delito em apuração.

Nas duas primeiras fases da dosimetria, não existem parâmetros predefinidos de recrudescimento ou abrandamento da pena, diferentemente do que ocorre na terceira etapa, com as causas de aumento e diminuição, que são reguladas por frações estabelecidas em lei. Assim, cabe ao julgador, na fixação da sanção basilar e da pena provisória, exercer sua prudente discricionariedade para determinar o quantum sancionatório mais apropriado às particularidades do caso concreto, observando os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualização das penas. Nessa linha intelectiva, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que é possível a utilização da fração de 1/8, calculada sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas ao tipo penal.

Tendo a agravante do motivo fútil sido reconhecida como qualificadora pelos jurados, somente seria possível seu afastamento se reconhecida a contrariedade do veredicto à prova dos autos, para que um novo julgamento fosse realizado. Contudo, tendo o veredicto se baseado em provas de que o agente matou a vítima por ciúme, deve ser respeitada a soberania do Tribunal do Júri acerca da matéria.

Deve ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea se o acusado, embora tenha afirmado que agiu em legítima defesa (confissão qualificada), admitiu ter desferido os golpes de faca contra a vítima, contribuindo para a elucidação dos fatos.

Tendo os jurados reconhecido a incidência da causa especial de aumento de pena decorrente do fato de o “feminicídio” ter sido praticado nos 3 meses posteriores ao fato, eventual afastamento dessa majorante demandaria a anulação da sessão de julgamento, desde que demonstrada a contrariedade do veredicto, nesse particular, à evidência dos autos, hipótese não configurada na espécie, dada a existência de prova no sentido de que o filho mais novo da vítima tinha menos de 1 mês ide idade ao tempo do fato.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação interposta por Ademilson Nunes contra a sentença prolatada na Ação Penal n. 0000916-57.2018.8.11.0087 pelo Tribunal do Júri da Comarca de Guarantã do Norte/MT, que o condenou à pena de 35 anos, 3 meses e 15 dias de reclusão e 1 ano e 3 meses de detenção, em regime inicial fechado, em razão da suposta prática dos delitos de homicídio qualificado majorado e posse irregular de arma de fogo de uso permitido, capitulados no artigo 121, §§ 2º, incisos II e VI, e 7º, I e III, do Código Penal, e no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.

Em síntese, o apelante requer a anulação do julgamento para que outro seja realizado, alegando que o veredicto dos jurados contrariou a prova dos autos. Subsidiariamente, pleiteia o afastamento da valoração desfavorável dos antecedentes, a redução da fração de aumento de pena utilizada em relação a cada circunstância judicial desfavorável, o afastamento da agravante do motivo fútil, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e o afastamento da majorante decorrente do fato de o “feminicídio” ter sido praticado nos três meses posteriores ao parto (Id. n. 145494177).

Por sua vez, a representante ministerial que oficia perante o juízo a quo, apresentando contrarrazões, pugnou pela preservação do decisum em todos os seus termos (Id. n. 145494179).

Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça apenas ratificou as contrarrazões apresentadas pelo promotor de justiça (Id. n. 148684168).

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

Como relatado, Ademilson Nunes foi condenado à reprimenda de 35 anos, 3 meses e 15 dias de reclusão e 1 ano e 3 meses de detenção, em regime inicial fechado, em razão da suposta prática dos crimes de homicídio qualificado majorado e posse irregular de arma de fogo de uso permitido, tipificados no artigo 121, §§ 2º, incisos II e VI, e 7º, I e III, do Código Penal e no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.

Irresignado, o ora apelante requer a anulação do julgamento para que outro seja realizado, alegando que o veredicto dos jurados contrariou a prova dos autos.

Sem razão, contudo.

Transcrevo a narrativa da denúncia:

Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que, no dia 17 de janeiro de 2018, por volta das 16h32min, na Rua Boa Vista, n. 200, Jardim Vitória, Município de Guarantã do Norte, o denunciado, ADEMILSON NUNES, consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, dotado de manifesta intenção de matar, por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, valendo-se de uma arma branca (faca), matou sua convivente Edilene Coelho Santos, no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, cerca de um mês depois do parto do recém-nascido Heitor Coelho dos Santos e na presença de seu filho Pablo Fernando Coelho da Silva, de 06 (seis) anos de idade, consoante certidão de óbito de fls. 83, laudo de necropsia (fls. 31/32), mapa topográfico para localização de lesões (fls. 33) e laudo pericial criminal de local de crime de fls. 59/81.

Ressai do caderno investigativo que a vítima Edilene Coelho Santos e o denunciado ADEMILSON NUNES, quando da data dos fatos, estavam vivendo em união estável por aproximadamente 2 (dois) anos, sendo que durante este período tiveram um relacionamento amoroso conturbado, pois discutiam e brigavam muito, havendo, inclusive, processos em andamento por crimes de ameaça e lesão corporal praticados no âmbito de violência doméstica pelo denunciado em face da vítima. Apurou-se ainda que o casal já havia se separado em algumas ocasiões e que a vítima era constantemente agredida pelo denunciado.

Segundo relatos, o denunciado sempre demonstrou ser ciumento, agressivo e autoritário, devendo ser ressaltando que durante a gravidez da criança Heitor Coelho dos Santos (recém-nascido) a ofendida, após ser agredida, chegou a se separar do denunciado, porém este se desculpou e o casal acabou voltando a morar junto, ocasião em que as brigas diminuíram.

Na data dos fatos, a vítima e o denunciado haviam discutido por ciúmes do denunciado, conforme informou o filho da...

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