Acórdão Nº 0000918-66.2014.8.24.0067 do Terceira Câmara Criminal, 03-03-2020

Número do processo0000918-66.2014.8.24.0067
Data03 Março 2020
Tribunal de OrigemSão Miguel do Oeste
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0000918-66.2014.8.24.0067, de São Miguel do Oeste

Relator: Desembargador Getúlio Corrêa

APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU SOLTO - CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (CP, ART. 180, §§1º E 2º) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA.

PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS - CRIME ANTECEDENTE CONFIGURADO - DESCONHECIMENTO DA ORIGEM ILÍCITA DO BEM NÃO COMPROVADO - CONDUTA DOLOSA DEMONSTRADA - SENTENÇA MANTIDA.

"[...] 6. A receptação qualificada, prevista no § 1.º do art. 180 do Código Penal, não exige, para sua configuração, que haja habitualidade na prática do delito, sendo mais severamente apenada que a forma simples do mesmo crime pelo fato de o agente receptar a coisa no exercício de atividade comercial ou industrial. 7. Para a configuração do delito de receptação, exige-se apenas que o objeto material do delito seja produto de crime e que isso seja de ciência do agente, não havendo necessidade de se indagar acerca do momento consumativo do crime tido por 'antecedente'. [...]" (STJ, Mina. Laurita Vaz).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0000918-66.2014.8.24.0067, da comarca de São Miguel do Oeste (Vara Criminal) em que é Apelante: Celso Luiz França e Apelado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Ernani Guetten de Almeida e Leopoldo Augusto Brüggemann. Presidiu a sessão o Excelentíssimo Senhor Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo.

Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Humberto Francisco Scharf Vieira.

Florianópolis, 3 de março de 2020.

Desembargador Getúlio Corrêa

Relator

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Celso Luiz França e Claudir Kossmann, que contavam 49 e 26 anos à época dos fatos, respectivamente. A eles foi imputada a prática, em tese, do delito de receptação qualificada (CP, art. 180, §§1º e 2º) em razão dos fatos assim narrados:

"No dia 29 de abril de 2013, na Chácara de Odilo Hilário Lermen, localizada no interior do município de Guaraciaba/SC, os denunciados Celso Luiz França e Claudir Kossmann, em unidade de desígnios, venderam, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial de garagista, pelo valor de R$ 15.000,00, 1 (um) veículo VW/Gol, cor branca, placa IRW-1810, modelo 2011/2012, (avaliado em R$ 24.517,00), para Marcos dos Santos, tendo plena consciência de que se tratava de produto de crime.

Segundo se apurou, no mês de abril de 2013, os denunciados adquiriram e receberam, em proveito próprio, o referido veículo, na cidade de Barracão/PR, e em determinada oportunidade o deixaram estacionado em frente a um hotel.

Em seguida, os denunciados transportaram o veículo acima descrito de Barracão/PR até Guaraciaba/SC, tendo Celso levado Claudir até o local onde o veículo estava estacionado, e tendo Claudir embarcado e conduzido o veículo até a Chácara de Odilo Hilário Lermen em Guaraciaba/SC.

Em Guaraciaba/SC, o denunciado Claudir expôs à venda o VW Gol, oferecendo-o a seu conhecido Marcos dos Santos em condições vantajosas, o qual acabou por aceitar o negócio, o que fez com que Celso viesse até Guaraciaba e concluísse a negociação com Marcos, e assim venderam o bem à vítima, que deu como parte do pagamento dois automóveis (Ford Del Rey e Ford Corcel II) e uma motocicleta (Yamaha YBR 125 ED placa MGB3090), mais a quantia de R$ 1.000,00, sendo que o restante pagaria quando fosse regularizada a documentação.

Os veículos e a motocicleta entregues por Marcos ficaram em posse de Celso, enquanto Claudir recebeu R$ 500,00 no negócio (fl. 27).

O VW Gol tinha origem ilícita, pois foi roubado da vítima Andiego Perin na cidade de Marau/RS, no dia 3 de abril de 2013, conforme Boletim de Ocorrência de fl. 196.

Além disso, o veículo VW Gol continha adulteração de sinal identificador, pois estava com as placas LXM 3407, pertencentes a um GM Chevette licenciado em Presidente Getúlio/SC (Laudo de fls. 31-34)" (fls. 240-241 grifado no original).

Recebida a peça acusatória em 15.12.2016 (fls. 246-247), os denunciados foram citados (fl. 255 e fl. 257); Celso Luiz França por intermédio da Defensoria Pública (fls. 265-270) e Claudir Kossmann por defensor nomeado (fls. 276-283) ofertaram respostas escritas.

À fl. 340, foi decretada a revelia do acusado Claudir Kossmann, pois mudou de endereço sem comunicar o juízo (fl. 322).

Após a instrução do feito, as partes apresentaram alegações finais (fls. 368-377, fls. 399-410 e fls. 412-420).

Em seguida, sobreveio sentença (fls. 426-439), proferida pelo Magistrado Márcio Luiz Cristofoli, donde se extrai da parte dispositiva:

"Ante o exposto, julgo procedente o pedido condenatório inserido na denúncia para condenar Celso Luiz França e Claudir Kossmann, dando-o como incurso no art. 180, §§1º e 2º, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

Substituo a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos, a saber: a) prestação de serviços à comunidade em favor de entidade a ser designada no curso da execução penal, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Nos termos do art. 46, § 4º, do Código Penal, faculta-se à condenada cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada; b) prestação pecuniária, no valor de 5 salário-mínimo, em favor do Fundo de Transações Penais da Comarca de São Miguel do Oeste, parcelado em 10x.

Condeno as partes rés, ainda, no pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade, uma vez que defiro os benefícios da justiça gratuita, nos termos da Lei n. 1.060/50.

O pagamento da multa deverá se dar na forma do art. 50 do Código Penal.

Ao defensor dativo nomeado, Dr. Jean Carlos Carlesso, fixo a verba honorária em R$ 2.000,00; expeça-se a certidão".

À fl. 594 certificou-se o trânsito em julgado para o réu Claudir Kossmann.

Irresignado, Celso Luiz França, por intermédio da Defensoria Pública, apelou (fls. 449-462). Sustentou a ausência de provas para manter o decreto condenatório.

Houve contrarrazões (fls. 479-491) pela manutenção da sentença.

Em 19.11.2019 os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, por parecer do Procurador de Justiça Jorge Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 602-609); retornaram conclusos em 21.11.2019 (fl. 610).


VOTO

1. Presentes os pressupostos legais, o recurso é conhecido e desprovido.

2. O réu foi denunciado pela prática, em tese, do crime de receptação qualificada, assim tipificado no CP:

"Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Receptação qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência".

Ao comentar o dispositivo legal, Fernando Capez destaca que:

"Pressuposto indispensável do crime de receptação é a prática de um crime anterior. Trata-se de crime acessório ou parasitário, somente caracterizado quando a coisa é produto de crime. Não há necessidade da existência de inquérito policial, processo e muito menos de sentença em que ateste a ocorrência do crime antecedente, mas torna-se indispensável a prova de sua ocorrência" (Manual de Direito Penal. Atlas. 23. ed. São Paulo, 2005, p. 358).

E precisamente sobre o art. 180, § 1º, do CP, prossegue Rogério Greco:

"Assim, a primeira característica que o toma especial em relação ao caput do art. 180 diz respeito à qualidade do autor, pois trata-se de crime próprio, somente podendo ser levado a efeito por quem gozar do 'status' de 'comerciante' ou 'industrial', pois que as ações referidas pelo tipo penal qualificado devem ser praticadas no 'exercício' de atividade 'comercial' ou 'industrial', mesmo que tal comércio seja 'irregular' ou 'clandestino', inclusive o 'exercido em residência', conforme esclarece o § 2º do art. 180 do diploma repressivo [...].

Para que se configure a receptação dolosa qualificada, basta a prova de que o agente, no exercício de atividade comercial, tenha adquirido e exposto à venda objeto o qual deveria ter consciência da procedência ilícita.

A jurisprudência vem entendendo que, em se tratando de crime de receptação, a apreensão de bens em poder do acusado inverte o ônus da prova, impondo-lhe o dever de presta cabal explicação que justifique o fato, a fim de elidir o dolo caracterizador do tipo. Não tendo o acusado comprovado ser de outro o bem ilícito apreendido, resta demonstrada a autoria e a materialidade da receptação qualificada, bem como o dolo caracterizador do tipo" (Código penal comentado. Impetus. 5. ed. Niterói, 2011. pp. 564-566, destacou-se).

Condenado em primeiro grau, insurgiu-se. Afirmou que...

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