Acórdão Nº 0000940-31.2014.8.24.0001 do Segunda Câmara de Direito Público, 06-12-2022

Número do processo0000940-31.2014.8.24.0001
Data06 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0000940-31.2014.8.24.0001/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: EDEMAR GONCALVES (AUTOR) ADVOGADO: GENES SILVA ANTUNES (OAB SC005901) ADVOGADO: ARCANGELO BETIATTO JUNIOR (OAB SC011665) APELANTE: MUNICÍPIO DE IPUAÇU-SC (RÉU) APELADO: OS MESMOS MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos por Edemar Gonçalves e pelo Município de Ipuaçu em face de sentença proferida na "reclamatória trabalhista", que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

"[...] Diante do exposto, acolho em parte os pedidos formulados nos autos (inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil), para o fim de: a) reconhecer o desvio de função e condenar a parte requerida ao pagamento da diferença salarial entre o cargo de investidura do autor (motorista) e o cargo efetivamente exercido (bombeiro militar), nos períodos de 03.05.2010 a 30.11.2010 e de 07.02.2011 a 14.11.2012. b) condenar a parte requerida ao pagamento, em favor do autor, de adicional de periculosidade de 30% sobre a remuneração de bombeiro militar que deveria auferir de 03.05.2010 a 30.11.2010 e de 07.02.2011 a 14.11.2012, deduzidos os valores recebidos no período a título de adicional de insalubridade.Sobre os valores incidem: a) correção monetária pelo INPC até 29.06.2009, e pelo IPCA-E a partir de 30.06.2009 (STF, RE 870.947/SE (Tema 810), Relator: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017 e publicado em 20/11/2017); b) juros de mora segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 com redação alterada pela Lei n. 11.960/2009.Considerando a sucumbência recíproca e equivalente, condeno o autor no pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais fixo em 15% sobre o valor da causa (art. 85, §2º, CPC), cuja execução, no entanto, deverá observar o disposto no §3º do artigo 98 do mesmo diploma processual, uma vez que o autor é benefíciário da justiça gratuita (Evento 104, doc. 123). De outro lado, igualmente condeno a parte requerida no pagamento honorários advocatícios de sucumbência em favor do patrono da parte autora, os quais fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §2º do Código de Processo Civil.A Fazenda Pública requerida, por sua vez, é isenta das custas processuais, nos termos do artigo 7º, inciso I da Lei Estadual n. 17.654/2018.Sentença que dispensa remessa necessária, uma vez que os valores não ultrapassarão o montante previsto no artigo 496, § 3º, inciso II do Código de Processo Civil.Após transito em julgado e tomadas as providências necessárias, arquive-se.Publique-se. Registre-se e intimem-se" (evento 212).

Inconformado, o ente federado narrou que é dotado de "autonomia legislativa, financeira, administrativa e orçamentária próprias (CF, art. 18, caput)", revelando-se inconcludente a sentença ao condenar a municipalidade ao pagamento da diferença salarial entre o cargo de investidura do autor (motorista) e o cargo efetivamente exercido (bombeiro militar), pois "o Município de Ipuaçu sequer possui instituído o cargo de Bombeiro, nem mesmo de natureza civil" (evento 216, fl. 2-3).

Defendeu que, acaso "mantida a decisão da sentença chegar-se-ia à grave situação de um ente - no caso o Município de Ipuaçu - remunerar seu servidor com base em legislação estadual (legislação e plano de carreira do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina)" (evento 216, fl. 3).

Asseverou que "as ações de apoio que o apelado esporadicamente exerceu sempre foram de baixa complexidade e responsabilidade, compatíveis com o próprio cargo para o qual foi contratado (motorista). Aliás, vários são as Administrações Municipais que, com o intuito de apoiar as guarnições de bombeiros militares para que estas não venham até mesmo a serem fechadas (diante do reduzido número de soldados alocados pelo Governo do Estado como é do conhecimento público, inclusive em relação à policia militar e polícia civil), promovem a cedência de servidores vinculados ao quadro de pessoal de seus municípios, ocupantes dos mais diversos cargos operacionais" (evento 216, fl. 5).

Discorreu, em relação ao adicional de insalubridade, que o autor "jamais esteve exposto a constante risco no exercício de suas atividades junto ao Corpo de Bombeiros, que justificasse o pagamento de adicional de periculosidade". E, caso não seja este o entendimento, que seja adotado "por base o vencimento do cargo de motorista e não a remuneração atribuída ao soldado Bombeiro Militar do Estado de Santa Catarina, justamente pela impossibilidade de equiparação de remuneração" (evento 216, fl. 6).

Postulou, assim, o provimento do recurso para, reformando a sentença, julgar improcedentes os pedidos inaugurais (evento 216, fl. 6).

Por sua vez, o autor asseverou que "foi admitido para trabalhar para o apelado desde o dia 01 de maio de 2010, perdurando o contrato até o dia 15 de novembro de 2012, na função de motorista, posteriormente cedido para o Corpo de Bombeiros de São Domingos onde desempenhou todas as funções e atividades de Bombeiro Militar" (evento 222, fl. 3).

Defendeu que, com as novas funções assumidas no Corpo de Bombeiros, ficou exposto a condições perigosas e insalubres, fazendo jus, dentre outras vantagens, ao pagamento do adicional de periculosidade, na proporção de 30% sobre os salários percebidos, por se tratar de adicional mais vantajoso.

Relatou que "após a exoneração em data de 30 de novembro de 2010, ocorreu um acordo tácito entre o apelante, administração pública e o Corpo de Bombeiros de São Domingos, onde ficou acordado para que o apelante continuasse seu trabalho nos meses de dezembro de 2010 e, janeiro de 2011, com a devida remuneração", mas que, "encerrado o prazo, o apelante não recebeu nenhum valor", fazendo jus a estas verbas (evento 222, fl. 3).

Argumentou que, embora tenha sido "contratado na função de motorista em regime inicial de 40 horas semanais", "sempre exerceu suas atividades no regime 24 por 48 horas em atividades totalmente diversas as funções de motorista", o que lhe assegura "o pagamento de horas extras nos períodos que excederem as 40 (quarenta horas) semanais ou, 240 mensais" (evento 222, fl. 6).

Frisou que, em razão das atividades junto à Corporação do Corpo de Bombeiros, os horários intrajornadas eram suprimidos, assim como as horas in itinere utilizadas para o deslocamento até o local de trabalho.

Ao final, postulou o provimento do recurso para, reformando em parte a sentença, julgar procedentes os pedidos iniciais para condenar o ente ao "a) pagamento dos meses de salário de dezembro 2010 e janeiro de 2011, corrigidos na forma legal; b) horas extras que excederem as 40 (quarenta horas) semanais, compensando-se as verbas quitadas em todo o pacto laboral, corrigidas na forma legal; c) condenar o apelado ao pagamento dos horários intrajornadas que foram suprimidas do apelante; d) condenar o apelado no pagamento das horas in itinere de 90 (noventa) minutos por dia trabalhado em todo o pacto laboral, corrigidas na forma legal, considerando em todos os casos as diferenças salariais pelo desvio de função entre a remuneração do contrato inicial (motorista), com a remuneração de bombeiro militar. e) por consequência lógica, modificar a douta sentença para o fim de condenar o apelado integralmente em todos os ônus sucumbenciais" (evento 222, fl. 10).

Devidamente intimado, o autor apresentou contrarrazões (evento 221). Na sequência, os autos ascenderam a esta Corte, sendo a mim distribuídos.

Por intermédio da Procuradora Eliana Volcato Nunes, a Procuradoria-Geral de Justiça apontou ser desnecessária sua intervenção, ante a ausência de interesse público no feito (evento 8, PROMOÇÃO1).

Em juízo de admissibilidade, determinei a intimação do Município de Ipuaçu para apresentar contrarrazões (evento 15, eproc 2° grau), sobrevindo manifestação (evento 19, eproc 2° grau).

É o relato essencial.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é por prover o recurso do Município e, de outro vértice, desprover o recurso do autor, restando prejudicada a análise da remessa necessária.

2. Do conhecimento da remessa necessária:

Inicialmente, salienta-se que a sentença está sujeita ao reexame necessário, uma vez que é ilíquida, nos termos do que dispõe o art. 496, I, do CPC/15 e do enunciado da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "a dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".

Assim, conheço da remessa necessária.

3. Do recurso de apelação interposto pelo réu:

3.1 Da indenização (diferenças salariais) por desvio de função:

Para que reste configurado o desvio de função no serviço público, é necessário que a parte postulante demonstre que exerceu atividades inerentes a cargo diverso daquele para o qual restou aprovada originariamente, e que tal exercício se deu de forma habitual e contínua.

Outrossim, de acordo com o enunciado da súmula n. 378 do Superior Tribunal de Justiça, "reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes".

In casu, o autor foi admitido no serviço público municipal em razão da aprovação em processo seletivo para o exercício em caráter temporário da função de motorista, pelo período de maio a novembro de 2010 (Decretos 71/10 e 157/10) e, posteriormente, de fevereiro de 2011 a novembro de 2012 (Decretos n. 034/11 e 167/12), quando teve o seu contrato rescindido unilateralmente pela administração pública (evento 109, INF143-149).

Narrou, contudo, que "logo após a nomeação foi cedido ao Corpo de Bombeiros de São Domingos", momento em que passou a desempenhar - durante todo o período de contratualidade - as atividades inerentes ao cargo de Bombeiro Militar, fazendo jus ao pagamento das diferenças salariais entre o cargo de...

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