Acórdão Nº 0000953-97.2013.8.24.0087 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 29-10-2020

Número do processo0000953-97.2013.8.24.0087
Data29 Outubro 2020
Tribunal de OrigemLauro Müller
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0000953-97.2013.8.24.0087, de Lauro Müller

Relator: Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO. COBRANÇA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DA PARTE DEMANDADA.

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ENCARGO ADMITIDO, DESDE QUE EXPRESSAMENTE PACTUADO. ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA N. 973.827.

A prática do anatocismo, como também é chamada a capitalização de juros, com periodicidade inferior a um ano, é permitida pelo ordenamento jurídico pátrio, desde que existente pactuação expressa e clara e que a data do contrato seja posterior à edição da Medida Provisória n. 1.963-17/00, em 31 de março de 2000, (reeditada como MP n. 2.170-36/01).

Acerca da exigência de expressa pactuação, o Superior Tribunal de Justiça entende que havendo previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, permite-se a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA, DESDE QUE PACTUADA E RESPEITADAS AS BALIZAS ESTABELECIDAS PELA SÚMULA 472 DO STJ E PELO ENUNCIADO N. III DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTE TRIBUNAL.

Desde que pactuada no contrato, a comissão de permanência pode ser cobrada, devendo, pois, respeitar os seguintes requisitos: limitação à soma dos encargos remuneratórios e moratórios, sendo os juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; os juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e multa contratual limitada a 2% sobre o valor da prestação.

JUROS REMUNERATÓRIOS. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.

Não se conhece de tese já reconhecida pela sentença, ante a inexistência de interesse recursal do apelante.

CARACTERIZAÇÃO DA MORA. ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA PELO STJ NO RESP. N. 1.061.530/RS. SENTENÇA MANTIDA.

O afastamento da mora do consumidor depende da constatação de encargos abusivos no período de normalidade (juros remuneratórios abusivos e capitalização de juros ilegal) - e não apenas a verificação de abusividade no período de inadimplência do contrato - e do adimplemento de pelo menos a parte incontroversa do débito, quando possível aferir o quantum debeatur.

INCIDÊNCIA DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR, NOS TERMOS DA SÚMULA N. 297 DO STJ. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE MITIGADO NA HIPÓTESE. ENCARGOS DEVIDAMENTE ANALISADOS NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL, PORTANTO. APELO NÃO CONHECIDO NO PONTO.

Em atenção ao art. 6º, inciso V e ao art. 51, ambos previstos no Código de Defesa do Consumidor, é patente a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das cláusulas contidas nos contatos que instrumentalizam as relações de consumo, especialmente com o fim de aniquilar as arbitrariedades comumente inseridas nos contratos de adesão, tal como nos contratos de natureza bancária.

Ademais, a revisão das cláusulas contratuais é permitida também sob à ótica do Código Civil, à luz dos princípios da função social do contrato (art. 421) e da boa-fé objetiva (art. 422), que estatuem que o acordo de vontades (pacta sunt servanda) não pode ser transformado num instrumento de práticas abusivas e deve ser mitigado para possibilitar a revisão das cláusulas e condições contratuais abusivas e iníquas.

Todavia, se as cláusulas contratuais foram devidamente analisadas na sentença de acordo com as normas do Código de Defesa do Consumidor, bem como atendida a mitigação do princípio da pacta sunt servanda, em que pese não constatada qualquer abusividade em primeiro grau de jurisdição, carece o apelante de interesse recursal.

REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRETENSÃO DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO RECHAÇADA.

É devida a devolução dos valores referentes à cobrança abusiva dos encargos por parte do banco, não só para restringir o ilícito detectado, como também para prostrar o enriquecimento sem causa, tal qual previsto no art. 884 do Código Civil: "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente aferido, feita a atualização dos valores monetários".

Em atenção ao entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, a restituição dos valores deve se dar de forma simples.

ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA NOS MESMOS ÍNDICES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. TESE DESCABIDA.

Não há falar em devolução de valores nos mesmos índices pactuados no contrato, eis que tal prerrogativa somente é conferida às instituições financeiras.

ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE CADA PAGAMENTO. APELO PROVIDO NO PONTO.

Em se tratando de ação de revisão contratual, os valores a serem ressarcidos devem ser corrigidos monetariamente a partir de cada pagamento efetuado e com juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação, nos termos dos arts. 397, parágrafo único e 405, do Código Civil.

APELO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0000953-97.2013.8.24.0087, da comarca de Lauro Müller Vara Única em que é/são Apelante(s) Frigorífico São Gregório Ltda e outros e Apelado(s) Banco do Brasil S/A.

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do apelo e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do relator. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Túlio Pinheiro, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jaime Machado Junior.

Florianópolis, 29 de outubro de 2020.


Desembargador Gilberto Gomes de Oliveira

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelos demandados, Frigorífico São Gregório Ltda., Maria Borghezan, Maiara do Nascimento, Jaison Alverton do Nascimento e Daniela Richetto Schuch Nascimento, da sentença, proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Lauro Muller, Dr. Luiz Carlos Vailati Júnior, que, nos autos da ação de cobrança (contrato de crédito rotativo), ajuizada por Banco do Brasil S.A., julgou procedentes os pedidos iniciais, para "CONDENAR a parte ré a pagar à parte autora o débito relativo ao saldo devedor do Contrato de Abertura de Crédito - BB Giro Empresa Flex n. 224.703.217 e do Contrato Para Desconto de Cheques n. 002.563.623, considerando-se para apuração dos seus valores, a revisão do referido contrato nos autos n. 0001376-91.2012.8.24.0087, de acordo com os parâmetros nele estabelecidos".

Em suas razões recursais, a parte demandada sustentou as seguintes teses:

(a) a descaracterização da mora nos contratos de nº 224.703.217, 224.703.502 e 224.703.530;

(b) a ilegalidade da capitalização de juros nos contratos de empréstimos;

(c) a abusividade da comissão de permanência;

(d) a limitação dos juros remuneratórios, para que "não exceda e, qualquer hipótese aquela pactuada no contrato";

(e) a incidência de atualização monetária dos valores pagos;

(f) a incidência do CDC e a inversão do ônus da prova;

(g) a repetição em dobro de valores cobrados indevidamente.

Pautou-se, nesse sentido, pelo provimento do apelo.

Contrarrazões às fls. 230/234.

Este é o relatório.


VOTO

I. Tempus regit actum

Sentença publicada em 01.09.2015 (fl. 187).

Portanto, à lide aplica-se o CPC/15, na forma do enunciado administrativo nº 3: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".


II. Tempestividade e preparo recursal

Constata-se que o recurso de apelação é tempestivo e que o recolhimento do preparo recursal foi comprovado.


III. Caso concreto

Trata-se de ação de cobrança ajuizada por Banco do Brasil S.A. em face de Frigorífico São Gregório Ltda., Maria Borghezan, Maiara do Nascimento, Jaison Alverton do Nascimento e Daniela Richetto Schuch, fundada em contrato de crédito rotativo.

O magistrado a quo proferiu sentença una que julgou as seguintes ações:

(a) ação de cobrança fundada nos contratos de crédito rotativo nº 224.703.502 e 224.703.530, autos nº 0000954-82.2013.8.24.0087;

(b) ação de cobrança fundada no contrato de crédito rotativo nº 224.703.217 e contrato de desconto de cheques nº 002.563.623, autos nº 0000953-97.2013.8.24.0087;

(c) ação de cobrança fundada nos contratos giro empresa flex ns. 224.703.217, 224.703.502 e 224.703.530; contrato de desconto de cheques nº 002563.623; contrato de desconto de títulos nº 224.703.183 e contrato de cheque especial nº 224.703.177 (autos nº 0001376-91.2012.8.24.0087);

(d) ação de revisão contratual nº 0001376-91.2012.8.24.0087.

Como se viu, na presente demanda (autos nº 0000953-97.2013.8.24.0087, o magistrado a quo julgou procedentes os pedidos iniciais.

Apenas a parte demandada interpôs recurso de apelação, cujas razões recursais passo à análise.

As razões recursais de todos os recursos interpostos pela parte ora demandada serão analisados de forma conjunta, a fim de evitar contradições.


(a) capitalização de juros

A prática do anatocismo, como também é conhecida a capitalização de juros, é regulamentada pela Medida Provisória n. 2.170.36/2001 (que reeditou a Medida Provisória n. 1.963-17/00), a qual dispõe em seu art. 5º: "nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano". (destaquei)

Como se vê, a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano é permitida pelo ordenamento jurídico pátrio, hipótese, inclusive, confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula n. 539, com o seguinte teor:

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