Acórdão Nº 0000994-93.1999.8.24.0139 do Quinta Câmara de Direito Público, 05-10-2021

Número do processo0000994-93.1999.8.24.0139
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0000994-93.1999.8.24.0139/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: DEOCLECIO CORRADI (AUTOR) APELADO: ESPÓLIO DE ORLANDO CORRÊA DE MELLO (RÉU) E OUTROS INTERESSADO: MUNICÍPIO DE BOMBINHAS-SC (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Por sentença havida na 2ª Vara da Comarca de Porto Belo, o pedido formulado na ação de reintegração de posse proposta por Deoclécio Corradi em face do Espólio de Orlando Correia de Mello foi julgado improcedente, constatando-se que a área dita esbulhada pertencia, na verdade, ao Município de Bombinhas.

Na sequência, as partes opuseram embargos de declaração, mas só aquele que veio do demandado foi acolhido, sanando-se contradição para fixar os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa.

O autor apela.

Alega que a sentença é nula na medida em que, mesmo à falta de esclarecimentos acerca da forma de aquisição da área pelo Município ou do projeto que definiu a exata localização da rua, o pedido foi julgado pelo mérito.

Nessa linha, insiste, não há prova da afetação da área, ressaltando que há declaração do próprio Município no sentido de que não dispõe de registros da doação, tanto que o laudo pericial adverte que tudo decorreu de loteamento cujo projeto não se teve aprovação - e nem poderia mais sê-lo tendo em vista que ultrapassado o prazo do art. 16, § 1°, da Lei 6.766/79. Quanto a isso, salienta, "os Tribunais superiores são unânimes ao estabelecer que somente 'a aprovação de loteamento pela Administração Pública transfere, automaticamente, os bens destinados ao uso comum ou ao uso especial da municipalidade para o domínio público, independentemente de registro (...)', porém, ao contrário, restou comprovado que não houve aprovação de loteamento ou doação da área ao Município".

Diz que o próprio Município, em certidão de abril de 1999, reconhece que não há terras públicas entre os imóveis do autor e do réu, não havendo espaço físico para o arruamento, que jamais foi implantado e dependeria de desapropriação. No mais, questiona por qual motivo a informação de que o imóvel confronta com avenida projetada é tida por verdadeira, enquanto as metragens do terreno, igualmente lançadas na escritura pública, são ignoradas.

Sustenta também que, considerando que não se tem a localização exata da rua, seu imóvel teria sido "escolhido" para abrigá-la. Alega, além disso, que "é certo que uma lei que dá denominação a um projeto de rua não representa a aquisição legal, mormente que a rua não estava implantada, não passando de um projeto, o que se evidencia pela existência do muro construído pelo recorrido no meio da suposta rua".

Subsidiariamente defende que, ainda que o imóvel pertença ao Poder Público, se o particular vinha exercendo sua posse, merece proteção em face de atos de outros particulares.

Houve contrarrazões e o espólio alega que discussão semelhante foi travada nos autos n. 0000095-95.1999.8.24.0139, que também diz respeito à reintegração de fragmento da Rua Urucum, lá se tendo reconhecido que a área era mesmo pública e não poderia ser objeto de apossamento por particular.

Distribuídos originalmente à Sétima Câmara de Direito Civil, os autos foram remetidos para cá.

A Procuradoria-Geral de Justiça não manifestou interesse no feito.

VOTO

1. Nesta mesma sessão foi julgada a oposição apresentada pelo Município de Bombinhas em face dos aqui litigantes.

O pedido foi, como em primeiro grau, dado por procedente. Inclusive, os mesmos litigantes nesta possessória são apelados naqueles autos, de sorte que incontroversamente se submetem àquele resultado.

Dito de outro modo, ficou constatado que nem autor nem réu têm direito sobre a gleba. De tal sorte, houve a perda do objeto desta possesssória - o desaparecimento do interesse de agir.

É inviável manter a improcedência na medida em que isso valeria por reflexamente sustentar que o réu teria prerrogativa de direito material. Se é reconhecido que C tem o direito disputado por A e B, o certo é que não há o que julgar neste litígio.

"Julgada procedente a oposição, fica prejudicada a análise do processo original. Do contrário, julgada improcedente aquela, será examinada a ação, definindo-se a quem pertence o bem ou o direito em litígio", aclaram Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Curso de processo civil, v. III, RT, 4ª ed., 2019).

2. Repito, a propósito, o exposto na apelação conexa:

1. O debate se refere a uma área relativa a loteamento, mas, alerta o particular, não houve a aprovação de projeto de parcelamento, o que afastaria a tese no sentido de que alguma porção teria sido afetada à Administração.

O apelante, em tese, tem razão.

A aprovação do projeto de loteamento, independentemente de registro, transfere as áreas destinadas ao uso público à municipalidade - e, ao contrário, faltando o tal requisito, não há transmissão. (O Decreto Lei n. 58/37, vigente à época, já impunha a tal exigência para o loteamento de terras urbanas, ainda que hoje tenha incidência somente quanto a glebas rurais.)

Tudo indica, todavia, que o loteamento surgiu clandestinamente - o Município de Bombinhas (que em 1977 ainda integrava Porto Belo1) assume que não há registros de aprovação de projeto de loteamento e a matrícula-mãe transparece sucessivos desmembramentos (evento 75, inf 71).

O fato, porém, é que a área foi utilizada para arruamento, recebendo inclusive denominação, e hoje permanece afetada ao interesse público, abrigando espaço de uso comum, situação que demonstra a disponibilidade do Município sobre a dita rua e, quando muito, configuraria desapropriação indireta.

Eis um ponto que merece atenção.

A aludida via de passagem, mal ou bem, está incorporada aos propósitos da municipalidade, o que ficou bem demonstrado nas fotografias trazidas pelo espólio de Orlando Corrêa de Mello no evento 267 dos autos conexos (0000994-93.1999.8.24.0139), que evidenciam que há mais de três décadas o espaço entre as propriedades era utilizado pelos moradores para eventos comunitários (um campeonato amador de surf) e para a passagem de veículos, dando acesso especialmente à casa do demandado (que, reconhece, avançava parcialmente sobre a rua) e do vizinho João Kracik, que por ali acessava diretamente os fundos de sua propriedade.

Essa mesma...

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