Acórdão Nº 0001020-26.2016.8.24.0065 do Terceira Turma Recursal, 24-06-2020

Número do processo0001020-26.2016.8.24.0065
Data24 Junho 2020
Tribunal de OrigemSão José do Cedro
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão


Terceira Turma Recursal

Alexandre Morais da Rosa


Apelação n. 0001020-26.2016.8.24.0065, de São José do Cedro

Relator: Juiz Alexandre Morais da Rosa

DESACATO – CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE – PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA (art. 13) – PREVALÊNCIA DAS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA SOBRE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO PROVIDO – ABSOLVIÇÃO DECRETADA.


Não se trata de livre e total possibilidade de uso das palavras contra agentes públicos. O que opera é a prevalência do direito de livremente se manifestar, sem que o sentimento pessoal do agente público, que age em nome do Estado, possa se confundir com o patrimônio pessoal do agente público. Não se trata de ofensas pessoalizadas mas, sim, de quem se depara com o representante que exerce poder em nome do Estado, e para o qual o direito de resistência se opõe, via liberdade de expressão, constitui pilar básico enquanto Estado Democrático de Direito.

O cariz democrático implica tolerar a dissonância e pluralidade de opiniões, inclusive agressivas e/ou ofensivas para com os representantes do Estado. Aliás, representar o Estado, em qualquer de suas funções, pressupõe certa capacidade de dissociar a ofensa pessoal de quem representa e de quem é representado. A confusão de lugares no Brasil faz com que qualquer ato de resistência, de irresignação ou de ofensa seja tomado como algo pessoal, conduzindo-se o sujeito por crime cujo bem jurídico viola o Pacto de San José da Costa Rica.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0001020-26.2016.8.24.0065, da Comarca de São José do Cedro Vara Única, em que é/são Apelante Suzana Emilio,e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:



ACORDAM os integrantes da Terceira Turma Recursal, por maioria, dar provimento ao recurso para absolver o acusado, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.


Florianópolis, 24 de junho de 2020.


Alexandre Morais da Rosa

Relator




































I – RELATÓRIO.



Dispensado nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95.



II – VOTO.



A decisão proferida nos autos do Recurso Especial nº 1.640.084, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), relator Min. Ribeiro Dantas, no tocante ao controle de convencionalidade do crime de desacato, formalmente previsto no art. 331 do Código Penal, mas abusivo em face da liberdade de expressão, merece prevalecer diante da decisão contrária, sem efeito vinculante, do Supremo Tribunal Federal (HC 141.964). Isso porque supera-se a noção restritiva da liberdade de expressão, alinhando-se às diretrizes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo a qual a manifestação dos sujeitos não pode ser tida como uma afronta aos representantes Estatais no contexto da interação, mormente em sociedade com larga tradição autoritária.

O voto do Min. Ribeiro Dantas destaca que A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito. A partir dessa diretriz, prevista no art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, inverte-se a lógica de silenciamento, sem prejuízo da responsabilização do agente ativo, conforme também consignado no voto: O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público”.

Não se trata de livre e total possibilidade de uso das palavras contra agentes públicos. O que opera é a prevalência do direito de livremente se manifestar, sem que o sentimento pessoal do agente público, que age em nome do Estado, possa se confundir com o patrimônio pessoal do agente público. Não se trata de ofensas "pessoalizadas", mas...

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