Acórdão Nº 0001031-84.2011.8.24.0015 do Segunda Câmara Criminal, 14-01-2020

Número do processo0001031-84.2011.8.24.0015
Data14 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCanoinhas
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão


Recurso em Sentido Estrito n. 0001031-84.2011.8.24.0015, de Canoinhas

Relator: Des. Sérgio Rizelo

RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E PELA IMPOSSIBILIDADE DE DEFESA DA VÍTIMA E DUAS TENTATIVAS DE HOMICÍDIO QUALIFICADAS PELO MOTIVO FÚTIL (CP, ART. 121, § 2º, II E IV, E 121, § 2º, II, C/C O 14, II). DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSOS DOS ACUSADOS.

1. CABIMENTO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA DECISÃO DE PRONÚNCIA. INTERPOSIÇÃO POR TERMO NOS AUTOS. DENOMINAÇÃO EQUIVOCADA DAS RAZÕES RECURSAIS. 2. INTERESSE RECURSAL. REMUNERAÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO. VERBA NÃO ESTIPULADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. 3. PRONÚNCIA. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA (CPP, ART. 414, CAPUT). 3.1. LAUDO PERICIAL. CONFISSÃO. DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS. 3.2. DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS E DE TESTEMUNHAS. 4. LEGÍTIMA DEFESA (CPP, ART. 415, IV; CP, ART. 25). INJUSTA AGRESSÃO. VÍTIMA DESARMADA. DISCUSSÃO ENCERRADA. DISPARO NA PARTE POSTERIOR DA CABEÇA. 5. QUALIFICADORA. MOTIVO FÚTIL (CP, ART. 121, § 2º, II). "DESENTENDIMENTO BANAL". AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DOS MOTIVOS DA DISCUSSÃO ANTERIOR. 6. REMUNERAÇÃO DE DEFENSOR NOMEADO. ATUAÇÃO NA FASE DE PRONÚNCIA EM PROCESSO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. DESIGNAÇÃO PARA ATUAÇÃO NO RESTANTE DO FEITO.

1. É cabível, contra a decisão de pronúncia, o recurso em sentido estrito interposto de próprio punho pelo acusado, sendo irrelevante o fato de seu defensor, por ocasião do oferecimento das razões recursais, ter nomeado a peça "razões de apelação".

2. Não tendo sido fixada remuneração em prol do defensor nomeado para oferecer razões ao recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia, conta o recorrente com interesse para postular a estipulação de verba em prol do causídico nomeado.

3.1. Há indícios suficientes de materialidade e da autoria do delito de homicídio se o laudo pericial atesta que a vítima faleceu em decorrência de um disparo de arma de fogo; se um dos acusados admite ter acionado o artefato bélico; se quatro testemunhas confirmam ter visto esse indivíduo deflagrar o revólver; e se três testigos declaram ter visto o corréu entregar a arma ao autor do disparo, sendo inviável, diante disso, a impronúncia.

3.2. Há indícios suficientes de materialidade e da autoria dos delitos de tentativa de homicídio se duas vítimas afirmam que o acusado apontou o revólver em direção a elas e puxou o gatilho, sem que nenhum projétil tenha sido expelido da arma, e se duas testemunhas confirmam ter visto o denunciado acionar o revólver mirando nas vítimas, sendo inviável, diante disso, a impronúncia.

4. A existência de depoimentos no sentido de que a discussão que antecedeu o homicídio já havia sido encerrada por ocasião do disparo; a ausência de depoimentos no sentido de que o ofendido investiu contra o acusado ou ameaçou-o; e o fato de a vítima ter sido alvejada na parte posterior do crânio; impedem a absolvição sumária do denunciado com base na ocorrência de legítima defesa, pois sugerem que não ocorreu injusta agressão a ser repelida.

5. Sem indicação, na denúncia, a respeito dos motivos que levaram à discussão que antecedeu o homicídio, é inviável a manutenção da qualificadora do motivo fútil somente com fundamento na assertiva de que o evento morte decorreu de "desentendimento banal".

6. É indevida, pela interposição de recurso em sentido estrito, a estipulação de remuneração ao defensor nomeado para atuar em prol de acusado em processo de competência do Tribunal do Júri, se a designação é referente as duas etapas.

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. QUALIFICADORA DO MOTIVO FÚTIL AFASTADA DE OFÍCIO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito n. 0001031-84.2011.8.24.0015, da Comarca de Canoinhas (Vara Criminal), em que são Recorrentes Jeferson José Miranda e Silmar Cristóvão e Recorrido o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer dos recursos, negar-lhes provimento e afastar, ex officio, a qualificadora do motivo fútil com relação a todas as imputações da prática de crime contra a vida. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 14 de janeiro de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Volnei Celso Tomazini e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 15 de janeiro de 2020.

Sérgio Rizelo

PRESIDENTE E relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Canoinhas, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Jeferson José Miranda, de alcunha "Péa", e Silmar Cristóvão Alves, codinome "Norato", imputando ao primeiro a prática dos crimes previstos nos arts. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, e 14 da Lei 10.826/03, e ao segundo o cometimento dos delitos estampados nos arts. 121, § 2º, II e IV, e 121, § 2º, II, c/c o 14, II, do Código Penal, este por três vezes, nos seguintes termos:

Na noite de 31 de dezembro de 2010, por volta das 21 horas, na Rua 10 de Julho, Distrito de São Cristóvão, Município de Três Barras, nesta comarca de Canoinhas/SC, os denunciados Jeferson José Miranda e Silmar Cristóvão Alves envolveram-se em uma discussão com Jean Carlos Padilha e Silvano Ribeiro da Silva, que haviam saído da residência de Claudinéia Agapito de Lima, onde pretendiam comemorar a virada de ano.

Na tentativa de acabar com a discussão, Claudinéia e seus convidados João Maria Castro, Jairo Xavier da Cruz e Geziel Jungles Carvalho foram até o local, com o intuito de acalmar os ânimos daqueles que discutiam.

Durante o desentendimento, o denunciado Jeferson sacou uma arma de fogo calibre 22, que portava em desacordo com determinação legal ou regulamentar, contudo, não efetuou nenhum disparo. Quando parecia que a discussão iria chegar ao final, o denunciado Jeferson entregou a arma de fogo que portava para o acusado Silmar, que gritou: "João Maria, é você mesmo", e, com manifesto animus necandi, efetuou um disparo contra a cabeça da vítima João Maria, causando-lhe traumatismo crânio-encefálico, causa eficiente para sua morte, conforme laudo pericial cadavérico das fls. 7-8.

Após a queda da vítima, o acusado Silmar ainda efetuou mais dois disparos contra ela, porém, a arma de fogo não funcionou.

Registra-se que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima João Maria, pois o disparo foi feito enquanto esta retirava-se do local e estava de costas para o acusado, sendo impossível suspeitar do que estava prestes a acontecer.

Ainda, segundo se apurou, o homicídio foi cometido por motivo fútil, em razão do desentendimento banal que a vítima e os réus travaram momentos antes.

Ato contínuo, e ainda em razão do desentendimento travado momentos antes, o acusado Silmar apontou a arma para a vítima Jean, e puxou o gatilho, porém, a arma de fogo não funcionou. O Acusado, então, apontou a arma de fogo para a vítima Geziel, e puxou o gatilho. Contudo, mais uma vez, a arma de fogo não funcionou. Por fim, o denunciado Silmar apontou a arma para a vítima Jairo, e novamente acionou o gatilho, mas a arma não funcionou. Assim, o acusado somente não atingiu seu intento homicida porque a arma de fogo falhou no momento em que acionada, fato único e direto, alheio a sua vontade, a obstar a consumação delitiva (fls. 10-11).

Encerrada a instrução preliminar, a Doutora Juíza de Direito:

a) impronunciou Silmar Cristóvão Alves no que diz respeito à tentativa de homicídio alegadamente cometida contra Geziel Jungles Carvalho;

b) pronunciou Silmar Cristóvão Alves pela prática, em tese, dos delitos previstos nos arts. 121, § 2º, II e IV (contra João Maria Castro); e 121, § 2º, II, c/c o 14, II, por duas vezes (referentes a Jairo Xavier da Cruz e Jean Carlos Padilha), todos do Código Penal; e

c) pronunciou Jeferson José Miranda pelo cometimento, em tese, dos crimes estampados nos arts. 121, § 2º, II e IV do Código Penal e 14 da Lei 10.826/03 (fls. 358-365).

Insatisfeitos, Jeferson José Miranda e Silmar Cristóvão Alves deflagraram recursos em sentido estrito.

Jeferson José Miranda, nas razões recursais, objetiva sua despronúncia, argumentando que não há "nos autos qualquer evidência de que o Apelante [sic] participou do fato tipificado" (fls. 383-385).

Silmar Cristóvão Alves, por sua vez, pretende a proclamação da sua absolvição sumária, sustentando, em síntese, que agiu em legítima defesa; e, subsidiariamente, sua despronúncia, pois "as provas acostadas aos autos são frágeis e [...] não demonstram efetivamente que o Recorrente participou do crime aqui em comento".

Por fim, pleiteia a fixação de remuneração ao Excelentíssimo Defensor que atua em seu favor (fls. 388-394).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo não conhecimento do recurso interposto por Jeferson José Miranda (e, subsidiariamente, por seu desprovimento) e pelo desprovimento do reclamo deflagrado por Silmar Cristóvão Alves (fls. 399-409).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Francisco Bissoli Filho, posicionou-se pelo conhecimento parcial do reclamo de Silmar Cristóvão Alves e pelo desprovimento de ambos os recursos (fls. 441-448).

Este é o relatório.


VOTO

1. Os recursos, apesar do exposto nas contrarrazões do Ministério Público, devem ser conhecidos.

A alegação do Parquet é de que Jeferson José Miranda deflagrou apelação contra a decisão de pronúncia, reclamo incabível que, dada a grosseria do equívoco, não seria digno de admissão.

De fato, a Excelentíssima Defensora nomeada para atuar em prol deste Recorrente protocolou, no dia 13.6.19, peça que denominou "recurso de apelação" (fl. 383).

Ocorre que a interposição da insurgência não padece de irregularidade. Jeferson José Miranda, quando intimado pessoalmente a respeito da decisão impugnada, manifestou, por termo nos autos (como autorizado pelo art. 578 do Código de Processo Penal) seu desejo de recorrer, e não assinalou que o pretendia fazer...

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