Acórdão Nº 0001045-27.2010.8.24.0040 do Quarta Câmara de Direito Público, 31-03-2022

Número do processo0001045-27.2010.8.24.0040
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001045-27.2010.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO

APELANTE: MUNICÍPIO DE LAGUNA/SC APELADO: MELLO & DUARTE CONSTRUCOES E INCORPORACOES LTDA

RELATÓRIO

Na comarca de Laguna, Mello & Duarte Construções e Incorporações Ltda. ajuizou ação de indenização por desapropriação indireta em face do Município de Laguna.

Narra a inicial que a empresa "autora arrematou na Justiça Trabalhista, em Imbituba, uma área de terras que era de propriedade da Indústria Catarinense de Adubos e Mineração Ltda. - INCLA -, área esta medindo 62.872,00 m²", objeto da matrícula n. 15.574 do Cartório de Registros de Imóveis de Laguna. Descreve que, em 2010, requereu - e obteve - o desmembramento da referida extensão, o que gerou nove novas matrículas, de ns. 29.164 a 29.172, esta última, com 25.647,27 m², "caracterizada na planta em anexo como 'Área Remanescente'". Conta, porém, que "sobre referida área o Município de Laguna edificou, em meados de 1995, o Centro de Apoio Integrado à Criança - CAIC -, apoderando-se indevidamente da mesma". Menciona, ainda, "que a aquisição da área por parte da autora foi posterior ao "esbulho" praticado pelo Município", mas que essa "recebeu todos os direitos que sobre as áreas que competiam ao antigo proprietário". Daí por que objetiva a indenização correspondente à perda da propriedade (Ev. 59, Procjudic1, p. 4-7).

Formada a relação jurídica processual e observado o contraditório, designou-se audiência preliminar (Ev. 59, Procjudic1, p. 81).

Cancelado o ato, foi deferida a prova pericial (Ev. 59, Procjudic1, p. 95-96).

Vindo o laudo (Ev. 59, Procjudic1, p. 110-137), o ente municipal solicitou esclarecimentos (Ev. 59, Procjudic1, p. 150), cuja pretensão foi atendida (Ev. 59, Procjudic1, p. 166, e Procjudic2, p. 1-6).

Na sequência, Vanderlei da Rosa compareceu aos autos por advogada constituída e pugnou pela juntada de documentos (Ev. 59, Procjudic2, p. 14-43, e Procjudic3, p. 1-19).

Com tentativa inexitosa de conciliação (Ev. 59, Procjudic3, p. 31), sobreveio sentença de procedência do pedido, nos termos que segue a parte dispositiva (Ev. 59, Procjudic3, p. 35-53):

À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE, com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), o pedido formulado pelo autor Mello Duarte Construções e Incorporações Ltda através da presente ação deflagrada contra o Município de Laguna e, em conseqüência, CONDENO o Município ao pagamento da quantia de R$ 1.230.445,00 (um milhão, duzentos e trinta mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais), com correção monetária a partir da data da avaliação 27/07/2012, nos termos da Súmula 67 do STJ; acrescida de juros compensatórios, no percentual de 12% ao ano, a partir data da ocupação do imóvel, que fixo em 31/12/1995 à míngua de prova nos autos do real dia, conforme Súmulas 69 e 114 do STJ. Entre o período de 11.06.1997, quando foi editada a Medida Provisória 1.577/97, até 13.09.2001 (quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão 'de até seis por cento ao ano', do caput do art. 15-A do Decreto-lei 3.365/41), os juros compensatórios serão de 6%. Tais juros compensatórios incidirão até a data da expedição do precatório; e, juros de mora, no percentual de 12% ao ano, cujo termo inicial deve ser fixado como 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o precatório deve ser pago. É perfeitamente possível a cumulação dos juros compensatórios com o juros moratórios, de acordo com a Súmula 102 do STJ.

Oficie-se ao Ofício do Registro de Imóveis de Laguna para que seja registrada a desapropriação da área de em favor do Município de Laguna.

Não há que se falar em pagamento das custas e despesas processuais pelo réu, uma vez que se trata de ente público, isento nos termos do art. 35, "i", da Lei Complementar Estadual n.º 156/97.

Arca o réu com os honorários advocatícios do procurador do autor que, analisados o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido pelo serviço, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, ex vi do § 3.º do art. 20 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se oportunamente, dando-se baixa na estatística.

Descontente, o réu interpôs recurso de apelação, no qual postula, preliminarmente, a manutenção da documentação encartada por Vanderlei. Em prejudicial, reedita a tese de prescrição aquisitiva e, no mérito, argui, em síntese, "que não houve a correta e adequada apreciação dos fatos e das provas dos autos", aclarados com os documentos colacionados antes da audiência de conciliação, donde possível verificar a existência de acordo - homologado judicialmente - celebrado na ação de desapropriação direta (n. 0000132-41.1993.8.24.0040) entre a municipalidade e INCLA, então proprietária do imóvel objeto da discussão, inclusive com cessão onerosa para abertura de rua com passeio, isto no ano de 1993. Alega, também, que não obstante a demora no cumprimento do ajuste, houve expedição de mandado de averbação, em maio de 2014, confirmando a propriedade da coisa, há muito efetivada. Daí postular a improcedência do pleito exordial (Ev. 59, Procjudic3, p. 49-73).

Decorrido o prazo para contrarrazões (Ev. 59, Procjudic3, p. 104), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça pela "anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para que nova decisão seja prolatada, com base, também, na documentação juntada às fls. 153-192" (Ev. 59, Procjudic3, p. 110-112).

É o relatório.

VOTO

Cumpre pontuar, inicialmente, que, tendo a sentença em exame sido publicada em 11-1-2016 (Ev. 59, Procjudic3, p. 44), isto é, quando ainda em vigência o Código de Processo Civil de 1973, o caso será analisado sob o regramento do Diploma revogado, ressalvadas eventuais normas de aplicação imediata.

Diante disso, são necessários alguns esclarecimentos no tocante à admissibilidade recursal (arts. 513 e 475, I, ambos do CPC/73).

Como sabido, a apreciação das condições da ação, por se tratar de matéria de ordem pública, impõe-se como dever ao julgador a qualquer tempo do processo, não se encontrando, via de regra, sujeita à preclusão ou à vedação diante de supressão de instância. E ainda que a questão não tenha sido debatida por autor e réu nem observada pelo juiz de primeiro grau, deve ser verificada, em segunda instância, como premissa ao exercício da atividade jurisdicional (cf. STJ, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.784.936/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 29-3-2021, DJe 6-4-2021).

Especialmente em relação à legitimidade das partes, os arts. 485, VI e § 3º e 337, IX e § 5º, ambos do Código de Processo Civil, ditam que:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:[...]Vl - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;[...]§ 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.

Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: [...]IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;[...]§ 5º Excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo.

Essa diretriz, no entanto, não é absoluta. Com efeito, "as questões de ordem pública, a exemplo da legitimidade de parte para figurar no polo passivo da demanda, não estão sujeitas à preclusão e podem ser apreciadas a qualquer tempo, inclusive de ofício, desde que não tenham sido decididas de maneira definitiva anteriormente" (STJ, Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial n. 1.665.187/RJ, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 22-11-2021, DJe 30-11-2021).

No caso concreto, a alegação de ilegitimidade ativa veio em contestação (Ev. 59, Procjudic1, p. 52) - e foi refutada em réplica (Ev. 59, Procjudic1, p. 62) -, porém nas decisões posteriores inexistiu qualquer apreciação.

O exame, em verdade, ocorreu por ocasião da sentença, mais precisamente quando destacado que "a preliminar de legitimidade ativa será analisada com o mérito, por dele fazer parte integrante" (Ev. 59, Procjudic3, p. 37-38).

Assim, não sendo a hipótese de preclusão, possível a incursão na temática de ofício ou em razão da remessa necessária -, pois embora ausente o realce no julgado de primeiro grau (Ev. 59, Procjudic3, p. 35-53), incidente a obrigatoriedade na esteira do - revogado - art. 475, I, do Código de Processo Civil de 1973 e a teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, calha asseverar que o conhecimento da matéria encontra suporte noutra vertente, qual seja, a necessidade de aplicação vinculante e imediata do entendimento firmado pelos Tribunais Superiores em repercussão geral ou mediante a sistemática dos recursos repetitivos.

Com efeito, dispõe o art. 927, III, do Código de Processo Civil que:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

[...]

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[...]

Acerca da função e relevância dos precedentes, lecionam DIDIER JR. e CUNHA que

o objetivo do IRDR e dos recursos repetitivos é conferir tratamento prioritário, adequado e racional às questões repetitivas. Tais instrumentos destinam-se, em outras palavras, a gerir e decidir os casos repetitivos.

Além de gerir os casos repetitivos, o IRDR e os recursos repetitivos também se destinam a formar precedentes obrigatórios, que vinculam o próprio tribunal, seus órgãos e os juízos a ele subordinados.

O IRDR e os recursos especial e extraordinário repetitivos compõem, por isso, dois microssistemas, cada um deles relacionado a uma de suas duas funções.

Eles integram o...

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