Acórdão Nº 0001046-11.2010.8.24.0008 do Terceira Câmara de Direito Público, 30-03-2021

Número do processo0001046-11.2010.8.24.0008
Data30 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0001046-11.2010.8.24.0008/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: WESTROCK, CELULOSE, PAPEL E EMBALAGENS LTDA APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Na Comarca de Blumenau, Rigesa, Celulose, Papel e Embalagens Ltda. impetrou "mandado de segurança preventivo" com pedido liminar contra ato do Delegado da Fazenda Estadual em Blumenau alegando que é contribuinte de ICMS sobre o consumo de energia elétrica; que celebrou contratos de fornecimento de energia elétrica com as Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A; que os referidos contratos preveem o fornecimento de energia elétrica à autora e acréscimos referentes a "demanda" ou "demanda contratada", para assegurar o fornecimento deste serviço em volume compatível com suas capacidades instaladas, necessárias para o desempenho de suas atividades; que efetuou o recolhimento do ICMS também sobre a demanda contratada, enquanto deveria ser apenas sobre a energia consumida.
Pleiteou concessão de medida liminar, a ser confirmada ao final, para determinar a suspensão da exigibilidade do ICMS sobre a demanda contratada, bem como reconhecer o direito à apropriação e à compensação dos valores relativos ao ICMS indevidamente recolhidos a esse título, nos últimos 10 anos, e afastar a incidência de ICMS sobre Encargo de Capacidade Emergencial - Seguro Apagão, exigido de 02/2002 a 12/2005, permitindo a apropriação e a compensação, em valores devidamente atualizados pela Selic e com incidência de juros.
O pedido liminar foi deferido para "determinar que a autoridade coatora suspenda a cobrança do ICMS incidente sobre a 'demanda contratada' de tal maneira que o ICMS incida 'tão-somente sobre os valores referentes à energia elétrica consumida (kWh) e à demanda de potência efetivamente utilizada (kW), aferidas nos respectivos medidores, independentemente do quantitativo contratado', e se abstenha de praticar quaisquer atos de constrição administrativa, recursa de expedição de Certidão Negativa de Débito ou inscrição em dívida ativa em desfavor da impetrante por conta dos efeitos da presente liminar. Cabe ao impetrado solicitar imediatamente à Celesc para suspender a retenção da parcela do tributo atingido pela presente decisão''.
Houve a retificação da autoridade impetrada, que passou a ser o Gerente Regional da Fazenda Estadual em Florianópolis.
Notificada, a autoridade arguiu preliminarmente a ilegitimidade ativa da parte impetrante alegando que somente o contribuinte de direito possui legitimidade para propor as ações relativas a tributos indiretos; que é incabível na espécie a impetração de mandado de segurança preventivo, por não existir ilegalidade ou abuso de poder passíveis de reforma que estejam relacionados ao objeto declarado pela parte impetrante; que o caso dos autos levanta questionamento contra lei em tese, evidenciando discussão imprópria pela via eleita.
No mérito, disse que a autuação do Fisco está de acordo com as Súmulas n. 391 do Superior Tribunal de Justiça que diz que "o ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada" e Súmula 21 desta Corte que fala "incide ICMS tão-somente sobre os valores referentes à energia elétrica consumida (kWh) e à demanda de potência efetivamente utilizada (kW), aferidas nos respectivos medidores, independentemente do quantitativo contratado"; que o consumidor contratou a demanda por sua livre vontade, em visão que realizou quanto à sua necessidade de consumo para manter suas atividades empresariais, assumindo ônus que não pode ser desconsiderado; que é de cinco anos o prazo para postular compensação de créditos fiscais; que há indevida interferência do Poder Judiciário com a concessão de isenção tributária não prevista em lei; que a restituição pretendida não pode ser operada por mandado de segurança, exigindo, por isso, ajuizamento de ação ordinária.
O Ministério Público manifestou-se pela concessão parcial da ordem para que seja afastada a incidência de ICMS sobre a demanda contratada e negando a pretensão de compensação.
Em sentença, o Juízo decidiu afastar as preliminares e conceder "parcialmente a segurança, confirmando a liminar de fls. 106/108, para determinar que a autoridade coatora se abstenha de fazer incidir ICMS sobre à demanda contratada e não utilizada por parte da impetrante, e reconhecer o direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos, a partir da impetração, a título de ICMS sobre a diferença entre a energia efetivamente consumida e a 'demanda de energia contratada', a ser exigido mediante processo administrativo próprio. Os valores pretéritos deverão ser buscados em procedimento ordinário respectivo". Reconheceu isenção de custas pelo Estado de Santa Catarina. Não fixou honorários por não serem cabíveis na espécie.
A impetrante opôs embargos de declaração, que foram rejeitados.
Inconformada, apelou dizendo possuir legitimidade para pleitear ressarcimento do ICMS indevidamente pago; que o Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina, Decreto Estadual n. 2.870/2001, em seu art. 28, prevê a compensação dos valores devidos com créditos resultantes das operações anteriores, nos termos do art. 74 da Lei Federal n. 9.430/1996 e da Instrução Normativa n. 1.717/2017, aplicando-se a Súmula 213 do Superior Tribunal de Justiça; que o art. 165 do Código Tributário Nacional prevê expressamente a restituição do tributo indevidamente pago; que, se é permitida a restituição em pecúnia, também deve ser permitida a compensação; que não é devido ICMS sobre o 'Encargo de Capacidade Emergencial'.
Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Basílio Elias De Caro, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso voluntário e da remessa.
Sobreveio decisão deste relator para sobrestar a demanda até o julgamento do RE 593824, Tema 176, do Supremo Tribunal Federal.
Após, em petição apartada, a parte impetrante requereu o julgamento do feito

VOTO


1. Vale consignar, inicialmente, que a "legitimidade", como condição da ação, provém da teoria tripartite da ação idealizada por Liebman, tendo sido adotada no anteprojeto do Código de Processo Civil por Alfredo Buzaid e seus coautores e está presente no art. 3º, do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da propositura da ação, segundo o qual "para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade".
Celso Antônio Agrícola Barbi explica que "a legitimidade é o segundo requisito exigido pelo art. 3º para que o autor possa propor ação e para que o réu possa contestá-la. É usualmente denominada legitimação para a causa, ou legitimatio ad causam:
"[...]
"A legitimidade para a causa, ou legitimatio ad causam, não se confunde com a legitimidade para o processo, ou legitimatio ad processum. Aquela diz respeito ao direito de ação. Esta refere-se ao processo, à relação jurídica processual. É um pressuposto processual, é a capacidade de estar em juízo. Segundo o ensino de Amílcar de Castro, ela 'consiste na faculdade de praticar atos processuais válidos, a que sejam atribuídos efeitos jurídicos.
"A legitimidade para a ação refere-se a uma determinada demanda, enquanto a legitimidade para o processo se refere a qualquer processo. Esta cabe, em geral, às pessoas naturais capazes. Assim, uma pessoa, desde que capaz, tem legitimidade para o processo, isto é, pode agir em juízo praticando atos válidos em qualquer processo. Mas essa mesma pessoa só terá legitimidade para determinada ação se for titular do direito ajuizado. Enquanto isso, um menor absolutamente incapaz tem legitimidade para a ação de alimentos contra seu pai; mas, dada a incapacidade decorrente da idade, não pode praticar atos processuais válidos e, assim, não tem legitimidade pra o processo" (Comentários ao Código de Processo Civil. v. I, t. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977 pág. 43 e 65/67).
Segundo o art. 155, § 2º, inciso XII, letra "a", da Constituição Federal de 1988, "cabe à lei complementar: (...) definir seus contribuintes". De acordo com o art. 34, § 5º, do ADCT da CF/88, foi recepcionado no lugar da lei complementar aí referida o Código Tributário Nacional, cujo art. 121 estabelece que o "sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária". O dispositivo prevê, ainda, no parágrafo único, que "o sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei". O art. 4º, "caput" e seu parágrafo único, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13/09/1996, de igual modo, definem quem são os contribuintes de direito do ICMS; enquanto que o art. 5º permite que a lei atribua a terceiro a responsabilidade pelo pagamento do imposto e seus acréscimos. O art. 8º da Lei Estadual n. 10.297/1996 repete essas disposições.
Não há dúvida de que o sujeito passivo da obrigação tributária é o contribuinte de direito, ou seja, aquele que realiza, habitualmente, as operações de circulação de mercadorias e a prestação de serviços sobre os quais incide o ICMS e o recolhe ao fornecer a energia elétrica aos seus consumidores, como é o caso da CELESC.
Não obstante, ao contrário do que sustenta o Estado, tem o contribuinte de fato o direito de questionar a incidência do ICMS sobre a "demanda contratada", nos termos art. 166, do Código Tributário Nacional, porquanto foi ele quem, em "ultima ratio", arcou com o encargo tributário respectivo.
O Código Tributário Nacional disciplina, nos arts. 165 a 169, a maneira de obter a repetição do indébito tributário,...

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