Acórdão Nº 0001053-53.2019.8.24.0051 do Quinta Câmara Criminal, 11-11-2021

Número do processo0001053-53.2019.8.24.0051
Data11 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0001053-53.2019.8.24.0051/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: CARLOS ALBERTO FLORES (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Ponte Serrada, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Carlos Alberto Flores, dando-o como incurso nas sanções do art. 15, caput, da Lei n. 10.826/2003, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 12):

"DO CRIME DE DISPARO DE ARMA DE FOGO

No dia 7 de setembro de 2019, por volta das 20 horas, na Rua 3 de Maio, n. 460, Centro, em Ponte Serrada, o denunciado Carlos Alberto Flores, ciente da ilicitude de seu comportamento e com a vontade orientada para a prática do ilícito, efetuou disparo de arma de fogo em local habitado, projétil que veio a acertar as dependências do Fórum da Comarca.

Conforme apurado, o denunciado, que vizinha em frente ao prédio do Fórum desta Comarca, após uma discussão acalorada com sua companheira, valendo-se do fato de que possuía, pelo menos, 5 (cinco) armas de fogo no interior de sua residência, efetuou um disparo com uma arma de calibre nominal .380 , em local habitado e com efetivo movimento de transeuntes.

O acionamento do gatilho da arma partiu do interior da residência do denunciado, transpassando o projétil pelo vidro da porta da cozinha do imóvel, e efetuando trajetória em linha reta, atravessando a via, com impacto inicial no corrimão de tubos da rampa de acesso ao prédio do Fórum.

Após o primeiro impacto, o projétil desviou sua trajetória de maneira ascendente, colidindo contra a vidraça da janela do segundo andar do edifício, quebrando o vidro pertencente à sala da Promotoria de Justiça, sofrendo novo ricocheteio, de forma descendente, terminando sobre a calçada que margeia a edificação.

O disparo somente foi percebido algumas horas depois do provável impacto pelo Segurança do Fórum, ao notar que havia vidros quebrados dentro do prédio, bem como ao localizar o projétil, sendo adotada as medidas cabíveis".

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença, nos seguintes termos (Evento 100):

"Ante o exposto, julgo procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público de Santa Catarina e, em consequência CONDENO o réu CARLOS ALBERTO FLORES ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 185 (cento e oitenta e cinco) dias-multa, no valor de 1/10 do salário mínimo vigente à época dos fatos (7/9/2019), por infração ao artigo 15, caput, da Lei 10.826/03.

DEIXO de substituir a pena privativa de liberdade pelas penas restritivas de direito, bem como conceder a suspensão condicional do processo, conforme acima já delineado.

DEIXO de fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração em razão da ausência de pedido formal nos autos.

CONDENO o acusado ao pagamento das custas processuais (CPP, art. 804).

CONCEDO ao réu o direito de recorrer em liberdade, eis que ausente qualquer motivo que justifique a decretação de prisão preventiva".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Nas razões recursais, o apelante requer a absolvição consubstanciada na insuficiência probatória, já que as provas nos autos não são capazes de imputar a autoria delitiva a sua pessoa, e havendo dúvidas, defende a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Subsidiariamente, postula a reforma da dosimetria, com a fixação da pena-base no mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (Evento 112).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença prolatada (Evento 117).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Sr. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (Evento 12 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.

1 . Absolvição.

O apelante postula sua absolvição, alegando que não há provas suficientes em demonstrar que seria ele a pessoa que desferiu um tiro de arma de fogo em direção ao Fórum de Ponte Serrada e, havendo quaisquer dúvidas, deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo em seu benefício.

Contudo, a insurgência não merece provimento.

O crime de disparo de arma de fogo está previsto no art. 15 da Lei n. 10.826/2003, e para incorrer nas sanções de tal dispositivo, basta o agente praticar os respectivos verbos, veja-se:

"Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime" - Grifou-se.

A propósito, por ser considerado crime de perigo abstrato e mera conduta, mostra-se desnecessário qualquer resultado danoso, tampouco apreensão ou perícia para averiguar a eficácia da arma de fogo, pois, conforme já mencionado, para a configuração do ilícito, é necessário apenas que o indivíduo pratique os verbos elencados no artigo.

Acerca do assunto, Julio Fabbrini Mirabete expõe:

"Nos crimes de mera conduta (ou de simples atividade) a lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente. Não sendo relevante o resultado material, há uma ofensa (de dano ou de perigo) presumida pela lei diante da prática da conduta [...]" (Manual de direito penal: vol. 1. 24. ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 124).

E Cezar Roberto Bitencourt complementa e destaca que "o perigo abstrato pode ser entendido como aquele que é presumido [...] O perigo não precisa ser provado, pois seria suficiente a simples prática da ação que se pressupõe perigosa" (Tratado de Direito Penal: parte geral. 18. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 274).

Com efeito a materialidade do delito está comprovada por meio do boletim de ocorrência, do termo de apreensão, dos laudos periciais ns. 9122.19.00339 e 9122.19.00343, do auto circunstanciado de busca e apreensão domiciliar, termo de exibição e apreensão, termo de apreensão, dos exames de comparação balística, bem como pela prova oral, de onde também se extrai a autoria. (Evento 1, Inquérito 4/5, 6, 30/44 e 90/98, 48, 74, 75/76, 99/132).

No tocante a autoria, é de se dizer, restou profundamente analisada pela magistrada singular de forma que, a fim de evitar tautologia, transcreve-se a fundamentação do eminente Dr. Rômulo Vinícius, a qual se utiliza como razões de decidir. Veja-se (Evento 100):

"No que tange à autoria dos fatos, da mesma forma, ela é inconteste e recai sobre o acusado, tanto que confirmada em juízo a partir dos exames periciais realizados e depoimentos testemunhais, senão vejamos.

A testemunha Angelin Ceri Oliveira, vigilante do Prédio do Fórum de Ponte Serrada, ao visualizar as vidraças quebradas da sala da Promotoria, tomou ciência dos fatos e prestou seu depoimento na Delegacia de Polícia:

QUE o declarante trabalha como vigilante no Fórum de Ponte Serrada; QUE no sábado dia 07/09/2019, estava de serviço no Fórum, sendo que só estava o declarante no local; QUE por das 16:00h, não tem certeza do horário, mas esclarece que estava do lado de fora do Fórum, ao lado, próximo a uma lixeira quando ouviu um barulho de vidro caindo, que foi para frente do fórum, que não viu nada de anormal, que não viu veículo passando ou motocicleta, nem depois do barulho e nem um pouco antes, pois estava do lado de fora e se tivesse passado o declarante teria visto; QUE olhou e não viu nada de estranho, dai entrou no fórum e ficou pensando o que poderia ser e resolveu dar mais uma olhada, diante disso saiu para fora e viu que havia pedaços de vidros no piso e a olhar para cima viu que o vidro da sala da promotoria estava quebrado; QUE diante disso manteve contato com Clodete secretária do Fórum e depois quando ja havia alguns funcionários do forum a policia militar esteve no local; QUE esclarece que não ouviu nenhum disparo de arma de fogo; QUE perguntado se ouviu alguma discussão ou briga próximo, disse que ouviu uma gritaria, que acha que foi na casa do policial Carlos Alberto, mas não pode afirmar; QUE no dia de hoje, na parte da manhã Carlos Alberto foi conversar com o declarante e lhe perguntou o que havia acontecido, perguntou se alguém havia visto alguma coisa e comentou que no sábado não estava em casa e estava no sítio; QUE esclarece que no sábado depois de ouvir o barulho, afirma que viu realmente um VW/Fusca vermelho saindo da casa de Carlos Alberto, veículo este que normalmente é usado por Carlos Alberto, desde que o veículo esta na casa dele, pois ele vende veículos e esta sempre com um veículo diferente; QUE afirma ainda que no dia dos fatos viu a esposa de Carlos Alberto saindo de casa, ainda antes do barulho, mas não pode afirmar se ela voltou para casa, pois fica atento a vigilância do Fórum; QUE também informa que viu um honda/civic de cor chumbo na casa de Carlos Alberto, sendo que o veículo estava estacionado dentro do pátio da casa de Carlos Alberto, sendo que viu o momento que um homem, o qual não conheceu, saiu de dentro da casa de Carlos e entrou no veículo, do lado do motorista, que o declarante saiu para o lado da cozinha e quando estava próximo a lixeira ouviu o barulho, que voltou para frente do Fórum, que foi quando não viu nada, mas afirma que o honda/civic ainda estava ali no pátio da casa de Carlos Alberto e o motorista estava ainda dentro, que afirma que o motorista era grisalho, um senhor magro e alto, mas não sabe dizer a idade; QUE o motorista estava no veículo sozinho e não havia ninguém próximo, provavelmente devia estar esperando alguém; QUE informa que não ouviu disparo, pois também ao lado do Fórum havia uma festa no Clube Aimoré; QUE esclarece ainda que depois do barulho por volta das 16:00h foi para dentro do fórum e saiu apenas por volta das 17:30h...

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