Acórdão Nº 0001065-83.2015.8.24.0091 do Primeira Turma de Recursos - Capital, 28-02-2019

Número do processo0001065-83.2015.8.24.0091
Data28 Fevereiro 2019
Tribunal de OrigemCapital - Eduardo Luz
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Primeira Turma de Recursos - Capital




Apelação n. 0001065-83.2015.8.24.0091, da Capital - Eduardo Luz

Relator: Des. Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESACATO. DELITO PREVISTO NO ART. 331 DO DECRETO-LEI N. 2.848/40 (CÓDIGO PENAL). SENTENÇA QUE CONCEDEU, DE OFÍCIO, ORDEM DE HABEAS CORPUS, E DETERMINOU O TRANCAMENTO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO. RECURSO DA ACUSAÇÃO. PLEITO PELA CASSAÇÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO A QUO. PROVIMENTO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO CONSTITUI UM DIREITO ABSOLUTO. CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA) QUE NÃO INVIABILIZA A PUNIÇÃO. ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NESTE SENTIDO (HC N. 379.269/MS). RECONHECIMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA E DA INTEGRAL COMPATIBILIDADE DO CRIME DE DESACATO COM OS TEXTOS NORMATIVOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (HC 154.143/RJ). TIPICIDADE DA CONDUTA VERIFICADA. RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA INFERIOR QUE É MEDIDA QUE SE IMPÕE, A FIM DE QUE SEJA DADO O REGULAR PROSSEGUIMENTO AO TERMO CIRCUNSTANCIADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0001065-83.2015.8.24.0091, da comarca da Capital - Eduardo Luz Juizado Especial Criminal, em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e Apelado Gabriela Morateli dos Santos:

A Primeira Turma de Recursos - Capital decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de cassar o habeas corpus concedido de ofício pelo magistrado a quo, retornando os autos à instância inferior para o regular processamento do termo circunstanciado.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Juízes presentes à sessão.


Florianópolis, 28 de fevereiro de 2019.



Cláudio Eduardo Regis de Figueiredo e Silva

Relator


I – RELATÓRIO

Relatório dispensado nos termos do art. 63, § 1º, do Regimento Interno das Turmas Recursais do Estado de Santa Catarina.


II – VOTO


Inicialmente, tenho que o recurso deve ser conhecido, porquanto estão presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.

Insurge-se o recorrente contra a ordem de Habeas Corpus, concedida de ofício pelo excelentíssimo Juiz Fernando de Castro Faria na Sentença de fls. 55/58, que determinou o trancamento do presente procedimento, fundamentando o decisium na atipicidade da conduta possivelmente praticada pela autora do fato, eis que o crime de desacato é incompatível com a ordem constitucional e com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

Destarte, o Ministério Público requer a cassação da decisão prolatada, determinando o retorno dos autos a instância inferior para o processamento do presente termo circunstanciado, ao argumento de que a conduta de desacato seria típica, eis que o direito à liberdade de expressão garantido pela Carta Magna não é absoluto.

Adianto que razão assiste ao órgão ministerial.

A liberdade de expressão, assim como qualquer outro direito, não é absoluta. Ela encontra limites impostos pela própria Constituição Federal e pelas demais espécies normativas do ordenamento jurídico. No caso, ela encontra limites na proteção da honra e do prestígio do agente público no exercício da função ou em razão dela, bem como dos órgãos que integram a Administração Pública.

Destarte, não há que se falar em cerceamento do "direito de crítica" na hipótese de o ordenamento jurídico tipificar penalmente a conduta de humilhar determinado agente público com dizeres ofensivos, haja vista tal atitude configurar ilícito que atenta contra o prestígio da atribuição pública exercida pelo sujeito passivo da agressão.

Ao cidadão é garantido, pois, o direito de livremente se expressar e protestar contra os atos praticados pela Administração Pública sem, contudo, preferir ofensas injuriantes que denigram a imagem das instituições ou dos agentes públicos que atuam em seu nome.

Ressalta-se, ainda, que o ordenamento jurídico salvaguarda a esfera jurídica dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, porquanto a lei penal pune as condutas que afrontem a honra ou os demais direitos da personalidade de qualquer indivíduo.

Ademais, denota-se da leitura do art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que o referido dispositivo legal não impede a criminalização da conduta:


Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:


a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou


b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.


Nesta senda, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o HC n. 379.269/MS, assentou o seguinte entendimento:


HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO E DOS ARTS. 330 E 331 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. DIREITOS HUMANOS. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (PSJCR). DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO SE REVELA ABSOLUTO. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE (IDH). ATOS EXPEDIDOS PELA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE. TESTE TRIPARTITE. VETORES DE HERMENÊUTICA DOS DIREITOS TUTELADOS NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO. PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES ANTEVISTAS NO ART. 13.2. DO PSJCR. SOBERANIA DO ESTADO. TEORIA DA MARGEM DE APRECIAÇÃO NACIONAL (MARGIN OF APPRECIATION). INCOLUMIDADE DO CRIME DE DESACATO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, NOS TERMOS EM QUE ENTALHADO NO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO TÃO LOGO QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a figurar com observância obrigatória e integral do Estado. 2. Quanto à natureza jurídica das regras decorrentes de tratados de direitos humanos, firmou-se o entendimento de que, ao serem incorporadas antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, sem a observância do rito estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CRFB, exprimem status de norma supralegal, o que, a rigor, produz efeito paralisante sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico, à exceção da Magna Carta. Precedentes. 3. De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo. Desta feita, depreende-se que a CIDH não possui função jurisdicional. 4. A Corte Internacional de Direitos Humanos (IDH), por sua vez, é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo atribuição jurisdicional e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto. 5. As deliberações internacionais de direitos humanos decorrentes dos processos de responsabilidade...

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