Acórdão Nº 0001073-20.2014.8.24.0051 do Primeira Câmara Criminal, 21-10-2021

Número do processo0001073-20.2014.8.24.0051
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0001073-20.2014.8.24.0051/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: LIRIO BARRETO (RÉU) APELADO: JUCELI MARIA BONAN JULIAN (RÉU) APELADO: LUIZ CARLOS SCHAEDLER (RÉU)

RELATÓRIO

No juízo criminal da Vara Única da Comarca de Ponte Serrada, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de LIRIO BARRETO, JUCELI MARIA BONAN JULIAN e LUIZ CARLOS SCHAEDLER, pelo cometimento, em tese, do crime de concussão (artigo 316, do Código Penal), em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória (Evento 25, dos autos da Ação Penal):

"[...] Em datas e horários a serem melhor apurados durante a instrução processual, mas no período compreendido entre os anos de 2011 e 2012, nas dependências da Associação Hospitalar de Vargeão/SC, situada na Rua Vicente Sponchiado, n. 183, Centro, Município de Vargeão/SC, os denunciados Lírio Barreto, Luiz Carlos Schaedler e Juceli Maria Bonan Julian, agindo consciente e voluntariamente, em união de esforços e desígnios, o primeiro na condição de Médico e Diretor Técnico da referida Associação Hospitalar, o segundo na condição de Médico e Diretor Clínico da referida Associação Hospitalar e a terceira na condição de Diretora Administrativa da referida Associação Hospitalar, exigiram, em benefício próprio e da Associação Hospitalar, por meio dos seus funcionários, vantagem indevida, consistente em valores cobrados dos pacientes para que fossem atendidos quando os dois primeiros denunciados encontravam-se em regime de plantão custeado pelo Sistema Único de Saúde- SUS e Fundo Municipal de Saúde.

Os valores cobrados ilegalmente variavam entre R$ 10,00 (dez reais) e R$ 30,00 (trinta reais). Tal conduta era praticada principalmente nos atendimentos noturnos e durante os finais de semana, consistindo na exigência dos valores no momento da pré-consulta, normalmente realizada por uma enfermeira da associação, condicionando-se o acionamento do médico plantonista, os denunciados Lírio Barreto e Luiz Carlos Schaedler, ao pagamento do valor.

Apurou-se que a exigência dos valores fora praticada por diversas vezes, em especial de Daiana Pasquali Marques, Eliane Rodrigues, Vera Lúcia Gabiatti Moreira, Imelda Frasson Palla, Marizete Cardoso da Silva, Deoclecio João Bocchi, Zulmira Danielli Felippe, Leonir José Perguer e Volnei Paulo Gregianin [...]".

Encerrada a instrução e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio a sentença com o seguinte dispositivo (Evento 375, idem):

"[...] Diante do exposto, julgo improcedente a denúncia para ABSOLVER os acusados Luiz Carlos Schaedler, Lirio Barreto e Juceli Maria Bonan Julian, já qualificados nos autos, do crime previsto no artigo 316, caput, do Código Penal, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal.

Sem custas.

Após transito em julgado e tomadas as providências necessárias, arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se [...]".

Inconformada, a acusação interpôs recurso de apelação e apresentou razões recursais, nos termos do artigo 600, do Código de Processo Penal (Evento 386, idem), pugnando, em sintese, a reforma da sentença para condenar os acusados nas sanções do artigo 316, caput, do Código Penal, sob a alegação de que existem provas suficientes nos autos acerca da materialidade e da autoria delitiva dos apelados.

Contrarrazões das defesas pela manutenção incólume da sentença recorrida (Eventos 400, 401 e 402 , idem).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (Evento 11, dos autos do Recurso de Apelação).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1436913v4 e do código CRC a85b1dd9.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIROData e Hora: 5/10/2021, às 13:20:24





Apelação Criminal Nº 0001073-20.2014.8.24.0051/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: LIRIO BARRETO (RÉU) APELADO: JUCELI MARIA BONAN JULIAN (RÉU) APELADO: LUIZ CARLOS SCHAEDLER (RÉU)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela acusação em face de sentença proferida pelo juízo criminal da Vara Única da Comarca de Ponte Serrada que, julgando improcedente a pretensão acusatória, nos termos do inciso V, do artigo 386, do Código de Processo Penal, absolveu LIRIO BARRETO, JUCELI MARIA BONAN JULIAN e LUIZ CARLOS SCHAEDLER da prática do crime de concussão previsto no artigo 316, c/c artigo 71, do Código Penal.



1. Da Admissibilidade.

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do pleito recursal.



2. Do Mérito.

Postula o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em sede recursal, a condenação dos apelados quanto à prática do crime de concussão previsto no caput do artigo 316, do Código Penal, que assim determina:

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

A pretensão, no entanto, imerece acolhimento.

A materialidade do crime em questão encontra-se devidamente substanciada nos autos, conforme conteúdo probatório substanciado pelo Inquérito Policial n. 051.14.1073-5, Inquérito Inquérito Civil n. 1.33.010.00000066/2013-15, do Ministério Público Federal, embasado no Relatório de Auditoria DENASUS n. 13213, oruindo do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde - MS/SGEP, bem como Relatório Policial, e ainda a prova oral colhida durante toda a persecução penal, a qual dá conta de que, durante os anos de 2011 à 2013, houve a cobrança ilícita de valores na Associação Hospitalar de Vargeão, os quais se substanciavam como uma espécie de "taxa" para acionamento dos médicos plantonistas durante o período norturno para atendimento de casos não urgentes, mesmo sendo estes atendimentos cobertos e remunerados por parte do Sistema Único de Saúde - SUS, fato que substancia o tipo penal da concussão presvisto no caput do artigo 316, do Código Penal.

A autoria do delito, no entanto, não se mostra satisfatoriamente configurada.

Acerca da autoria no delito de concussão, ensina o doutrinador Rogério Sanches Cunha que:

"O agente visado pela lei é o funcionário público no sentido amplo do direito penal (art. 327, do CP) [...] exigindo o agente, por si ou interposta pessoa, explicita ou implicitamente, vantagem indevida, abusando da sua autoridade pública como meio de coação (metus publicae potestatis). Trata-se de uma forma especial de extorsão, executada por funcionário público [...] No caso do tratamento penal para a conduta do médico servidor do SUS [...] que exige do paciente 'custo adicional' para realizar operação médica, não há que se negar a efetiva prática do crime de concussão". (Direito Penal: Parte Especial. 2ª edição, Ed. RT, p. 387/389).

Trata-se, portanto, de crime próprio, cujo delito só pode ser praticado por funcionário público ou equiparado, nos termos do artigo 327, §1º, do Código Penal:

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para a empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Logo, percebe-se que para a configuração do delito de concussão o agente deve, no exercício da função pública, e sob o manto da autoridade que o cargo lhe confere, exigir por si, ou por interposta pessoa, explicita ou implícitamente, vantagem indevida.

Nesse ponto, é válido salientar que os médicos credenciados ao Sistema Único de Saúde - SUS exercem função pública delegada, sendo equiparados, para fins penais, a servidor público, assim como ocorre com a função de diretoria administrativa da associação, uma vez que desempenham atividade própria do Estado direcionada à satisfação do interesse público.

Especificamente no caso dos autos, deve-se comprovar que os acusados, no uso da autoridade que seus cargos lhes conferem, exigiram diretamente ou indiretamente, por interpostas pessoas, valores adicionais para a realização de atos médicos já cobertos pelo sistema público de saúde.

Nesse norte, percebe-se que os documentos juntados à Ação Penal (Eventos 208 a 214 e 271 a 296), demonstram que os valores pagos pela Associação Hospitalar de Vargeão aos apelados Lirio e Luiz Carlos nos anos de 2011 e 2012, bem como os valores recebidos pela instituição hospitalar em questão em relação ao convênio firmado com o Município de Ponte Serrada para atendimento de urgência/emergência relativos aos anos de 2011 e 2012, não configuram em seu conteúdo qualquer elemento probatório subsistente que aponte o recebimento indevido de valores extraoficiais pelos acusados a título de serviços cobertos pela rede pública de saúde, seja ela municipal ou federal, tendo em vista que lá estão elencados o recebimento de valores de repasse do SUS, e/ou repasse dos atendimentos aos associados, ou ainda a remuneração relativa a realização de atendimentos particulares.

E a mesma conclusão se extrai da prova oral colhida durante toda a persecução, como se verá a seguir:

Durante a fase idiciária, as testemunhas Imelda Palha, Eliane Rodrigues, Vera Lucia, Marizete Cardoso, Deoclecio Bocchi e Daiane Pasquali Marques (Evento 25, doc. 234/249, dos autos da Ação Penal), relataram que...

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