Acórdão Nº 0001173-21.2017.8.24.0034 do Quarta Câmara Criminal, 01-10-2020

Número do processo0001173-21.2017.8.24.0034
Data01 Outubro 2020
Tribunal de OrigemItapiranga
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0001173-21.2017.8.24.0034, de Itapiranga

Relator: Desembargador Zanini Fornerolli

APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO NOTURNO QUALIFICADO E PRIVILEGIADO (ART. 155, §§ 1º, 2º E 4º, INCISO IV, DO CP), NA FORMA TENTADA (CP, ART. 14, INCISO II) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA.

PRELIMINAR - NULIDADE DA SENTENÇA - ALEGADA OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO SOBRE ARGUMENTOS CAPAZES DE, EM TESE, INFIRMAR A CONCLUSÃO ACERCA DA CONDENAÇÃO - INVIABILIDADE - MATÉRIAS ANALISADAS, AINDA QUE INEXISTENTE TÓPICO EXPRESSO - DEDUÇÃO AFASTADA - ADEMAIS, AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AVENTADO - VALIDADE DO DECISUM.

I - O julgador não é obrigado a refutar expressamente todas as teses aventadas pelas partes, desde que pela motivação apresentada seja possível aferir as razões pelas quais acolheu ou rejeitou as pretensões deduzidas (STJ, HC n.º 290.306/SP, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 02.09.2014).

II - A decretação da nulidade processual, ainda que absoluta, depende da demonstração do efetivo prejuízo por aplicação do princípio do pas de nullité sans grief (HC n.º 398.779/SP, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. 03.10.2017).

PLEITO DE ABSOLVIÇÃO - APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA - TESE AFASTADA - AUSENTE ACEITABILIDADE SOCIAL E PENAL DA CONDUTA - CONDUTA FORMALMENTE CRIMINALIZADA - TESE, ADEMAIS, NÃO AMPARADA PELA DOGMÁTICA PENAL.

I - A subtração de animais alheios possui um risco relevante e juridicamente proibido a ponto da norma penal repreender em específico tal conduta, sem tolerância social, não havendo cabimento para se ver agraciado com atipicidade objetiva de sua conduta pela teoria da imputação objetiva, de Claus Roxin.

II - A teoria da imputação objetiva, ademais, não possui seus contornos nitidamente esboçados, ensejando na verdade um fator de risco à segurança jurídica e à dogmática penal da tipicidade, razão pela qual não lhe guarnece amparo os tribunais.

PLEITO DE RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA - IMPOSSIBILIDADE - RES FURTIVA CUJO VALOR SUPERA O PATAMAR DE 10% (DEZ POR CENTO) DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS - E MAIS, FORMA QUALIFICADA QUE INDICA A ESPECIAL REPROVABILIDADE DA CONDUTA - REQUISITOS DA BENESSE NÃO PREENCHIDOS.

Inviável se mostra a aplicação do princípio da insignificância nos casos de furto qualificado, que indica especial reprovabilidade do comportamento do agente, ainda mais quando a coisa era avaliada em mais de 10% do salário mínimo vigente à época do delito.

ERRO DE PROIBIÇÃO - ALEGAÇÃO INSUBSISTENTE - PERFEITA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DA CONDUTA IDENTIFICADA A PARTIR DE ELEMENTOS CONCRETOS NOS AUTOS (GRAU DE INSTRUÇÃO, COMPORTAMENTO DURANTE A PERSECUÇÃO PENAL E RELATOS COLHIDOS) - EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE E REDUÇÃO DAS PENAS MANIFESTAMENTE DESCABIDAS.

Presentes nos autos elementos suficientes da perfeita consciência do réu sobre a ilicitude da sua conduta, não se justifica a exclusão da culpabilidade da agente por erro de proibição, tampouco a redução da pena correspondente ao delito praticado.

DOSIMETRIA - RECONHECIMENTO DA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - FURTO ABIGEATO - INAPLICABILIDADE - CONDUTA QUE TAMBÉM SE INSERE NA QUALIFICADORA DE CONCURSO DE PESSOAS - INCIDÊNCIA DA NORMA POSTERIOR QUE AGRAVARIA A DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU, JÁ QUE UMA DAS QUALIFICADORAS SERVIRIA PARA NEGATIVA A PENA-BASE, FIXADA NO MÍNIMO LEGAL NA ORIGEM - PREJUÍZO EVIDENTE.

Na pluralidade de circunstâncias qualificadoras, enquanto uma serve de base para firmar os patamares da pena, a outra deve ser considerada na fixação da pena-base (exceto se servir como agravante). Assim, considerando o furto de animal como aquela que pune o comportamento do agente, por óbvio que o qualificadora remanescente necessita negativar a primeira fase da pena. Logo, reconhecendo-se a tipificação contida no art. 155, § 6º, do CP, inevitavelmente a situação do acusado seria mais prejudicial, passando a qualificadora do concurso de agentes a majorar a pena-base.

AFASTAMENTO DA MAJORANTE DA PRÁTICA DO CRIME DURANTE O PERÍODO DE REPOUSO NOTURNO - IMPOSSIBILIDADE - HORÁRIO DO DELITO INDICADO NA DENÚNCIA E NAS DEMAIS PROVAS - FATO INQUESTIONÁVEL - POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO PELO SENTENCIANTE - CONTRADITÓRIO AMPLAMENTE OPORTUNIZADO.

As informações colhidas e descritas sem ressalvas nos autos, que confirmam o conteúdo da denúncia, são suficientes para comprovação da majorante do art. 155, § 1º, do Código Penal, já que possibilitaram o mais irrestrito contraditório, ressaltando-se sempre que o acusado defende-se dos fatos e não da capitulação trazida na incoativa.

AVENTADA NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO REPOUSO NOTURNO PARA A HIPÓTESE DE FURTO QUALIFICADO - TESE AFASTADA - APLICABILIDADE ACEITA PELOS TRIBUNAIS - INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO.

O chamado "critério topográfico" não se mostra suficiente para vedar a aplicação da causa de aumento de pena prevista no § 1º, do art. 155 do Código Penal às hipóteses de furto qualificado. Com efeito, uma vez que não mais se observa a ordem dos parágrafos para aplicação da causa de diminuição (§ 2º), não existe razão para se considerar tal estrutura como forma de vedar a imposição da causa de aumento (§ 1º).

TENTATIVA - PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR EM SEU PATAMAR MÁXIMO - RÉU QUE PERCORREU METADE DO ITER CRIMINIS, COM O ANIMAL JÁ ABATIDO, PRONTO PARA SAIR DO LOCAL NA SUA POSSE - CHEGADA DE TERCEIRO QUE INTERROMPE O ATO - UTILIZAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/2 (UM MEIO) QUE SE MOSTRA ACERTADA.

I - Em se tratando de crime tentado, é certo que, quanto mais próximo o agente chegar à consumação da infração penal, menor será o percentual de redução, ao passo que, quanto mais distante o agente permanecer da consumação do crime, maior será a redução.

II - Tendo o agente chegado a abater o animal que se buscava subtrair, sendo interrompido por terceiro quando se preparada para efetuar o transporte do semovente, evidente se mostra o substancial transcurso do iter criminis, mostrando-se indevida redução máxima prevista no art. 14, parágrafo único, do CP.

FURTO PRIVILEGIADO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA DA PENA DE MULTA, REDUÇÃO MAIS ACENTUADA RELATIVA AO PRIVILÉGIO OU, AINDA, SUBSTITUIÇÃO DA RECLUSÃO POR DETENÇÃO - INVIABILIDADE - RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO QUE NÃO PRESSUPÕE AUTOMATICAMENTE A CONCESSÃO, EM SUBSTITUIÇÃO, DA PENA MAIS BENÉFICA AO RÉU - PENA REDUZIDA A UM TERÇO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - DISCRICIONARIEDADE DO JUÍZO NA ESCOLHA PARA DETERMINAR A REPRIMENDA QUE MELHOR SE AMOLDA AO CASO CONCRETO - SUBSTITUIÇÃO ELEITA QUE NÃO MERECE ALTERAÇÃO.

Se o réu preencher os requisitos da primariedade e de pequeno valor for a coisa furtada, o juízo poderá reconhecer o furto privilegiado e eleger, de modo discricionário, mas desde que de forma fundamentada, um dos expedientes punitivos enumerados no § 2º do art. 155 do CP, não havendo se falar em preferência de fixação por aquela mais benéfica ao agente, mas sim daquela que melhor atenderá ao caráter ressocializador, retributivo e preventivo da pena.

RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0001173-21.2017.8.24.0034, da comarca de Itapiranga Vara Única em que é/são Apelante(s) John Lenon Steffen e Apelado(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Alexandre D'Ivanenko, presidente com voto, e o Exmo. Des. José Everaldo Silva.

Florianópolis, 1º de outubro de 2020.

Desembargador ZANINI FORNEROLLI

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por John Lenon Steffen, motorista, nascido em 05.11.1990, por meio de seu procurador constituído, contra sentença proferida pelo Juiz de Direito Rodrigo Pereira Antunes, atuante na Vara Única da Comarca de Itapiranga/SC, que o condenou ao cumprimento da pena de 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime aberto, a qual foi substituída por uma pena restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo, por infração ao art. 155, §§ 1º, 2º e 4º, IV, c/c art. 14, II, todos do Código Penal.

Em suas razões recursais, sustenta, inicialmente, a nulidade da decisão e, no mérito, a reforma do pronunciamento. Para tanto, de início, defende a articulação de quatro teses defensivas diferentes nas alegações finais, porém, elas não foram analisadas detidamente pela origem, sendo o provimento jurisdicional, portanto, nulo de pleno direito. Quanto ao mérito, argumenta sua absolvição firmada (i) na atipicidade objetiva da conduta, tendo em vista a ausência de prejuízos à vítima; (ii) na incidência do princípio da insignificância, frente a ínfima avaliação da res furtiva e no fato que o ato sequer se consumou; (iii) na ausência de dolo de sua conduta; e (iv) no erro de proibição em que incorria, já que o fato era uma mera brincadeira com a vítima. Na dosimetria, requer o reconhecimento da novatio legis in melius, para que o cálculo da pena incida sobre o tipo penal derivado constante no art. 155, § 6º, do CP, e, em caso de não acolhimento, pugna pelo afastamento da majorante repouso noturno, pela aplicação da redução da tentativa em seu grau máximo, bem como para o redutor do furto privilegiado, substituindo a pena de reclusão pela de detenção e, ainda, pela aplicação isolada da pena de multa.

Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pela manutenção da sentença.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Fabiano Henrique Garcia, Promotor de Justiça convocado, manifestando-se pela conservação do pronunciamento.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta por John Lenon Steffen, motorista, nascido em 05.11.1990, por meio de seu procurador...

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