Acórdão Nº 0001176-21.2017.8.24.0019 do Quinta Câmara Criminal, 17-06-2021

Número do processo0001176-21.2017.8.24.0019
Data17 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0001176-21.2017.8.24.0019/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: CLAUDIOMIR DA SILVA PINTO (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Na comarca de Concórdia, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra CLAUDIOMIR DA SILVA PINTO, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 330 e 331 ambos do Código Penal e arts. 306, § 1º, inciso I e 309, caput, ambos da Lei n. 9.503/97, porque, conforme narra a exordial acusatória (Evento 38):
"Consta do incluso auto de prisão em flagrante que, no dia 28 de março de 2017, por volta das 16h15min, na Rua Tancredo Neves, nº 1452, Bairro Parque de Exposições, Concórdia,SC, o denunciado Claudiomir da Silva Pinto conduziu o veículo automotor Hundai/HB 20, placas MKP-5483, com a capacidade psicomotora alterada pela influência de álcool, conforme verificado no laudo de constatação de condução de veículo sob efeito de álcool às fls. 17-18 e 92, os quais atestam os seguintes sinais: eufórico, face anormal, conjuntivas hiperemiadas, hálito alcoólico, reflexo motor retardado, entre outros.
Na ocasião, os Policiais Militares avistaram o denunciado realizando ultrapassagens indevidas e perigosas, momento em que solicitaram que o condutor parasse o veículo diversas vezes. Contudo, o denunciado não obedeceu às ordens de parada dos policiais e evadiu-se em direção à sua casa, desobedecendo, assim, ordem legal de funcionário público.
Na sequência, o acusado só parou quando adentrou no pátio de sua casa, dificultando a abordagem policial, ocasião em que, ao ser abordado, desacatou os Policiais Militares no exercício e em razão de suas funções, chamando-os de "pilantra, vagabundo, porco, covardes", "que eram homens só porque estavam dentro da farda", entre outros impropérios.
Por fim, constatou-se que, no mesmo contexto fático, o denunciado conduziu o veículo automotor, em via pública, sem Carteira Nacional de Habilitação e gerando perigo de dano, uma vez que realizou ultrapassagens em faixa contínua, além de fazer conversão em entroncamento sem realizar parada de segurança, quase causando acidente de trânsito"
Encerrada a instrução e apresentadas as derradeiras alegações pelas partes, a magistrada a quo proferiu sentença, cujo dispositivo assim constou (Evento 94):
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR Claudiomir da Silva Pinto, já qualificado, às penas de 1 ano, 3 meses e 5 dias de detenção, em regime inicial semiaberto, 20 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, e 3 meses de proibição de obter a carteira nacional de habilitação, pelos crimes do art. 306, caput, e 309, ambos da Lei n. 9.503/97 CTB, e art. 330 e 331, ambos do CP.
Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos nos termos da fundamentação.
Condeno o acusado, ainda, ao pagamento das custas processuais, com base no art. 804 do CPP, ressalvada JG.
Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, porque assim permaneceu durante o processo e não estão presentes os requisitos da prisão preventiva.
O valor depositado a título de fiança (fls. 65-66) será destinado ao pagamento das custas, da multa e da prestação pecuniária, conforme disposto no art. 336 do CPP.
Não há elementos para fixação de quantum mínimo de reparação, razão pela qual fica prejudicada a fixação de indenização mínima (art. 387, IV, do CPP)".
Inconformados, o acusado, por intermédio da Defensoria Pública, e o representante ministerial interpuseram recursos de apelação.
O acusado, em suas razões recursais, em resumo, postulou a absolvição dos crimes de desacato e desobediência, porquanto presente a atipicidade das condutas, nos termos do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Por fim, defendeu a absolvição do apelante em relação ao crime tipificado no art. 306 do CTB ante a aplicação do princípio da consunção com o art. 309 do mesmo diploma legal. (Evento 106).
Já o Ministério Público, em resumo, insurgiu-se contra a dosimetria da sentença, requerendo a majoração da pena definitiva, notadamente na aplicação do concurso formal com a incidência da fração de 1/5 (Evento 105).
Contrarrazões apresentadas em Eventos 113 e 119.
Lavrou pareceres pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pelo Ministério Público; e pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por Claudiomir da Silva Pinto (Eventos 10 e 16 destes autos).
Este é o relatório

VOTO


Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se dos recursos e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passa-se a analisar unicamente as insurgências deduzidas.
1. Recurso da defesa.
1.1. Busca o apelante a sua absolvição, alegando atipicidade das condutas nos crimes em que foi condenado (desacato e desobediência).
O pleito, contudo, não merece acolhimento.
Isso porque, a prova da materialidade e autoria delitivas presentes nos autos demonstraram sem quaisquer dúvidas que o acusado desobedeceu ordem de parada emanadas e desacatou os policiais militares no exercício da profissão.
E, em que pese o esforço empreendido pelo apelante, deve prevalecer a fundamentação da sentença condenatória, na qual se reconheceu a tipicidade das condutas, com a consequente condenação do recorrente.
Considerando que a temática ora em discussão restou profundamente analisada pela togada singular, Dra. Thays Backes Arruda, em sentença de Evento 94, a fim de evitar tautologia e para prestigiar o empenho demonstrado, transcreve-se parte da peça como razões de decidir:
"A materialidade está comprovada pelo boletim de ocorrência (p. 3-5) e laudo pericial de embriaguez (p. 92). Os crimes de desacato e desobediência são de natureza formal.
Quanto à autoria, passa-se à análise das provas.
O Policial Militar Anderson Luiz Sehn disse que estavam no patrulhamento com motocicleta e visualizaram o veículo em "zigue-zague" na pista, encostou e deu ordem de parada, que não foi acatada, furou sinal vermelho e empreendeu fuga em direção ao bairro Bom Pastor até a residência. Disse que o acusado entrou na residência e realizaram a abordagem, com uso de força, porque estava em visível estado de embriaguez. Disse que o acusado estava com andar cambaleante, não conseguia ficar em pé, e apresentava hálito etílico. Acredita que o acusado estava com a habilitação suspensa. Confirmou que o acusado desacatou os policiais, com diversos xingamentos, principalmente na Delegacia.
Cassiano Carlos Pasinatto deu relato semelhante. Disse que estavam em via pública quando o veículo do acusado fez ultrapassagens e não acatou ordem de parada, empreendendo fuga até sua residência. Disse que o acusado estava muito alterado, agressivo, com sinais visíveis de embriaguez, sendo que chamava de "covardes" e "filhos da puta". Declarou que o acusado se batia na viatura causando lesões. Confirmou os sinais como sendo cambaleante e odor etílico. Relatou que o acusado cruzou entroncamento e quase causou acidente. Disse que deram ordem de parada que não foram atendidas.
Além dos Policiais Militares, as testemunhas Eduardo Moschetta e Jocemara Lombe da Silva, ouvidos na fase policial, confirmaram o estado de ânimo alterado do acusado na Delegacia, assim como diversos xingamentos proferidos contra os agentes público, dentro deles "filhos da puta", "vagabundo" (fls. 112-114).
Claudiomir da Silva Pinto declarou que estava com o carro da ex-companheira e quando deram a ordem de parada acreditou que era ambulância, razão pela qual foi para casa. Confessou que bebeu "três latinhas de cerveja", mas negou manobras perigosas. Disse que apenas questionou por que os policiais estavam em sua casa e não recorda de proferir xingamentos. Declarou que tinha habilitação do Paraguai e não transferiu para o Brasil.
O relato uníssono dos agentes públicos é fator relevante na análise da autoria, somando-se à confissão parcial e os documentos da fase policial.
Deste modo, a autoria pelo acusado ficou devidamente comprovada.
Desacato
Foi atribuída a conduta típica de "Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela", situação que ficou devidamente comprovada a partir dos relatos dos agentes público.
A conduta amolda-se ao tipo penal do art. 331 do CP.
Por outro lado, a Defesa sustentou a atipicidade da conduta por incompatibilidade do crime de desacato com o disposto no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica, que possui status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro.
Nesta linha, recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu, sem efeito vinculante, que o crime de desacato não é compatível com o ordenamento jurídico pátrio, porque coloca o particular em posição desfavorável em relação ao Estado, medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais. A propósito: REsp 1640084/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2016.
Por outro lado, há decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que rechaçam a tese de incompatibilidade do crime de desacato com o ordenamento jurídico, porque o direito à liberdade deve ser tido com temperamentos, porque não se trata de direito absoluto e há outros bens jurídicos tutelados, dentre eles a segurança nacional, da ordem pública, da saúde ou da moral públicas. Neste sentido: TJSC, Habeas Corpus (Criminal) n. 4003552-66.2017.8.24.0000, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. 14-03-2017; TJSC, Apelação Criminal n. 0006073-17.2012.8.24.0036, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Getúlio Corrêa, j. 25-10-2016).
Com efeito, a lei que prevê o crime permanece válida e vigente, assim como não há declaração de...

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