Acórdão Nº 0001187-68.2018.8.24.0034 do Segunda Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0001187-68.2018.8.24.0034
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemItapiranga
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0001187-68.2018.8.24.0034, de Itapiranga

Relator: Desembargador Norival Acácio Engel

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A HONRA. PRÁTICA DE DOIS DELITOS DE INJÚRIA RACIAL, EM CONTINUIDADE DELITUOSA, E DE UMA CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO (ARTS. 140, § 3º, C/C 71, DO CÓDIGO PENAL, E 21, DO DECRETO-LEI N. 3.688/41). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO EM RELAÇÃO AOS CRIMES CONTRA HONRA E A CONTRAVENÇÃO PENAL, POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PALAVRAS DA VÍTIMA PRESTADAS DE MANEIRA COERENTE E HARMÔNICA, EM AMBAS AS FASES DA PERSECUÇÃO CRIMINAL, CORROBORADAS PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO NO TOCANTE AOS DELITOS DE INJÚRIA RACIAL, COM FUNDAMENTO NA ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. INSUBSISTÊNCIA. APELANTE QUE, EM DUAS OCASIÕES, PROFERIU EXPRESSÃO OFENSIVA COM A NÍTIDA INTENÇÃO DE INJURIAR O OFENDIDO EM RAZÃO DE SUA COR/RAÇA, CHAMANDO-O DE "PRETO", EM CONTEXTO DE ANIMOSIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DOSIMETRIA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL E DE SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. REQUERIMENTOS JÁ CONCEDIDOS NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.

REQUERIDA OFERTA DE TRANSAÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. DELITO DE INJÚRIA RACIAL QUE NÃO É CONSIDERADO COMO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ADEMAIS, CUMULO MATERIAL ENTRE O CRIME CONTRA HONRA E A CONTRAVENÇÃO PENAL QUE SUPERA O PATAMAR DE 02 (DOIS) ANOS.

RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.





Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0001187-68.2018.8.24.0034, da comarca de Itapiranga Vara Única em que é Apelante Paulo Rechmann e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer parcialmente do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa. Salete Silva Sommariva, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Sérgio Rizelo. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes.


Florianópolis, 28 de janeiro de 2020.


Desembargador Norival Acácio Engel

Relator










RELATÓRIO

Na Comarca de Itapiranga, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Paulo Rechmann, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 140, § 3º do Código Penal, por duas vezes, na forma do art. 71, do mesmo Diploma Legal, e do art. 21, do Decreto-lei n. 3.688/41, em concurso material, em razão dos fatos assim descritos (fls. 27-29):

ATO 1- Injúria Racial

Em data a ser melhor precisada no decorrer da instrução criminal, mas certo que durante o mês de setembro de 2018, na Linha Sete Tombos, zona rural do Município de Tunápolis, PAULO RECHMANN, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, injuriou Gilberto de Araújo utilizando-se de elementos referentes à cor e à raça deste, ofendendo a sua dignidade ao proferir as seguintes palavras em idioma alemão: "toda a diretoria e a maioria dos sócios estão apoiando aquele preto".

Na ocasião, o imputado chamou seu vizinho Hedio Inácio Gossler e questionou-o a respeito de fatos que ocorreram na sociedade da Linha Sete Tombos, na qual Hedio exerce a função de tesoureiro e Gilberto a de presidente.

Nesse contexto, o denunciado indagou acerca dos procedimentos adotados pela diretoria e referiu-se ao ofendido, em tom pejorativo, como "aquele preto", palavras que, embora ditas em linguajar alemão, eram passíveis de compreensão pelo interlocutor

ATO 2 - Injúria Racial

No dia 2 de outubro de 2018, por volta das 15h40min, na Linha Sete Tombos, zona rural do Município de Tunápolis, o denunciado PAULO RECHMANN, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, mais uma vez injuriou a vítima Gilberto de Araújo, ofendendo sua dignidade e utilizando-se de elementos referentes à sua cor e à raça, ao proferir as seguintes palavras: "preto não trabalha, tu pode esperar".

Na ocasião, o imputado bloqueou a via pública com seu trator enquanto realizava um carregamento de madeira e, como o ofendido precisava transitar com a sua motocicleta pelo local, tentou dialogar com o denunciado, momento em que este proferiu a referida ofensa.

ATO 3 - Vias de fato

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar descritas no "ATO 2", o imputado praticou vias de fato contra Gilberto de Araújo, pois violentamente o agarrou pela camiseta, que, inclusive, veio a rasgar (conforme fotografia de fl. 6).

Encerrada a instrução, foi julgada procedente a Exordial, para condenar Paulo Rechmann ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão e 15 (quinze) dias de prisão simples, em regime inicial aberto, substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pecuniária, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática, respectivamente, do crime tipificado no art. 140, §3º, do Código Penal, por duas vezes, e da contravenção penal prevista no art. 21, do Decreto-lei n. 3.688/41.

Irresignada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação, em cujas Razões (fls. 112-133), pleiteia a absolvição em relação a todos os fatos, sob o fundamento de insuficiência de provas para embasar o decreto condenatório, com a incidência dos princípios do in dubio pro reo e do favor rei. Alternativamente, pugna pelo reconhecimento da atipicidade das condutas referentes aos dois crimes de injúria racial, ante a ausência de animus injuriandi.

No tocante à dosimetria, almeja a redução da pena-base no mínimo legal e a substituição da reprimenda por restritivas de direitos. Por fim, requer a oferta de transação penal pelo Ministério Público.

Apresentadas as Contrarrazões (fls. 137-145), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, manifestou-se pelo parcial conhecimento e não provimento do Apelo (fls. 154-156).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido por próprio e tempestivo.

Do pleito absolutório

A Defesa almeja a absolvição, em relação a todos os fatos, por insuficiência de provas para embasar o édito condenatório, com a aplicação dos princípios do in dubio pro reo e favor rei.

Contudo, razão não lhe assiste.

Isso porque, a materialidade e autoria dos delitos descritos nos fatos 01 e 02 da Exordial e da contravenção penal narrada no fato 03, restaram demonstradas pelo Boletim de Ocorrência (fl. 4-5) e pela prova oral colhida ao longo da persecução penal.

O Ofendido Gilberto de Araújo narrou na fase investigatória:

[...] QUE na tarde de 02.10.2018, por volta das 15:40 horas, quando deslocava-se com sua motocicleta pela estrada geral da Linha Sete Tombos em direção a sua residência, teve sua passagem bloqueada por Paulo Rechmann, que estava com um trator atravessado na via pública; que Paulo estava "carregando madeira e deixou o trator atravessado na rua"; que o declarante não conseguiu seguir seu caminho, sendo que tentou conversar com Paulo para que este interrompesse, por um momento, seu trabalho e o deixasse passar. No entanto, Paulo disse para o declarante: "preto não trabalha, tu pode esperar"; que o declarante argumentou que necessitava ir para casa, pois possuía trabalhos a fazer. Diante disso, Paulo desceu do trator, veio ao encontro do declarante, agarrou sua camiseta e puxou com força, rasgando-a; que o declarante desceu da motocicleta e argumentava para poder passar, sendo que após alguns instantes, Paulo retirou o trator da rua para que o declarante pudesse passar; que a esposa de Paulo, Sra. Ana Ciconi estava presente, sendo que ela começou a gritar com o declarante: "tu pode dar a volta e só vem para incomodar"; que o declarante argumentou que "a rua é pública" e sempre realiza esse trajeto para ir para casa; que após Paulo dar espaço para passar e para não entrar na discussão com ambos, retirou-se do local; que o declarante ficou ofendido com a situação, pois não é a primeira vez que Paulo refere-se ao declarante de forma pejorativa quando o chama de "preto"; que em uma oportunidade anterior, Paulo falou para Hedio Gossler, morador da comunidade, durante uma discussão, que a sociedade estava defendendo este "preto", referindo-se ao declarante [...] (Termo de Declaração de fl. 09).

Em Juízo, confirmou os relatos apresentados anteriormente, acrescentando:

[...] (perguntado sobre o fato 01 descrito na Exordial, respondeu) através do Hedio, isso foi anterior, antes do trator. Nesse dia, nós estávamos lá na sociedade e ele falou que tinha me chamado de "preto" também, que eu ia falir a sociedade, foi isso, o Paulo tinha falado para ele [...] (perguntado se Hedio deu detalhes sobre o local em que se deu a conversa com Paulo, respondeu) não, ele só tinha mencionado isso, (indagado se tinha algum desentendimento anterior com o Paulo, respondeu) não, na verdade, assim, a gente, não sei aonde começou a dar essa desavença porque ele também fazia parte da diretoria da "Sete Tombos". Na verdade, se contar vai ficar uma história comprida [...] (perguntado se sabe o acusado tem contra o declarante, respondeu) não, isso eu não sei, até a gente teve uma conversa um dia [...] a gente conversou com ele e com a esposa dele e ele não soube se explicar, e aí ele, na verdade, ele disse assim, ele sempre falava que eu era amante da mulher de um...

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