Acórdão Nº 0001192-83.2014.8.24.0017 do Sexta Câmara de Direito Civil, 28-03-2023

Número do processo0001192-83.2014.8.24.0017
Data28 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0001192-83.2014.8.24.0017/SC



RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.


APELANTE: DIEISON JOSE LINK (AUTOR) APELANTE: SHARK MÁQUINAS PARA CONSTRUÇÃO LTDA (RÉU) APELANTE: CNH INDUSTRIAL LATIN AMERICA LTDA. (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de Apelação Cível interpostos por DIEISON JOSE LINK (autor), SHARK MÁQUINAS PARA CONSTRUÇÃO LTDA (primeiro réu) e CNH INDUSTRIAL LATIN AMERICA LTDA. (segundo réu) contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Dionísio Cerqueira, Dr.ª Carolina Cantarutti Denardin, que, na ação redibitória c/c indenização por danos morais e materiais, julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar as rés a promover a substituição do "trator de esteira, marca New Holland, modelo D140B, amarelo, diesel, chassi NBDC14012, motor 000820891, cabine fechada, com ar e ripper" por outro da mesma espécie e categoria, zero quilômetro, no prazo de 30 dias.
O autor, em suas razões recursais (evento 255, APELAÇÃO362), se insurgiu contra a improcedência dos pedidos de indenização por danos materiais e morais. Argumentou, em resumo, que ficou demonstrado que o trator de esteira em questão ficou 492 horas em manutenção, sem poder trabalhar, o que dá ensejo à condenação por lucros cessantes nos termos do art. 402 do Código Civil. Também alega que ficou comprovado que a hora de trabalho do trator equivale a R$ 166,56. Acerca do dano moral, afirma que teve que se deslocar à concessionária diversas vezes para a realização das manutenções, o que ultrapassa o mero dissabor. Também alega que sua sucumbência foi mínima, razão pela qual não deve ser condenado em honorários. Ao final, postulou pela reforma da sentença com a condenação das apeladas ao pagamento de indenização a título de lucros cessantes e danos morais.
A primeira ré, em suas razões recursais (evento 248, APELAÇÃO356), argumentou, em resumo, que: (a) o direito autoral decaiu, visto que as falhas no maquinário foram constatadas em 04/09/2012, tendo a ação sido proposta após o prazo de 90 dias previsto no CDC; (b) no mérito, não cabe a aplicação do CDC, visto que o autor não é o destinatário final do produto; neste ponto, sustenta que também não cabe a aplicação da teoria finalista mitigada; (c) no mérito, não restou comprovado o vício redibitório, especialmente porque o laudo pericial é inconclusivo, de modo que trator não deve ser substituído, mas tão somente sofrer abatimento do preço (art. 18, § 1º, do CDC); (d) os honorários devem ser arbitrados proporcionalmente, tendo em vista que o autor sucumbiu na maior parte dos pedidos.
Ao final, postulou pela reforma da sentença com o reconhecimento da decadência ou, subsidiariamente, a improcedência da ação.
Já a segunda ré, em suas razões recursais (evento 263, APELAÇÃO372), em resumo, reiterou os fundamentos da primeira ré, adicionando o pedido para que se determine o pagamento do saldo restante relativo ao contrato de alienação fiduciária, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do autor.
Contrarrazões apresentadas (evento 259, PET368, evento 264, PET377e evento 260, PET369).
Este é o relatório

VOTO


1. Do recurso das rés.
1.1. Da decadência.
Ambas as rés insistem na tese de decadência. Afirmam que o autor tomou conhecimento das supostas falhas em 04/09/2012, sendo a ação ajuizada após o prazo decadencial de 90 dias, previsto no Código de Defesa do Consumidor.
O juízo a quo, em decisão interlocutória, já havia assentado a premissa de que "em sendo constatado que o vício era oculto, ou seja, decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária ou mesmo por sua má fruição, não haverá se configurado a decadência, posto ter o Autor procedido a notificação da parte ré no interregno de noventa dias, conforme documentos de fls. 66/72" (evento 98, DEC223). Em sentença, constatado que o vício era oculto a partir do Laudo Pericial, a prejudicial de decadência restou afastada.
Nos recursos, as recorrentes apontam que, ao contrário do que consignou o juízo de origem, o suposto vício já teria sido objeto de ciência no momento da aquisição, conforme confessado pelo autor e constatado pelo perito.
A decadência no direito consumerista é dada pelo art. 26 do CDC, que assim dispõe:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Compulsando os autos, verifico que o trator em questão foi entregue em 04/09/2012, ocasião em que surgiu o vício de fabricação, conforme constatado pelo perito judicial:
3. Em havendo vício de fabricação, qual a data provável de seu surgimento (em que se tornou possível sua constatação)? RESPOSTA: Logo no início da utilização do equipamento. (evento 212, LAUDO / 328)
Além disso, constata-se também com facilidade que toda a narrativa apresentada pela parte autora indica que desde a aquisição do trator já se sabia da existência de vícios. À petição inicial, o autor apontou que em 04/09/2012, data da entrega, o trator já fazia barulho na cabine (evento 1, PET3).
Nada obstante, já em setembro de 2012 o autor realizou a primeira manutenção junto à primeira ré, conforme ordem de serviço colacionada (evento 1, ANEXO46). Na sequência, diversas outras manutenções foram realizadas, após curtos intervalos de tempo, o que também foi observado pelo perito (quesito 2 do laudo complementar - evento 212, LAUDO / 328). Até que em 07/07/2014 foi realizada notificação extrajudicial para solicitar a troca do trator (evento 1, ANEXO69).
Diante desse contexto, entendo que o vício, embora preexistente à aquisição, somente foi constatado como irreparável após diversas reclamações à primeira requerida. E mesmo após diversas tentativas desta, o vício não foi solucionado.
Portanto, entendo que o vício ensejador da pretensão redibitória, ainda que preexistente, continuou oculto até a elaboração do laudo técnico em julho de 2014, onde se atestou a "baixa capacidade operacional da bomba hidráulica" (evento 1, ANEXO64). Assim, nos termos do art. 26, II c/c § 2º, I, do CDC, afasta-se a tese de decadência, razão pela qual nego provimento aos recursos no ponto.
1.2. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Sustentam as rés a impossibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor em razão do fato de que o autor não se enquadra no conceito de destinatário final do produto, nem pode ser considerado hipossuficiente para fins de aplicação da teoria finalista mitigada.
De início, verifico que, de fato, o autor não é destinatário final do produto. Com efeito, o produto em tela (trator de esteira) foi adquirido para serviços de terraplanagem, como o próprio autor narrou em sua inicial, de modo que está inserido intermediariamente na cadeia de consumo. Conclui-se, portanto, que a aquisição...

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