Acórdão Nº 0001222-88.2019.8.24.0035 do Primeira Câmara Criminal, 19-08-2021

Número do processo0001222-88.2019.8.24.0035
Data19 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0001222-88.2019.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: GISLAINE INACIO LONGEN (ACUSADO) ADVOGADO: JAMILE FILAGRANA (OAB SC044622) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: EVANDRO RODRIGUES DA SILVA (ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO) ADVOGADO: DOUGLAS VALERIO SENS (OAB SC034969) ADVOGADO: VALÉRIO ERNESTINO SENS (OAB SC009070)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público da comarca de ITUPORANGA ofereceu denúncia em face de Gislaine Inácio Longen, dando-a como incursa nas sanções do art. 140, § 3º, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:

No dia 24 de março de 2019, por volta das 15 horas, na Estrada Geral Alto Rio Saltinho, Chapadão do Legeado-SC, a denunciada Gislaine Inácio Longen injuriou a vítima Evandro Rodrigues da Silva utilizando elementos referentes à raça e cor, chamando-lhe de "negro encardido, macaco"' (evento 13 dos autos originários, em 19-6-2019).

Sentença: o juiz de direito Márcio Preis julgou procedente a denúncia para condenar Gislaine Inácio Longen pela prática do crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 124 dos autos originários, em 26-4-2021).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para o Ministério Público.

Recurso de apelação de Gislaine Inácio Longen: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que:

a) o delito imputado exige o dolo específico e o agente deve se encontrar com ânimo calmo e refletido, já que o estado de ira e revolta elide a tipificação do crime, por ausência de elemento subjetivo específico;

b) no entanto, a prova demonstrou que, na data dos fatos, a apelante e a vítima tiveram uma discussão acalorada entre si;

c) deve-se aplicar o § 1º, I, do art. 140, tendo em vista que o ofendido provocou a injúria, pois a discussão acalorada teve início por uma conduta da vítima, consistente em perturbação do sossego;

d) a apelante nega veementemente que tenha proferido qualquer xingamento de maneira racista, havendo apenas a palavra da vítima nesse sentido.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo a absolvê-la da conduta narrada na denúncia (evento 142 dos autos originários, em 12-5-2021).

Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que restou incontroverso nos autos, através da prova testemunhal colhida, as ofensas proferidas pela apelante em face da vítima Evandro, referentes à sua raça e etnia, muito embora a negativa de autoria.

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 146 dos autos originários, em 27-5-2021).

Contrarrazões do Assistente de Acusação: o assistente de acusação, representando a vítima Evandro Rodrigues da Silva, impugnou as razões recursais, ao argumento de que:

a) "diferentemente do que fora fundamentado no recurso, a perturbação da tranquilidade evidentemente não autoriza a acusada lançar de insultos pejorativos a fim de fazer cessar o incomodo sofrido por causa do som do ambiente comercial da vítima";

b) "o acervo probatório é firme na confirmação de que a acusada Gislaine Inácio Longen ofendeu a dignidade da vítima Evandro com expressões referentes a sua cor. Isto porque se referiu à vitima proferindo palavras ultrajantes como "NEGO ENCARDIDO", "MACACO", "MACACADA"";

c) "não há se falar também em perdão judicial, isto porque não há provocação alguma de forma reprovável para que o crime de injuria racial posteriormente fosse praticado pelo acusada", bem como porque "a prova testemunhal fora muito clara no sentido que houveram agressões verbais unilaterais apenas da acusada".

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 149 dos autos originários, em 8-6-2021).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Marcílio de Novaes Costa opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 10, eproc2G, em 21-7-2021).

Este é o relatório que passo ao Excelentíssimo Senhor Desembargador Revisor.

Documento eletrônico assinado por CARLOS ALBERTO CIVINSKI, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1075173v6 e do código CRC f7e0b876.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ALBERTO CIVINSKIData e Hora: 25/7/2021, às 20:34:49





Apelação Criminal Nº 0001222-88.2019.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

APELANTE: GISLAINE INACIO LONGEN (ACUSADO) ADVOGADO: JAMILE FILAGRANA (OAB SC044622) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: EVANDRO RODRIGUES DA SILVA (ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO) ADVOGADO: DOUGLAS VALERIO SENS (OAB SC034969) ADVOGADO: VALÉRIO ERNESTINO SENS (OAB SC009070)

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Gislaine Inácio Longen contra sentença que a condenou pela prática do crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão, substituída por prestação pecuniária, e 10 dias-multa.

A versão da defesa é de que não houve comprovação do dolo específico do delito, uma vez que as ofensas teriam ocorrido em meio a uma discussão acalorada entre a apelante e a vítima. Sustenta, ainda, a ausência de provas para a condenação.

O Ministério Público e o assistente de acusação, em sede recursal, reforçam a manutenção integral da sentença penal condenatória.

O Magistrado a quo reconheceu a materialidade e a autoria delitivas e condenou a apelante pela prática do crime de injúria racial (CP, art. 140, § 3º).

De plano, importa destacar que a questão racial e discriminatória insere-se, dentre os princípios fundamentais da Carga Magna de 1988, como um dos objetivos essenciais da República Federativa do Brasil, nos termos do seu artigo 3º, inciso IV: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (grifou-se).

Como corolário, a Lei Maior adota o repúdio ao racismo como princípio a reger suas relações internacionais (artigo 4º, inciso VIII), além de expressamente prever que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (artigo 5º, inciso XLII).

Nesse rumo, emoldurado o prisma constitucional envolvendo a temática nada obstante o distinto tratamento legal dado ao preconceito racial (Lei 7.716/1989) , transcreve-se o tipo penal imputado à recorrente, previsto no artigo 140, § 3º, do Código Penal:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. [...] § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Sobre o crime em apreço, elucida a doutrina:

Forma qualificada: esta figura foi introduzida pela Lei 9.459/97 com a finalidade de evitar as constantes absolvições que ocorriam quanto às pessoas que ofendiam outras, através de insultos com forte conteúdo racial ou discriminatório, e escapavam da Lei 7.716/89 (discriminação racial) porque não estavam praticando atos de segregação. Acabam, quando muito, respondendo por injúria a figura do caput deste artigo e eram absolvidas por dizerem que estava apenas expondo sua opinião acerca de determinado assunto. Assim, aquele que, atualmente, dirige-se a uma pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo pejorativo, responderá por injúria racial, não podendo alegar que houve uma injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do pensamento (como dizer que todo 'judeu é corrupto' ou que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT