Acórdão Nº 0001286-85.2016.8.24.0041 do Terceira Câmara Criminal, 20-10-2020

Número do processo0001286-85.2016.8.24.0041
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemMafra
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0001286-85.2016.8.24.0041, de Mafra

Relator: Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Apelação Criminal. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PLEITO ABSOLUTÓRIO SOB ARGUMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1. TESE DE QUE A APREENSÃO DOS ARTEFATOS BÉLICOS SE DEU NA EXTENSÃO DO IMÓVEL RURAL DOS APELANTES, O QUE É PERMITIDO, A TEOR DO § 5º DO ART. 5º DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO, COM AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N. 13.870/2019. NÃO CABIMENTO. DUAS ESPINGARDAS CALIBRE .12 E OITO CARTUCHOS DE MUNIÇÕES APREENDIDOS NO INTERIOR DE VEÍCULO EM QUE TRAFEGAVAM OS RECORRENTES, EM VIA PÚBLICA RURAL. POLICIAIS QUE EFETUARAM A ABORDAGEM EM RAZÃO DE SUSPEITA DE CAÇA NO LOCAL. DEPOIMENTOS FIRMES DOS AGENTES NESTE SENTIDO. AINDA, TESE DEFENSIVA NÃO COMPROVADA. APELANTES QUE NÃO LOGRARAM DEMONSTRAR QUE O LOCAL PERTENCIA À EXTENSÃO DO IMÓVEL RURAL, CONFORME ALEGADO, TAMPOUCO APRESENTARAM O RESPECTIVO CERTIFICADO DE REGISTRO DO MATERIAL BÉLICO, CONFORME EXIGÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL INVOCADO. ÔNUS QUE INCUMBIA À DEFESA, EX VI LEGIS. 2. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE DA CONDUTA. TESE QUE IGUALMENTE NÃO PROCEDE. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. ALÉM DO MAIS, LAUDO PERICIAL ATESTANDO A EFICÁCIA DAS ARMAS DE FOGO ASSIM COMO DAS MUNIÇÕES.

"I - A teor do disposto no art. 5º da Lei n. 10.826/03, o certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa, de modo que, sendo flagrado portando o artefato no interior do veículo, sem autorização, incide o acusado na conduta prevista no art. 14 da Lei de Armas.

II - O Estatuto do Desarmamento foi promulgado com o objetivo de disciplinar a aquisição de armas e munições em território nacional, bem como de regulamentar os registros e portes das armas de fogo que estão em posse de cidadãos comuns, buscando, em última análise, garantir a segurança da coletividade, motivo pelo qual se trata de delito de mera conduta e de perigo abstrato.

III - O crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é delito de perigo abstrato, que visa proteger bens jurídicos fundamentais - vida, patrimônio, integridade física, segurança e paz públicas -, já ofendidos pelo próprio porte dos objetos (Apelação Criminal n. 0002414-46.2016.8.24.0040, de Laguna, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 14-05-2020).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0001286-85.2016.8.24.0041, da comarca de Mafra (Vara Criminal) em que são Apelantes Silvio Alves Ramos e outro e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 20 de outubro de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo e Getúlio Corrêa. Atuou pelo Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça. Ernani Dutra.

Florianópolis, 30 de outubro de 2020

Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann

Relator


RELATÓRIO

Na comarca de Mafra, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Joel Pereira e Silvio Alves Ramos, dando-os como incursos nas sanções do art. 14 da Lei n. 10.826/2003, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

No dia 20 de junho de 2016, por volta das 16 horas e 30 minutos o denunciado JOEL PEREIRA portou e manteve sob sua guarda, na Localidade de Bela Vista do Sul, neste município de Mafra-SC, 1 (uma) arma de fogo, de uso permitido, tipo espingarda, marca Boito, calibre .12, n.º 512921-03, sem autorização e em desacordo com a legislação (fl. 26), conforme Laudo Pericial das fls. 59-62.

Ainda, nas mesmas circunstâncias de tempo e espaço, o denunciado SILVIO ALVES RAMOS portou e manteve sob sua guarda 1 (uma) arma de fogo, de uso permitido, tipo espingarda, marca Boito, calibre .12, n.º 924341, sem autorização e em desacordo com a legislação (fl. 23), conforme Laudo Pericial das fls. 59-62 (p. 82-83).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar os acusados às penas de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistente em prestações pecuniárias. Foi-lhes concedido o direito de apelar em liberdade (p. 160-166).

Irresignada, a defesa dos acusados interpôs recurso de apelação, no qual requereu a absolvição dos seus defendidos, em virtude da atipicidade da conduta, quer seja porque a apreensão das armas ocorreu dentro da extensão do imóvel rural, o que é permitido, nos termos o § 5º do art. 5º da Lei n. 13.870/2019; quer seja em virtude da ausência de lesividade da conduta, já que se trata de crime de perigo abstrato, o que não torna inexigível a lesividade (p. 181-185).

Juntadas as contrarrazões (p. 190-193), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (p. 201-205).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública, em favor de Joel Pereira e Silvio Alves Ramos, contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou os acusados às sanções previstas no art. 14 da Lei 10.826/03.

O apelo deve ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Sustenta a defesa, comum dos acusados, a atipicidade da conduta, quer seja porque a apreensão das armas ocorreu dentro da extensão do imóvel rural, o que é permitido, nos termos o § 5º do art. 5º da Lei n. 13.870/2019; quer seja em virtude da ausência de lesividade, já que se trata de crime de perigo abstrato.

Da posse de arma dentro da extensão do imóvel rural

No ponto, alega a defesa que a Lei 13.870/19, ao alterar o Estatuto do Desarmamento, passou a autorizar o proprietário a manter e portar arma de fogo por toda a extensão de seu imóvel rural, apenas de posse do Certificado de Registro de Arma de Fogo, nos termos do art. 5º, § 5º, do aludido Diploma.

Logo, tendo em vista que os recorrentes apenas levavam as armas para o paiol, situado a uma distância de 500 a 1.000 metros da sede, ou seja, dentro do limite do imóvel, a conduta é atípica.

Razão não assiste à defesa.

Os apelantes foram condenados pela prática do crime previsto no art. 14 da Lei de Armas, in verbis:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A mencionada Lei 13.870/19 alterou o Estatuto Repressivo tão somente para autorizar que, em área rural, para fins de posse de arma de fogo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel do proprietário.

Contudo, as provas amealhadas ao caderno processual não demonstram que a apreensão tenha ocorrido no interior de imóvel rural, ao contrário.

Conquanto não atacada, a materialidade delitiva está provada por meio do auto de prisão em flagrante (p. 01), boletim de ocorrência (p. 19-20), auto de apreensão (p. 36) e laudo pericial (p. 59-62).

A autoria, da mesma forma, em que pese também não contestada, está demonstrada pela própria confissão dos acusados e pelo depoimento dos policiais militares que funcionaram no caso, os quais confirmaram, em juízo, que as armas foram apreendidas em poder dos apelantes.

Exatamente sobre o local da apreensão, defenderam os acusados, em juízo, que no momento da apreensão estavam transportando as armas da residência para o...

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