Acórdão Nº 0001319-05.2018.8.24.0074 do Quinta Câmara Criminal, 27-10-2022

Número do processo0001319-05.2018.8.24.0074
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0001319-05.2018.8.24.0074/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: CLEVERSON DE OLIVEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Cleverson de Oliveira, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 339, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 6 da ação penal):

Na data de 28 de fevereiro de 2018, por volta das 16h00min, na sala de audiências da 2ª Vara desta Comarca, no Fórum localizado na Rua Emilio Graubner, 300, bairro Vila Nova, nesta cidade, o denunciado Cleverson de Oliveira, ao ser interrogado judicialmente nos autos n. 0001271-80.2017.8.24.0074, atribuiu aos agentes de polícia Carlos Adair Rizzon Armiliato e Lucas Starling Albuquerque Cerqueira a prática de crime de tortura, dizendo que estes policiais teriam o submetido a intenso sofrimento físico por meio de agressões físicas diversas, incluindo pisões numa perna sua que já estava machucada e infeccionada em razão de um projétil de arma de fogo alojado, tudo isso com intuito de obter informações e confissão de autoria na prática de delitos nesta cidade.

Com esta ação, o denunciado deu causa à instauração de inquérito policial para investigação dos citados policiais pelos crimes de tortura e abuso de autoridade, inaugurado por meio de requisição do Ministério Público na atuação do controle externo da atividade policial (fl. 3).

O denunciado o fez mesmo sabendo que os agentes policiais eram inocentes na prática do crime de tortura, pois o que se verificou na investigação é que não só não ocorreram as citadas agressões, como ainda lhe fora prestado atendimento médico no Hospital de Trombudo Central (fls. 12-15), exame de corpo de delito no interior da Unidade do Instituto Geral de Perícias em Rio do Sul (fls. 16-18) e franqueado contato direto com sua companheira, que a forneceu alimentação, tendo ainda os policiais civis Carlos e Lucas levado o denunciado até um cartório de Registro Civil para que fosse lavrada Escritura de União Estável com Ana Maria Pereira, na mesma data da prisão, qual seja, 21 de novembro de 2017.

A denúncia foi recebida (evento 9 da ação penal), o réu foi citado (evento 11 da ação penal) e apresentou defesa (evento 50 da ação penal).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (eventos 53 e 64 da ação penal).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como o réu foi interrogado (evento 116 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (eventos 116 e 119 da ação penal), sobreveio a sentença (evento 123 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na DENÚNCIA a fim de CONDENAR o réu CLEVERSON DE OLIVEIRA, qualificado nos autos, à pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, pelo crime de denunciação caluniosa, tipificado no art. 339 do Código Penal, em regime inicialmente semiaberto.

Inconformado o réu interpôs recurso de apelação (evento 131 da ação penal). Em suas razões (evento 140 da ação penal) pugna por absolvição, sob argumento de não constituir o fato infração penal (art. 386, III, do CPP), haja vista que a imputação das agressões aos agentes de polícia foi realizada durante interrogatório judicial em ação penal que apurava outro delito, ou seja, sob a égide da autodefesa, ao passo que não estaria presente o elemento subjetivo do tipo penal atinente ao dolo de ver instaurado inquérito contra os policiais. Subsidiariamente, a defesa pugna pela aplicação da causa de diminuição prevista no §2º, do art. 339, sob argumento de que a imputação dirigida aos policiais foi de agressões que não deixaram marcas, consistindo na contravenção penal de vias de fato.

Apresentadas as contrarrazões (evento 143 da ação penal), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Rui Arno Richter, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 9).

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu CLEVERSON DE OLIVEIRA, o qual busca a reforma da sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da 2ª Vara da Comarca de Trombudo Central, que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, pelo crime de denunciação caluniosa, tipificado no art. 339 do Código Penal.

Pugna o apelante por absolvição, sob argumento de não constituir o fato infração penal (art. 386, III, do CPP), haja vista que a imputação das agressões aos agentes de polícia foi realizada durante interrogatório judicial em ação penal que apurava outro delito, ou seja, sob a égide da autodefesa, ao passo que não estaria presente o elemento subjetivo do tipo penal atinente ao dolo de ver instaurado inquérito contra os policiais.

Contudo, o apelo defensivo não merece prosperar.

Conforme registra o Parquet em suas contrarrazões, o apelante Cleverson de Oliveira foi denunciado, em 22.11.2017, pelo crime de porte ilegal de arma, previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/03, na Ação Penal n. 0001271-80.2017.8.24.0074, que tramitou na 2ª Vara Criminal da Comarca de Trombudo Central.

Em seu interrogatório judicial naquele feito confessou a prática do crime que lhe era imputado - porte ilegal de arma - e, ato contínuo, trouxe narrativa de que havia sido "torturado" pelos policiais civis Lucas Starling Albuquerque Cerqueira e Carlos Adair Rizzon Armiliato. Vejamos a íntegra do interrogatório (evento 14 da ação penal):

Juíza: O senhora vai querer ficar em silêncio ou vai falar? Cleverson: Eu vou falar.Juíza: Essa acusação contra o senhor ela é verdade ou mentira?Cleverson: É verdade.Juíza: Esse dia quando os policiais chegaram na casa da dona Ana Maria, que o senhor falou que é a sua companheira né?Cleverson: Correto.Juíza: O senhor se evadiu do local?Cleverson: Eu tentei sair andando, porque eu já estava baleado. Porque tentaram tirar minha vida duas vezes já.Juíza: Mas foi nesse momento da policia ou foi em data anterior?Cleverson: Data anterior, alguns meses atrás eu já tava baleado a dois meses, e tive uma certa dificuldade pra andar e eles me pegaram por próximo a residência da minha esposa.Juíza: O senhor tava portando alguma arma?Cleverson: Tava, uma 380 uma pistola.Juíza: Cor?Cleverson: Preta.Juíza: O senhor tinha autorização legal porte?Cleverson: Não tinha.Juíza: O senhor sabia que precisava para portar arma?Cleverson: Pelo conhecimento que eu tenho sim.Juíza: Alguma outra situação que queira esclarecer sobre esses fatos?Cleverson: No dia eu fui pego e levado pra delegacia aqui de Trombudo Central, onde o rapaz que estava comigo foi liberado. Eu fiquei sobre tortura querendo que eu confessasse vários crimes da região que eu não fiz, que eu não cometi.Juíza: Mas o senhor chegou depois relatar para o seu defensor pra fazer um boletim de ocorrência?Cleverson: Eu não tinha direito nem a uma ligação, pelo fato de ser foragido eles me encaminharam direto para a comarca onde era foragido. Lá eu fiquei seis dias na triagem e fui para uma operação de risco e quase perdi minha perna. Pelo fato do que eles fizeram comigo na delegacia.Juíza: O senhor pode relatar isso para o seu defensor, para que ele faça as medidas que entender cabíveis. Teve alguma agressão física?Cleverson: Teve, em cima da minha perna que eu estava baleado, eu não podia procurar atendimento médico porque eu era foragido. Eles pisavam na minha perna e queriam que eu assinasse certos papéis, e tanto apanhar eu acabei assinando certos papéis que eu não sei.Juíza: É referente a esse porte ou a outro crime?Cleverson: Não, outras coisas.Juíza: O senhor lembra quem que fez isso?Cleverson: O policial civil Carlos e o Lucas.Juíza: O senhor chegou a fazer exame de corpo de delito quando ingressou no sistema carcerário?Cleverson: Eu só passei por Rio do Sul, mas não cheguei a descer da viatura. Só pediram em uma prancheta o que eu tinha, eu disse que tinha um disparo de arma de fogo na minha perna, eles anotaram ali qual era a perna e tal, mas não passei por nenhum especialista de médico.Juíza: O senhor relatou essa agressão quando chegou no presidio?Cleverson: Relatei, mas eles disseram que não tinha o que fazer, que eu já tinha passado pelo corpo de delito. Mas eu não tive um médico especializado pra ver minha perna, até então eu fiquei seis dias na triagem, quase perdi minha perna. Pode procurar saber com o pessoal da DIAP eu fui internado dez dias no hospital e quase perdi minha perna, pelo fato do que fizeram comigo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT