Acórdão Nº 0001338-28.2012.8.24.0104 do Primeira Câmara de Direito Civil, 14-09-2023

Número do processo0001338-28.2012.8.24.0104
Data14 Setembro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0001338-28.2012.8.24.0104/SC



RELATOR: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTO


APELANTE: GILBERT FIEBES (AUTOR) APELANTE: SONIA APARECIDA DE ALMEIDA FIEBES (AUTOR) APELADO: ANGELO DANTE BIZ (RÉU)


RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por G. F. e S. A. D. A. F. contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Única da comarca de Ascurra que, nos autos da Ação de Usucapião Extraordinário n. 0001338-28.2012.8.24.0104 ajuizada por G. F. e S. A. D. A. F. em desfavor de A. D. B., julgou extinto o processo sem análise de mérito nos seguintes termos (evento 114, DOC1):
(...) É a típica situação em que há transferência do direito do proprietário anterior para o usucapiente, em que a aquisição da propriedade é derivada, e não originária. Por isso mesmo, a ação de usucapião não pode ser utilizada, ainda mais porque, no caso, implica clara sonegação de ITBI, além de burlar a necessidade de prévio desmembramento do imóvel, motivo pelo qual caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido e, de consequência, o interesse processual da parte autora.
3 - Dispositivo
Ante o exposto, com fulcro nos arts. 330, III e 485, VI, ambos do CPC, EXTINGO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
Custas pela parte autora, observado, porém, que eventual execução das verbas sucumbenciais deverá observar o art. 98, § 3º, do CPC, já que o(s) postulante(s) é (são) beneficiário(s) da justiça gratuita (evento 12/Decisão 22).
Sem honorários advocatícios, pois não triangularizada a relação processual.
Publique-se, registre-se e intimem-se, inclusive o Ministério Público. Com o trânsito em julgado, nada mais solicitado, arquivem-se com as devidas baias no sistema.
Em atenção ao princípio da celeridade processual e a fim de evitar tautologia, adota-se a exposição dos fatos apresentados pela parte autora na exordial (evento 12, DOC1, evento 12, DOC2, evento 12, DOC3, evento 12, DOC4, evento 12, DOC5, evento 12, DOC6, evento 12, DOC7 e evento 12, DOC8):
Os requerentes são possuidores de um imóvel urbano, situado na localidade conhecida como "Loteamento Biz", na cidade de Apiúna, nesta comarca de Ascurra/SC, o qual possui área de 496,29ms2, e acha-se edificado com uma casa residencial, conforme planta topográfica em anexo.
O requerido é legalmente proprietário de uma área de terras situada no Município de Apiúna, onde entre os anos de 1993 e 2001 empreendeu a um parcelamento daquele imóvel, vendendo os lotes oriundos deste parcelamento, através de instrumentos particulares de contrato.
As famílias que atualmente residem naquela localidade, constituídas de pessoas de baixa renda, foram para lá atraídas em virtude do baixo valor dos imóveis ofertados, eis que então não contavam com a infraestrutura necessária para atender o assentamento daquelas pessoas.
Com o passador dos anos e diante do constante adensamento urbano, o Município de Apiúna, como forma de atender as pessoas que ali passaram a residir, implantou a infra-estrutura necessária para atender os anseios daquela comunidade.
É de se salientar-se que no local, diante do preço praticado nas transações envolvendo os imóveis, houve ao longo dos anos um intenso comércio imobiliário, praticado entre pessoas de baixa renda, motivo pelo qual, muitos dos possuidores atuais já não possuem contratos originais de compra junto ao requerido, porém, o imóvel em tela acha-se inserido dentro daquele pertencente ao requerido.
Mesmo diante dos esforços da Administração Pública em melhorar a qualidade de vida daquela comunidade, as famílias que ali residem continuam até a presente data sem poder exercer plenamente os seus direitos sobre os imóveis que possuem, pois como não são titulares dominiais dos terrenos, não tem acesso as linhas de crédito facilitadas que o Governo Federal vem pondo a disposição das camas mais carentes da população, para o fim de reforma e ampliação de suas residências.
O imóvel em tela foi adquirido junto ao requerido A. D. B., ou de pessoas que dele adquiriram, a um período superior a dez anos, e nele os autores, os seus antecessores, fixaram sua residência desde então, dando-lhe destinação social.
Além disso, os autores ou seus antecessores efetuam obras na casa existente sobre o terreno, bem como levantaram e fixaram as dividas do imóvel, externando de forma clara a sua posse.
Desta forma, e diante do lapso temporal já decorrido, possuem os autores o direito de verem declarados por este Juízo a USUCAPIÃO sobre o imóvel objeto deste feito, eis que o possuem com "animus domini" por um período superior aquele fixado pela lei, cumprindo assim os requisitos exigidos pela lei de regência.
Citado (evento 40, DOC49), o réu permaneceu em silêncio e não apresentou contestação (evento 41, DOC51).
Dos eventos em que se demonstra a prova produzida nos autos:
Matrícula n. 2200 junto ao CRI da Comarca de Ascurra (evento 12, DOC10);
Instrumento particular de compromisso de compra e venda de terreno (evento 12, DOC15 e evento 12, DOC16);
Memorial descritivo e ART (evento 12, DOC17 e evento 12, DOC18);
Edital de citação de réus eventuais em local incerto e não sabido (evento 15, DOC42 e evento 34, DOC43);
Certificou-se a citação do Município, e das pessoas de C. E., D. R. F. e A. d. S. (evento 24, DOC30 e evento 25, DOC31), além do Estado de Santa Catarina (evento 28, DOC33) e da União (evento 31, DOC35);
O Município de Apiúna manifestou desinteresse no feito (evento 33, DOC37);
Certificou-se o decurso do prazo do Estado de Santa Catarina e da União (evento 35, DOC44 e evento 41, DOC51);
Certidões cíveis (evento 52, DOC69 e evento 52, DOC70);
Levantamento planimétrico (evento 56, DOC72);
Audiência de instrução e julgamento (evento 75, DOC88), com a colheita dos depoimentos de S. D. (evento 75, DOC110), E. M. (evento 75, DOC111) e A. R. (evento 75, DOC112).
Inconformados, os apelantes sustentaram, resumidamente, que houve plena satisfação dos requisitos necessários ao reconhecimento da usucapião pretendida, porquanto exercem sobre a área posse mansa, pacífica e sem oposição por lapso temporal superior ao exigido pela legislação. Discorreram que a modalidade extraordinária ocorre independentemente de justo título e boa-fé. Salientaram que embora tenham deduzido pedido de usucapião ordinária, nada obsta o reconhecimento da extraordinária ante o princípio da fungibilidade aplicável. Pontuaram que há mais de 50 (cinquenta) ações movidas em face do mesmo réu, sendo que em várias dele houve sentença procedente. Discorreram que a lei de parcelamento do solo não pode impedir a usucapião. Prequestionaram dispositivos legais e reforçaram que está presente o interesse processual. Ao final, pugnaram pelo provimento do recurso (evento 121, DOC1).
Não houve apresentação de contrarrazões pelo réu revel.
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Em parecer da lavra da eminente Procuradora Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 11, DOC1).
É o relatório

VOTO


Exame de Admissibilidade Recursal
Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se à sua análise.
Mérito
O cerne da questão jurídica cinge-se ao pedido de reconhecimento de usucapião que, na origem, foi julgado extinto sem análise de mérito pois, em suma, o juízo reconheceu que a via eleita é inadequada em razão da existência de aquisição derivada.
No que toca à usucapião, que é modo de aquisição originária da propriedade, entre as modalidades existentes no ordenamento jurídico, há três elementos que necessariamente devem estar preenchidos para o reconhecimento do domínio, são eles: animus domini, inexistência de oposição à posse e posse ininterrupta por um período de tempo.
Outrossim, a decisão que declara a prescrição aquisitiva reconhece um direito já existente com a posse ad usucapionem, desde que preenchidos os requisitos da usucapião àquele que conferiu sentido ao direito e/ou atribuiu utilidade à propriedade (ex vi residência própria ou de sua família), cumprindo, assim, a sua função social. Desse modo, frise-se que embora a sentença contenha conteúdo decisório, é certo possui caráter eminentemente declaratório.
Sobre o assunto, ensina o doutrinador José Carlos de Moraes:
"A sentença, portanto, nada transfere, uma vez que usucapião é modo originário de aquisição (...). Serve, entretanto como título para o registro no cartório de registro de imóveis, o que dará publicidade à aquisição, assegurará a continuidade do registro, resguardando a boa-fé de terceiros e possibilitará o jus disponiendi por parte do prescribente". (SALLES, José Carlos de Moraes, Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 6. ed., São Paulo: RT, 2006, p. 234).
O recurso posto sob julgamento, adianta-se, excepcionalmente, comporta provimento.
No caso em análise, o imóvel usucapiendo trata-se do lote n. 17 situado no lado par da Rua 30, no que é conhecido popularmente como "Loteamento Biz", Município de Apiúna, com área de 496,29m² inserido dentro de uma área maior, esta matriculada sob n. 2200 junto ao CRI da Comarca de Ascurra, cuja titularidade registral é do réu A. D. B. (evento 12, DOC10).
Compulsando atentamente o feito, verifica-se que é incontroversa a informação de que a área usucapienda foi adquirida pelos autores em 23/02/1994 diretamente do proprietário registral (evento 12, DOC15 e evento 12, DOC16), na qual os postulantes edificaram moradia e lá residem.
Nesse contexto, ressoa evidente que a posse exercida pelos demandantes foi - e permanece - sendo ininterrupta, mansa e pacífica desde aquela data, ante a ausência de qualquer oposição por eventuais interessados.
Em complemento, observa-se também que houve a adequada satisfação do critério temporal, poruqe, desde a aquisição em 1994, transcorreram mais de 29 (vinte e nove) anos.
Em relação aos demais requisitos, aferidos quando da tramitação do feito...

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