Acórdão Nº 0001384-27.2017.8.24.0044 do Quinta Câmara Criminal, 20-02-2020

Número do processo0001384-27.2017.8.24.0044
Data20 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemOrleans
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0001384-27.2017.8.24.0044, de Orleans

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) E DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.

RECURSO DA ACUSAÇÃO. PLEITO PELA CONDENAÇÃO DO RÉU LUIZ PELO CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA E DOS RÉUS JACINTO, VALTER, RAMIREZ, MARCO ANTONIO, VALMIR E MARCELO POR CRIME DE RESPONSABILIDADE. ALEGADA PRESENÇA DE DOLO NAS CONDUTAS. INVIABILIDADE.

RÉU LUIZ. CORRUPÇÃO PASSIVA. CONTADOR CONTRATADO COMO CHEFE DE DIVISÃO/GERENTE DE DEPARTAMENTO NA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ORLEANS PARA REALIZAÇÃO DE CONTABILIDADE PARA ASSOCIAÇÕES DE PAIS E PROFESSORES. ACUSADO QUE REALIZAVA TRABALHOS DE CONTABILIDADE PARA DEZENAS DE ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR. NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DAS ENTIDADES PARA RECEBIMENTO DE VERBA FEDERAL DO "PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA". ACUSADO QUE VIAJAVA PARA OUTRAS CIDADES NO INTERESSE DAS ENTIDADES SEM O RESSARCIMENTO PELAS DESPESAS. RÉU QUE PRESTOU SERVIÇOS PARA AS ENTIDADES ATÉ MESMO NO PERÍODO QUE NÃO ESTEVE COM CARGO PÚBLICO, PRATICANDO INCLUSIVE DURANTE A INSTRUÇÃO PROBATÓRIA DE MANEIRA GRATUITA. SALÁRIO ANÓDINO PERTO DA GRANDE DEMANDA E QUANTIDADE DE TRABALHO. RÉU CONHECIDO EM TODA A REGIÃO, INCLUSIVE PELAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO, COMO PESSOA LIGADA À PRÁTICA DE SERVIÇOS, MUITAS VEZES GRATUITOS, PARA ENTIDADES SOCIAIS. MERA IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO QUE NÃO DEVE SER TUTELADA PELO DIREITO PENAL. ULTIMA RATIO. ADVERSÁRIOS POLÍTICOS E TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO QUE ADMITEM QUE O TRABALHO DE CONTABILIDADE FOI REALIZADO E QUE O ACUSADO É CONHECIDO COMO "ETERNO SECRETÁRIO DE TUDO" POR SUA ATIVA PARTICIPAÇÃO EM ENTIDADES PÚBLICAS, PRIVADAS E COMUNITÁRIAS. BIOGRAFIA/CURRÍCULO DO ACUSADO QUE CONSTAVA O TRABALHO PARA AS ASSOCIAÇÕES DE PAIS E PROFESSORES. AUSÊNCIA DE DOLO LATENTE. ACUSADO EM CARGO COMISSIONADO QUE REALIZAVA OS SERVIÇOS DE SEU ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. ABSOLVIÇÃO QUE SE MANTÉM.

RÉUS JACINTO E MARCO ANTONIO. CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967), POR DUAS VEZES. ALEGADO CONCURSO PARA A PRÁTICA DE DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. SIMULACRO DE CARGO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA. CORRÉU LUIZ QUE EFETIVAMENTE EXERCEU AS FUNÇÕES PARA QUE FOI CONTRATADO, MESMO QUE PARA ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR. EX-SECRETÁRIAS DE EDUCAÇÃO QUE TESTEMUNHARAM NO SENTIDO QUE COBRAVAM DOS EX-PREFEITOS CONTRATAÇÃO DE CONTADOR PARA A REGULARIZAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE PAIS E PROFESSORES. ENTIDADES QUE NECESSITAVAM DE REGULARIZAÇÃO PARA RECEBEREM VERBA FEDERAL DO "PROGRAMA DINHEIRO DIRETO NA ESCOLA" PARA APLICAÇÃO EM MERENDA E TRANSPORTE ESCOLAR. UTILIDADE PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO QUE SE MANTÉM.

RÉUS VALTER, RAMIREZ, VALMIR E MARCELO. CRIME DE RESPONSABILIDADE (ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967). ALEGADO CONCURSO PARA A PRÁTICA DE DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. SIMULACRO DE CARGO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA. CONTRATADO QUE EFETIVAMENTE EXERCEU AS FUNÇÕES PARA QUE FOI DESIGNADO, MESMO QUE PARA ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR. AUSÊNCIA DE DOLO. EX-SECRETÁRIOS DE ADMINISTRAÇÃO QUE APENAS DAVAM PUBLICIDADE AOS ATOS DE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO. NOMEAÇÃO DE CARGOS COMISSIONADOS DE EXCLUSIVA LIBERALIDADE DOS PREFEITOS MUNICIPAIS. SENTENÇA IRRETOCÁVEL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0001384-27.2017.8.24.0044, da comarca de Orleans 2ª Vara em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelados Luiz Carminati e outros.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

Florianópolis, 20 de fevereiro de 2020.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora


RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Luiz Carminati imputando-lhe a prática do crime descrito no art. 317, caput, do Código Penal; Marco Antonio Bertoncini Cascaes e Jacinto Redivo, pela conduta descrita no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967 (duas vezes), na forma do art. 29 do Código Penal; e Valmir Felisbino, Ramirez Zomer, Marcelo Galvane e Valter Orbem, no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, na forma do art. 29 do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (fls. 805/812):

FATO 1

Entre os períodos de 17/3/2009 à 2/7/2009, 1/3/2011 à 2/1/2013, 1/3/2013 à 14/6/2013 e 2/9/2013 à 19/12/2016, no município de Orleans, o denunciado LUIZ Carminati recebeu para si, indevidamente, a remuneração mensal dos cargos comissionados de Gerente de Departamento na Secretaria de Educação e na Secretaria de Administração, sem que exercesse qualquer função pública dentro da estrutura administrativa do Município de Orleans ou que comparecesse na repartição pública para cumprir uma jornada de trabalho.

No caso, o denunciado aceitou conscientemente um simulacro de cargo público apenas para realizar em seu escritório particular a contabilidade de algumas entidades privadas do terceiro setor e prestação de contas das subvenções sociais recebidas. Ou seja, não exercia quaisquer dos serviços finalísticos da atuação estatal, motivo pelo qual jamais poderia aceitar a nomeação e os respectivos salários pagos pelo Município.

Como se sabe, de acordo com o art. 16 Lei Federal nº 4.320/64, o objetivo da subvenção social é justamente liberar a Administração da prestação direta de serviços nas áreas da saúde, educação e assistência social, quando a sua realização puder ser feita por entidades privadas de forma mais econômica para o ente federativo.

Por isso, tanto a documentação necessária para a obtenção de subvenção social como a posterior prestação de contas das entidades privadas NÃO DEVEM advir de um servidor público, pois é da responsabilidade exclusiva da entidade a realização dos projetos para conseguir os recursos e, consequentemente, a prestação de contas do dinheiro recebido. Tanto é verdade ser dever da própria entidade providenciar os documentos para a prestação de contas, que a sanção prevista em lei pela omissão em prestá-las é a proibição de receber novas subvenções (art. 17 da Lei n. 4.320/64).

Ademais, se o objetivo da subvenção social é justamente liberar/esvaziar a administração pública da execução direta de serviços nas áreas da saúde, educação e assistência social, nada justifica que a própria Administração concedente da subvenção crie uma estrutura estatal extra, mediante a contratação de servidor de confiança e dispêndio de remunerações, apenas para viabilizar a prestação de contas dessas entidades privadas que deveriam "fazer às vezes" da administração, tornando a atuação da prefeitura mais enxuta e econômica.

FATO 2

No período compreendido entre 17/3/2009 e 2/7/2009, em comunhão de esforços e desconsiderando o conceito consolidado de "servidor público", os denunciados JACINTO REDIVO (prefeito) e VALTER ORBEM (Secretário de Administração) deram causa ao desvio de recursos públicos do Município de Orleans em favor de LUIZ Carminati.

No dia 17/3/2009, conforme Portaria nº 359/2009, os denunciados JACINTO REDIVO e VALTER ORBEM nomearam LUIZ Carminati para o cargo comissionado de Gerente de Departamento junto à Secretaria Municipal de Administração.

Porém, com a concordância dos denunciados JACINTO e VALTER, o servidor comissionado LUIZ não comparecia ao local de trabalho na Secretaria de Administração para exercer a gerência sobre os servidores do departamento, pois aos invés de desempenhar o cargo, fazia em seu escritório particular apenas a contabilidade em geral de entidades privadas do terceiro setor (associações de professores listadas à fl. 34) e prestação de contas das subvenções sociais.

O ato absolutamente nulo praticado pelos denunciados apenas beneficiou Luiz Carminati, não trazendo qualquer benefício à Administração Pública. Na verdade, tratava-se de nomeação fictícia, pois de fato o servidor comissionado não tinha lotação, local de trabalho dentro da administração pública, atribuições previstas em lei municipal, nem exercia serviços concernentes à atuação estatal.

Em resumo, apenas para agradar o primeiro denunciado e liberar os responsáveis pelas entidades privadas de suas atribuições mínimas, o Prefeito Municipal e o Secretário tiveram a ideia de nomear como funcionário público ocupante de cargo comissionado um profissional com escritório estabelecido na cidade, para executar serviços privados de contabilidade das associações privadas (fazer escrituração fiscal) e prestação de contas das subvenções recebidas.

Além da evidente ilegalidade de tal estado de coisas, há de se ressaltar a confusão entre as esferas do público e do privado, bem como o conflito de interesses que fulmina a legitimidade da análise das prestações de contas. Isso porque, quem julga a prestação de contas da entidade privada referente à utilização do dinheiro público é a propria Prefeitura, em se tratando de subvenção municipal ou o Estado de Santa Catarina, quando a subvenção veio do Estado (FUNSOCIAL). Assim, se um servidor comissionado, nomeado pelo critério de confiança do administrador municipal, faz toda a prestação de contas da entidade privada, é evidente que a comissão/servidor responsável pelo julgamento da regularidade das contas estará naturalmente compelida a aprová-las.

FATO 3

No período compreendido entre 1/3/2011 e 2/1/2013, em comunhão de esforços e desconsiderando o conceito consolidado de "servidor público", os denunciados JACINTO REDIVO (prefeito) e RAMIREZ ZOMER (Secretário de Administração) deram causa ao desvio de recursos...

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