Acórdão Nº 0001472-06.2019.8.24.0041 do Quinta Câmara Criminal, 23-01-2020

Número do processo0001472-06.2019.8.24.0041
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemMafra
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso Em Sentido Estrito n. 0001472-06.2019.8.24.0041, de Mafra

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ESTELIONATO. (ARTIGOS 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). DENÚNCIA REJEITADA COM FUNDAMENTO NA FALTA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL OU CONDIÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INSUBSISTÊNCIA. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MOMENTO PROCESSUAL QUE IMPÕE A OBSERVÂNCIA DE QUESTÕES MERAMENTE PROCESSUAIS. ADEMAIS, DENUNCIADO QUE, EM TESE, NO INTUITO DE OBTER VANTAGEM ILÍCITA PARA SI, MEDIANTE ARTIFÍCIO ARDIL E FRAUDULENTO, REALIZA COMPRAS EM SUPERMERCADO E EFETUA O PAGAMENTO NO VALOR DE R$ 300,00 (TREZENTOS REAIS) COM CHEQUE PROVENIENTE DE CRIME DE FURTO, CAUSANDO PREJUÍZO ALHEIO. VALOR DA RES FURTIVA QUE ULTRAPASSA O PERCENTUAL EXIGIDO PARA INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO DA BAGATELA. SÚMULA 709 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito n. 0001472-06.2019.8.24.0041, da comarca de Mafra Vara Criminal em que é Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Vilmar Barbosa.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso dando-lhe provimento para receber a denúncia contra Vilmar Barbosa em relação ao delito previsto no artigo 171, caput, do Código Penal, ambos do Código de Penal.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da Silva B. Schaefer, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Desembargador Norival Acácio Engel.

Compareceu à sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Francisco Bissoli Filho.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca da Mafra, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra Vilmar Barbosa pelo cometimento, em tese, do delito descrito no artigos 171, caput, do Código Penal, com os seguintes relatos oriundos da peça acusatória (fls. 01/02):

"[...]

No dia 30 de agosto de 2010, em horário a ser esclarecido durante a instrução processual,o denunciado VILMAR BARBOSA, de posse da cártula n. 900005, agência 0878, conta 01011661-3, de titularidade de Carlos Augusto Chableski, dirigiu-se até ao Supermercado MIG (Vila Ivete), oportunidade em que obteve para si vantagem ilícita em prejuízo alheio, utilizando-se de meio fraudulento, uma vez que efetuou compra de mercadorias no referido estabelecimento no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), efetuando o pagamento com o cheque proveniente de crime de furto, conforme laudo pericial n. 9105.17.00221 fls. 91-94.

[...]"

Quando do recebimento da denúncia, o magistrado a quo a rejeitou invocando o princípio da bagatela, consubstanciado na diminuta periculosidade social da ação e o ínfimo grau de reprovabilidade do agente, nos seguintes termos (fls. 102/103):

[...]

Decido.

A denúncia não pode ser recebida.

Isto porque, não obstante os fortes indícios da autoria e materialidade delitiva, o caso presente impõe o reconhecimento do princípio da insignificância que é causa supralegal de exclusão da ilicitude penal pela atipicidade material, tendo em vista o majoritário entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o Direito Penal não é o instrumento estatal adequado para reprimir condutas de pequena importância e por isso tem no seu bojo de aplicação o caráter fragamentado.

Com efeito, diante desta natureza subsidiária fragmentada do Direito Penal, temos que este só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico tutelado pelo Estado, não sendo viável sua ocupação com bagatelas.

[...]

No caso dos autos, o pequeno valor do suposto estelionato (que inclusive possui figura equiparada à furto privilegiado) alcança o patamar de R$ 300,00 (trezentos reais) com a diminuta periculosidade social da ação e o ínfimo grau de reprovabilidade do agente e assim autorizam o reconhecimento da figura benéfica em tela.

[...]

Por todas essas razões, imperioso, no presente caso, o reconhecimento do Princípio da Insignificância para se considerar atípica sob a óptica material, a conduta do denunciado e, por conseguinte, para se rejeitar a denúncia.

Posto isso, rejeito a denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra Vilmar Barbosa, o que faço com fundamento no art. 395, II, do CPP.

[...]"

Irresignado, o membro do Ministério Público de Santa Catarina, com base no artigo 581 do Código de Processo Penal, interpôs Recurso em Sentido Estrito, pugnando em suas razões a reforma da decisão para receber a denúncia, tendo em vista que o caso dos autos não comporta o aludido princípio da insignificância (fls. 110/113).

Devidamente intimado, o denunciado apresentou suas contrarrazões por intermédio da Defensoria Pública, pugnando no sentido de manter a decisão objurgada. Alternativamente, requereu o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva com consequente extinção da punibilidade (fls. 119/124).

Em juízo de retratação, a togada singular manteve a decisão impugnada (fl. 125).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso em sentido estrito (fls. 133/135).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo órgão do Ministério Público de Santa Catarina contra o pronunciamento que rejeitou a denúncia contra Vilmar Barbosa.

1. Inicialmente, deve-se analisar o pleito de reconhecimento da prescrição formulada em contrarrazões.

O crime de estelionato pelo qual o recorrido foi denunciado (artigo 171, caput, do Código Penal) prevê pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, além de multa.

Tendo em vista a pena máxima cominada ao caso em análise, incide o prazo prescricional de 12 (doze) anos, conforme disposto no artigo 109, caput e inciso III, do Código Penal.

Denota-se que os fatos ocorreram em 30.08.2010 e ainda não se decorreram 12 (doze) anos, de modo que não há falar em prescrição da pretensão punitiva estatal.

Doutro modo, impossível o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado com fundamento em pena hipotética, não havendo falar, pois, em extinção da punibilidade, uma vez que, encerrada a instrução processual com os autos conclusos para sentença, bastaria, apenas, ao magistrado sentenciante, a análise do mérito com a absolvição ou a aplicação da pena, e sobre esta, caso entendesse, a aplicação da prescrição retroativa pela pena em concreto aplicada na sentença.

Neste sentido:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO VIRTUAL - INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO N. 438 DA SÚMULA DO STJ - PROVIMENTO. "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal" (STJ, Súmula 438 do STJ). (Recurso em Sentido Estrito n. 0000231-38.2012.8.24.0042, de Maravilha, Rel. Des. Getúlio Corrêa, j. em 25/07/2017).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2°, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90. MAGISTRADO A QUO QUE JULGA EXTINTA A PUNIBILIDADE DA ACUSADA AO RECONHECER A PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU VIRTUAL DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM RELAÇÃO AO CRIME TRIBUTÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA DEFESA, COM BASE NO ARTIGO 589, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENDIDA MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. MODALIDADE PRESCRICIONAL QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA LEGISLAÇÃO VIGENTE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL E DAS CORTES SUPERIORES QUE RECHAÇAM A POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA COM BASE NA REPRIMENDA A SER, HIPOTETICAMENTE, APLICADA. AFRONTA, INCLUSIVE, AO VERBETE SUMULAR N. 438 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DE OUTRA PARTE, PRAZO EXIGIDO À PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PROPRIAMENTE DITA NÃO VERIFICADO. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO QUE SE IMPÕE. DECISÃO DA RETRATAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Não ocorre prescrição da pretensão punitiva estatal propriamente dita, ou seja, pela pena em abstrato, se entre as causas de interrupção da prescrição elencadas pelo art. 117 do Código Penal não transcorreu lapso temporal suficiente para tal, nos termos do artigo 109 do Código Penal. 2. De outra parte, na hipótese dos autos, o Magistrado a quo não chegou a analisar o mérito da quaestio, também não havendo falar, portanto, em prescrição da pretensão punitiva retroativa, em razão da inexistência de condenação transitada em julgado a servir de parâmetro para a contagem do prazo prescricional. 3. Em que pese o posicionamento esposado por parcela da doutrina em admitir a existência de uma modalidade prescricional não prevista em lei - a chamada prescrição da pretensão punitiva antecipada ou virtual (também conhecida por prescrição pela pena hipotética ou em perspectiva) -, os Tribunais pátrios são firmes em reconhecer a impossibilidade de admitir-se referida modalidade como causa de extinção da punibilidade, já tendo o Superior Tribunal de Justiça, inclusive, assentado que "é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal" (Súmula n. 438). (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0008075-23.2013.8.24.0036, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 15-03-2016) - Grifou-se.

2. Dito isso, narra a denúncia que, no dia 30 de agosto de 2010, o denunciado obteve vantagem ilícita em prejuízo alheio ao...

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