Acórdão Nº 0001485-98.2020 do Conselho da Magistratura, 12-05-2020

Número do processo0001485-98.2020
Data12 Maio 2020
Tribunal de OrigemSanto Amaro da Imperatriz
Classe processualRecurso Administrativo
Tipo de documentoAcórdão


ACÓRDÃO


Recurso Administrativo n. 0001485-98.2020.8.24.0710, de Santo Amaro da Imperatriz


Relator: Des. Carlos Adilson Silva


RECURSO ADMINISTRATIVO. OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA RELACIONADA À POSSIBLIDADE DE REALIZAR O REGISTRO DE ÁREA INFERIOR À FRAÇÃO MÍNIMA PREVISTA PARA O MÓDULO RURAL, EM CUMPRIMENTO A MANDADO DE AVERBAÇÃO DE AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.


FUNDAMENTOS RECURSAIS VOLTADOS PARA A ALEGADA OFENSA AO ART. 8, §3º, DA LEI 5868/72, QUE IMPEDE A AVERBAÇÃO NOS TERMOS SUSCITADOS PELO OFICIAL REGISTRADOR. INSUBSISTÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO REGRAMENTO AO CASO CONCRETO. REQUISITO LEGAL CUJA EXIGÊNCIA É AFETA À HIPÓTESE DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE, ATRAVÉS DE TRANSMISSÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. CASO CONCRETO CUJA SENTENÇA RECONHECEU A PRESENÇA DOS REQUISITOS DA USUCAPIAO EXTRAORDINÁRIA (AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA). VEREDICTO, ADEMAIS, IMUTÁVEL, PORQUANTO TRANSITADO EM JULGADO, COM A APRECIAÇÃO DOS ARGUMENTOS ORA REAVIVADOS EM CENÁRIO PROCESSUAL CONTENDO A MANIFESTAÇÃO DE TODOS OS AGENTES ENVOLVIDOS E COM A PRODUÇÃO DAS PROVAS DETERMINADAS PELO JUÍZO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA RES JUDICATA, GARANTIA INSCULPIDA NO ART. 5º, XXXVI, DA CRFB/88, COM O VIÉS DE INCORPORAR O DIREITO AO PATRIMONIO DO TITULAR. RESGUARDO DO DIREITO DE PROPRIEDADE (ART. 5, XXII, CRFB/88). SENTENÇA MANTIDA, COM ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0001485-98.2020.8.24.0710, de Santo Amaro da Imperatriz, em que é recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e recorridos Guilherme Corbetta e Janiara Maldaner Corbetta:


O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, acrescendo-se à sentença os fundamentos desta decisão colegiada.


O julgamento, realizado no dia 11 de maio de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Roesler, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Odson Cardoso Filho, Volnei Celso Tomazini, Hélio do Valle Pereira, Dinart Francisco Machado, Júlio César Machado Ferreira de Melo, José Agenor de Aragão, Salim Schead dos Santos, João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins e Roberto Lucas Pacheco.


Funcionou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Mário Luiz de Melo.


Florianópolis, 12 de maio de 2020.


Carlos Adilson Silva


RELATOR


RELATÓRIO


O Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Santo Amaro da Imperatriz, Reinaldo da Silva Lelis, instaurou suscitação de dúvida processada perante o juízo da 2ª Vara da mesma comarca, acerca da possibilidade de realizar o registro de imóvel com área inferior à fração mínima prevista para a área rural - que é de 2 hectares para o Município de Santo Amaro da Imperatriz -, para que assim possa cumprir a ordem emanada do mandado de averbação nos autos da Ação de Usucapião n. 0001779-24.2010.8.24.0057, a qual determinou a abertura de matrícula de imóvel nos termos da dúvida suscitada em benefício de Guilherme Corbetta e Janiara Maldaner Corbetta, ora recorridos.


De acordo com o entendimento do Oficial Registrador, estaria impossibilitado de efetuar referido registro diante da necessidade de observação ao princípio da isonomia, insculpido no art. 5º, da CRFB/88, diante de ordem oriunda desta Corte de Justiça, em recurso de apelação paragonável, contendo a mesma razão de decidir, no concernente à impossibilidade de registro de imóveis objetos de usucapião que possuam fração menor que a mínima para imóvel rural (autos n. 0002608-73.2008.8.24.0057), tendo, assim, gerado a nota devolutiva III, cientificando os ora recorridos, os quais aduziram que o entendimento mencionado pelo Oficial não possui o condão de atingir a sua ação de usucapião, porquanto esta possui decisão transitada em julgado.


Os suscitados apresentaram impugnação, conforme documento 2772534.


O Ministério Público, em manifestação (doc 2772566), posicionou-se pela procedência da dúvida, de forma a reconhecer a impossibilidade do registro da usucapião.


Na sequência, sobreveio sentença exarada pelo MM. Juíza Substituta Dra. Erica Lourenço de Lima Ferreira julgando improcedente a dúvida, com os seguintes fundamentos:


"No caso concreto, verifico que a dúvida é improcedente.


Isso porque o registro suscitado está legitimado por título executivo judicial transitado em julgado que, como tal, possui autoridade para tornar imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso, na forma do art. 502 do CPC.


Cabe ao Oficial, no presente caso, executar a decisão que, acertada ou não, já transitou em julgado (p. 15 - autos 0001779-24.2010.8.24.0057), de forma que o registro do título deverá respeitar os parâmetros nela estabelecidos, sob pena de afronta à imutabilidade gerada pela coisa julgada (art. 5o, XXXVI, da CF, e art. 6o da LINDB).


Assim, embora se conheça de entendimento divergente, conforme manifestado nos autos n. 0002608-73.2008.8.24.0057 (p. 75), não é possível que tal entendimento seja estendido a outros processos já acobertados pela coisa julgada.


Do exposto, rejeito a dúvida e determino o registro do título, conforme determinado nos autos da Ação de Usucapião n. 0001779-24.2010.8.24.0057."


Em face do veredicto, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que "o registro (abertura) de uma matrícula imobiliária, com área inferior ao módulo rural da região, fixada pelo INCRA, é nulo de pleno direito, inclusive os demais atos subsequentes, mesmo que proveniente de sentença judicial imutável proferida em ação de usucapião extraordinária, haja vista a vedação legal prevista no § 3o do art. 8o da Lei Federal n. 5.868/72, principalmente quando não se encontram presentes nenhuma das hipóteses taxativas e excepcionais previstas no § 4o do artigo 8o da referida norma federal", postulando a reforma da sentença, para impedir o registro, ao menos até que as providencias visando a regularização do bem sejam tomadas, quais sejam, a alteração do zoneamento de acordo com o art. 42- B da Lei n. 10.257/01, ou, a diminuição da fração mínima do parcelamento do solo rural pelo INCRA.


As contrarrazões foram apresentadas pelos recorridos, repisando os fundamentos já trazidos na impugnação, salientando que os fundamentos recursais já foram debatidos por ocasião da ação de usucapião, tendo sido rejeitados. Apontaram, de outro vértice, decisões em sentido contrário à pretensão do recorrente, oriundas desta Corte de Justiça.


Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o ilustre Procurador Dr. Cesar Augusto Grubba, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.


Os autos foram inicialmente distribuídos ao eminente Desembargador Fernando Carioni, integrante da Terceira Câmara de Direito Civil, que declinou da competência para o Conselho da Magistratura, culminando por serem redistribuídos, por último, a este Relator.


É o relatório.


VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina em face da sentença prolatada pela Juiza Substituta da 2ª Vara da Comarca de Santo Amaro da Imperatriz, que, resolvendo suscitação de dúvida, julgou-a improcedente, determinando o registro do título, conforme determinado nos autos da Ação de Usucapião n. 0001779-24.2010.8.24.0057.


Como óbice ao registro, o Ministério Público defende que referido imóvel tem área inferior ao módulo rural da região, fixada pelo INCRA, sendo o registro nulo de pleno direito, independentemente de ser oriundo de decisão judicial transitada em julgado, pois ofende o ordenamento jurídico.


Por seu tudo, os recorridos sustentam que a questão foi objeto de debate na ação de usucapião, e que há entendimentos desta Corte em sentido contrário, possibilitando o registro de área inferior ao módulo rural, não sendo óbice à aquisição originária da propriedade.


Sustentaram, ainda, que os artigos mencionados pelo recorrente para embasar o pleito recursal - art. 8º da Lei n. 5.868/72 e o artigo 843, V, do Código de Normas da CGJ/SC - tratam de parcelamento do solo e não do registro de sentenças ou aquisição originária da propriedade, caso dos autos.


De plano, adianto que o recurso não merece provimento. Isso porque, como bem assentou o douto Procurador de Justiça, Dr. Cesar Augusto Grubba, ao opinar pelo desprovimento do reclamo - reafirmando, a propósito, os argumentos já trazidos pela sentença judicial transitada em julgado em favor dos recorridos, nos autos da Ação de Usucapião n. 0001779-24.2010.8.24.0057 -, a aquisição da propriedade pelos recorridos se deu de forma originária, eis que decorrente de fato jurídico sem qualquer ônus aos adquirentes, tendo preenchido todos os requisitos legais para a obtenção da propriedade, através da usucapião extraordinária.


Em sendo assim, o fundamento trazido nas razões recursais para inviabilizar o registro - art. 8º, §3, da Lei 5868/72 - não é aplicável à hipótese, na exata medida em que esta é a regra para o caso de aquisição derivada de propriedade, por ato voluntário inter vivos, quando há transmissão, circunstância que difere da aquisição originária, tal e qual o cenário dos autos, senão vejamos:


"Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.


§ 3o São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT