Acórdão Nº 0001486-62.2020.8.24.0038 do Quarta Câmara de Direito Civil, 31-03-2022

Número do processo0001486-62.2020.8.24.0038
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001486-62.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS

APELANTE: CLUBE NAUTICO MARCILIO DIAS (RÉU) APELANTE: FEDERACAO CATARINENSE DE FUTEBOL (RÉU) APELANTE: TOKIO MARINE SEGURADORA S.A. (RÉU) APELADO: RAFAEL CESAR BUENO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de 3 (três) recursos de apelação interpostos contra a sentença que julgou procedentes os pedidos de condenação das rés ao pagamento de: a) indenização por danos materiais no valor de R$ 11.181,03 (onze mil, cento e oitenta e um reais e três centavos); b) indenização por danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); c) lucros cessantes desde o dia do acidente (06.03.2005) até o término da incapacidade do autor para o trabalho - valor este a ser apurado em sede de liquidação de sentença. Para além, julgou procedente a denunciação à lide da seguradora Tokio Marine S. A., a fim de que esta ressarça o dispêndio financeiro da litisdenunciante Federação Catarinense de Futebol (FCF) em decorrência da presente demanda, limitado ao valor previsto na apólice.

Em sua fundamentação, o magistrado singular, pautando-se no Estatuto do Torcedor, reconheceu a responsabilidade do Clube Náutico Marcílio Dias e da FCF pelos acontecimentos relatados pelo autor. Em síntese, o ora apelado sustentou à exordial que, em 2005, foi ao estádio de futebol do Marcílio Dias com a finalidade de assistir a um jogo do campeonato catarinense contra o seu time, Joinville. Ocorre que, no final da partida, a torcida adversária invadiu o local onde se encontrava, o que ocasionou uma confusão generalizada. Em virtude do tumulto, foi atingido por um disparo de arma de fogo na região craniana, vindo de um integrante da torcida do Marcílio Dias. Como consequência, foi submetido a uma cirurgia e perdeu a visão, razão pela qual entende fazer jus às indenizações pretendidas.

A seguradora opôs embargos de declaração (ev130), os quais foram rejeitados pelo julgador no ev147. Na ocasião, ressaltou que, "em que pese não ter constado na sentença qual apólice que deve ser aplicada no presente caso, por certo deve ser observada a que estava em vigência na data do sinistro".

Os 3 (três) recursos basicamente reiteram os argumentos apresentados nas respectivas contestações. O clube de futebol alegou não ser responsável por brigas de torcidas acontecidas após o jogo, e que essa responsabilidade cabe ao Estado, responsável pelo policiamento. Alegou que a responsabilidade é da seguradora Real, por si contratada, e da Coligação Corretora de Seguros S. A., cabendo a cada uma pagar 50% (cinquenta por cento) da cobertura. Falou do risco ínsito de frequentar estádios e que o autor se expôs a ele voluntariamente, razão pela qual postulou o afastamento da condenação pelo abalo moral supostamente sofrido. Pediu a exclusão da indenização por danos estéticos, pois não há imagens capazes de demonstrar a magnitude do dano sofrido. Reclamou da aplicação da Súmula 54, do STJ quando da fixação dos juros de mora e correção monetária e pediu que tais índices sejam arbitrados a partir da data da sentença. De forma subsidiária, requereu a minoração do valor da indenização (e132).

A FCF sustentou que o fato aconteceu após o jogo e, por isso, não tem responsabilidade por eventos que se desdobram nesse contexto. Alega ser inconstitucional a disposição do Estatuto do Torcedor que estabelece sua responsabilidade objetiva, porque a lei não pode fixar responsabilidade de quem não participa do evento e não o controla. Diz não ser prestadora de serviços, e não exercer atividade econômica, de forma que não se aplica o CDC, e que a responsabilidade é do Estado por falha na segurança. Pediu a reforma da sentença com a improcedência da ação (e136).

A companhia seguradora, a seu turno, apontou que acidentes ocorridos em decorrência de tumultos, brigas e outras perturbações à ordem pública estão expressamente excluídos das coberturas previstas nas Condições Particulares do Seguro de Acidentes Pessoais Coletivo firmado com a FCF. Pontuou que sua responsabilidade deve ser limitada ao total da apólice contratada e vigente na época dos fatos. Menciona que o incidente ocorreu em 06 de março de 2005, e que a apólice n. 811.780.519 teve vigência de 01/01/2006 a 01/01/2008; já a apólice 811.780.045, teve vigência de 01/01/2003 a 01/11/2003, ou seja, uma com vigência antes e a outra com vigência posterior ao fato e que a apólice que se aplica ao caso encontra-se na p. 132, tem o n. 811.780.062, que teve vigência de 01/01/2004 a 01/12/2005. Esta apólice restringe a responsabilidade da seguradora em caso de morte ou invalidez permanente em R$ 10.000,00 (dez mil reais), de forma que esse limite deve ser observado. Sustenta, ademais, que em caso de perda de olho, a indenização, de acordo com a Tabela, fica em 30% (trinta por cento) do total segurado. Por outro lado, alega que a apólice contempla apenas duas coberturas (morte e invalidez permanente por acidente) e não estabelece cobertura por dano pessoal ou corporal, motivo por que não há de se falar, na hipótese, em cobertura para danos morais. No pior dos casos, pede que seja observado o limite imposto na apólice, além da incidência de juros e correção monetária a partir da data do arbitramento. Ao final, pugna pela condenação do clube réu ao pagamento dos honorários sucumbenciais, dada a ilegitimidade deste para postular a denunciação à lide (e155).

Recursos tempestivos e com preparo.

Sem contrarrazões.

VOTO

1. O primeiro aspecto a ser abordado neste processo diz respeito ao fato de que, lamentavelmente, a ida a estádios com a finalidade de assistir a partidas de futebol tornou-se verdadeira atividade de risco: a necessidade de se criar regulamentação própria para o controle dos torcedores e as restrições cada vez maiores impostas pela equipe de segurança e pela Polícia Militar quando da fiscalização dos jogos não permitem conclusão...

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