Acórdão Nº 0001519-52.2019.8.24.0017 do Terceira Câmara Criminal, 14-06-2022

Número do processo0001519-52.2019.8.24.0017
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0001519-52.2019.8.24.0017/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: CLAUDINEY IBER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Dionísio Cerqueira, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Claudiney Iber, dando-o como incurso nas sanções do art. 171, caput, c/c art. 61, I, ambos do Código Penal, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

Em data próxima a setembro de 2018, no estabelecimento comercial denominado "Eletrofer", localizado na Avenida Crestani, s/n, Centro, município de Palma Sola/SC, o denunciado Claudiney Iber, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, obteve, para si, vantagem ilícita, consistente em auferir R$ 7.530,00, em prejuízo de Mansueto Santo Ferazzo, induzindo a vítima em erro mediante o artifício de solicitar troca dos cheques de fls. 6/9 por dinheiro, sendo que os cheques foram assinados por pessoa diversa do titular da conta e, por isso, não seriam compensados (ev. 8).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 14 (catorze) dias-multa, cada qual correspondente a um trigésimo do valor do salário mínimo vigente na data dos fatos, por infração ao disposto no art. 171, caput, do Código Penal. Foi-lhe concedido o direito de recorrer em liberdade (ev. 100).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu, preliminarmente, a extinção da punibilidade do acusado pela decadência, uma vez que ausente a representação da vítima. No mérito, busca a sua absolvição, baseando-se na insuficiência probatória e alegando a ausência de dolo específico na conduta. De forma subsidiária, roga pela fixação do regime aberto e pela substituição da pena corporal por restritiva de direitos. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita, ante a hipossuficiência financeira do apelante, e o prequestionamento da matéria (ev. 109).

Juntadas as contrarrazões (ev. 118), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Hélio José Fiamoncini, opinou pelo conhecimento do recurso e pelo seu não provimento (ev. 11 SG).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções previstas pelo art. 171, caput, do Código Penal.

O recurso deve ser conhecido em parte, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

1 - Preliminar

Da extinção da punibilidade pela decadência, diante da ausência de representação da vítima

Argui, a defesa, que verificada a ausência de representação do representante da empresa vítima e decorrido o prazo decadencial de 6 (seis) meses para tanto, deve ser extinta a punibilidade do acusado nos termos do art. 38, caput, do CPP c/c art. 107, inciso IV, do CP.

Pois bem.

Frente às novas disposições da Lei n. 13.964/2019, com vistas a preservar a segurança jurídica e o princípio da colegialidade, acompanho a maioria dos membros desta Câmara, que entende pela dispensa da representação formalmente expressa do ofendido, bastando a existência nos autos de elementos de convicção suficientes de que ele exerceu seu direito, ainda que informalmente, embora entenda de forma diferente.

Cumpre colacionar recente deliberação da Suprema Corte sobre o tema:

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. LEI N. 13.964/2019. INCLUSÃO DO § 5º DO ART. 171: AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE NEGATIVA DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA NOVA CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE À CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM RECURSO ESPECIAL. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VÍTIMA: REPRESENTAÇÃO QUE INDEPENDE DE FORMALIDADES. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (HC 188498 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 27/07/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 04/08/2020 PUBLIC 05/08/2020, grifou-se).

Ainda, extrai-se da decisão referente ao recurso ordinário em habeas corpus n.189.807/SC, da Relatoria do Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/08/2020 e publicado em 24/08/2020:

[...] A controvérsia diz respeito à possibilidade de retroação da norma que altera as condições de procedibilidade da ação penal.

É que a Lei que instituiu o "Pacote Anticrime" transformou o estelionato em crime de ação pública condicionada à representação, após a condenação do recorrente.

[...] mesmo quando o crime ainda era de ação pública condicionada, há prova nos autos de que a vítima demonstrou inequívoca intenção de dar início à persecução penal, a evidenciar a impropriedade do pedido.

Conforme o entendimento desta Corte, a representação prescinde de qualquer formalidade; basta que a vítima demonstre, por qualquer meio, interesse em ver iniciado o processo penal [...].

Também sobre o tema, recolhe-se desta Corte de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. PRETENSA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA DECADÊNCIA. ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.694/2019. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA DA AÇÃO PENAL, NOS CRIMES DE ESTELIONATO, PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE NÃO EXIGIU MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE, A PARTIR DE SUA VIGÊNCIA. REPRESENTAÇÃO QUE É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E NÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PEÇA, ADEMAIS, QUE NÃO EXIGE FORMALIDADE. AUTOS QUE COMPROVAM DE FORMA CLARA E INEQUÍVOCA A VONTADE DA VÍTIMA EM VER O AUTOR DO CRIME SER PROCESSADO. HIPÓTESES DO ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO VERIFICADAS. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. - "[...] tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos da punibilidade, a regra no §5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. [...] a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei n. 9.099/1995). b) se a incoativa ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna representação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial, para os fatos pretéritos, é o da vigência da novel lei" (Pacote anticrime - Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020; p. 65). - "[...] quando a ação penal pública depender de representação do ofendido ou de seu representante legal, tal manifestação de vontade, condição específica de procedibilidade sem a qual é inviável a propositura do processo criminal pelo dominus litis, não exige maiores formalidades, sendo desnecessário que haja uma peça escrita nos autos do inquérito ou da ação penal com nomen iuris de representação, bastando que reste inequívoco o seu interesse na persecução penal" (AgRg no RHC 118.489/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 12-11-2019, DJe 25-11-2019). (Embargos de Declaração n. 0001266-37.2014.8.24.0018, de Chapecó, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 18-06-2020, grifou-se).

E desta Câmara:

APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU SOLTO - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE ESTELIONATO (CP, ART. 171, ''CAPUT''). PRELIMINAR - ALEGADA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ANTE A AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA (CP, ART. 171, § 5º) - IRRETROATIVIDADE PERANTE O ATO JURÍDICO PERFEITO (OFERECIMENTO DA DENÚNCIA) - OFENDIDO QUE MANIFESTA VONTADE DE REPRESENTAR DURANTE TODO O CURSO DA AÇÃO - PRESCINDIBILIDADE DA REPRESENTAÇÃO FORMAL, JÁ QUE OS FATOS OCORRERAM ANTERIORMENTE À MUDANÇA LEGISLATIVA. "Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade. Doutrina: Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361) / Rogério Sanches Cunha - 12. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: Editora JusPODIVM, 2020, p. 413. Ademais, na hipótese, há manifestação da vítima no sentido de ver o acusado processado, não se exigindo para tal efeito, consoante a jurisprudência desta Corte, formalidade para manifestação do ofendido" (STJ, Min. Reynaldo Soares da Fonseca). [...] (Apelação Criminal n. 0002331-80.2015.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Getúlio Corrêa, Terceira Câmara Criminal, j. 14-07-2020 - grifou-se).

Sob esta ótica, in casu, o estabelecimento comercial alvo, Eletrofer, por meio da esposa de seu proprietário, Cristiane de Costa Ferazzo, firmou interesse em processar Claudiney Iber, através do boletim de ocorrência (p. 3-4 do ev. 1), assim como das declarações prestadas por ela e pelo proprietário Mansueto Santo Ferazzo, tanto na fase policial, quanto em juízo, em que também manifestam, embora informalmente, interesse em processar o denunciado.

É o que basta, segundo o entendimento firmado pela maioria, conforme visto.

Mesmo assim, cumpre registrar o meu entendimento pessoal sobre a matéria.

Por se tratar de recente...

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