Acórdão Nº 0001537-18.2010.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Civil, 12-05-2022

Número do processo0001537-18.2010.8.24.0008
Data12 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001537-18.2010.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: SIRLEI FORTUNATO CAMILO APELADO: FERNANDO AVELAR

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 23, Processo Judicial 6, fls. 37/47 dos autos de primeiro grau), de lavra do Juiz de Direito Cássio José Lebarbechon Angulski, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Sirlei Fortunato Camilo, qualificada e devidamente representada, invocou a prestação da tutela jurisdicional por meio da presente ação indenizatória, ajuizada em desfavor de Fernando Avelar, individuado. Na exordial, alega a parte autora que submeteu-se a uma cirurgia de dermolipectomia abdominal no mês de junho de 2008, realizada pelo profissional requerido, procedimento este realizado de forma adequada e sem qualquer complicação no pós operatório. Posteriormente, no mês de outubro do mesmo ano, realizou outra cirurgia com o referido profissional, denominada lipoescultura, e após dito procedimento, apresentou uma ferida na região. Diante do ocorrido, entrou em contato com o réu, que se esquivou de sua responsabilidade, tendo apenas prescrito o uso de alguns antibióticos, os quais, no entanto, não surtiram qualquer efeito. Assim, retornou à clínica do requerido, momento em que, diante da ausência deste, foi atendida por um médico substituto, que receitou outros medicamentos e coletou material da região para exame. Tais recomendações, da mesma forma, não melhoraram a situação da parte autora, que só se agravava, com um aumento considerável da ferida e a presença de bactérias no local. Após passar por alguns profissionais e diante da completa desídia do requerido, a autora submeteu-se a novo procedimento cirúrgico com o Dr. Mauro Rafael da Igreja. Imputando a responsabilidade ao réu pela inadequação do procedimento realizado, requereu a condenação deste na reparação de todos os danos sofridos. Teceu outras considerações de fato e de direito, que por questão de brevidade ficam fazendo parte, valorou a causa e instruiu a exordial com documentos. O despacho de fl. 153 deferiu à parte autora os benefícios da Justiça Gratuita, inverteu o ônus da prova e determinou a citação da parte ré para, querendo, oferecer defesa. Citado, o réu impugnou os fatos e pleitos iniciais por meio da peça contestatória de fls. 158/169, através da qual sustenta que não foi omisso quanto aos fatos vivenciados pela parte autora. Aduz que este deve demonstrar o alegado na exordial e, por fim, impugnou os pedidos indenizatórios, pleiteando pela improcedência da pretensão inicial. Houve réplica. Na sequência, a decisão de saneamento de fls. 204/205 designou data para a realização de audiência de instrução e julgamento e deferiu a realização de prova pericial. Por ocasião da audiência, presentes as partes e seus procuradores, a proposta conciliatória restou inexitosa, momento em que foram ouvidas 03 testemunhas da parte autora e 02 da parte ré. O laudo pericial acostou ao feito às fls. 463/464, sobre o qual as partes apresentaram suas considerações. Nova testemunha foi ouvida por meio de Carta Precatória, declarando-se, assim, encerrada a instrução do feito. As partes apresentaram alegações finais, por memoriais, vindo-me os autos conclusos.

O Magistrado julgou improcedente o pedido exordial, nos seguintes termos:

Ante o exposto e o que do mais dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, momento em que declaro extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais arbitro na ordem de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), ex vi do disposto no artigo 85, § 8.º, do CPC, ficando tal cominação suspensa, no entanto, em razão do deferimento dos benefícios da Justiça Gratuita. Por tal razão, considerando que a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, expeça-se certidão de honorários em prol do perito para fins de execução de seu crédito pelos meios legalmente previstos.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs apelação, na qual alega que o caso trata de cirurgia estética e o cirurgião assume a obrigação de resultado, destacando que procurou o médico apelado para corrigir imperfeições estéticas do abdômen e se presume a culpa do cirurgião quando não atingido o resultado esperado, incumbindo ao paciente a comprovação da existência da obrigação e a sua inexecução, enquanto ao médico incide o ônus probatório de sua atuação diligente, com a adoção das medidas que evitassem cicatrizes indesejáveis.

Argumenta estar demonstrada a falha do serviço médico prestado pelo réu, diante das fotografias juntadas e do laudo pericial, que atestam de maneira clara e precisa as deformidades em seu corpo.

Salienta que ainda que a prova pericial seja vaga, o julgador não está adstrito ao laudo do expert, podendo firmar seu convencimento com os demais elementos probatórios e pelos fatos comprovados.

Assevera que o médico que prestou depoimento em favor do réu foi ouvido na qualidade de informante, além de deter interesse na causa, mas já depôs de forma diversa em ação semelhante a esta.

Destaca que a cirurgia estética não atingiu o resultado e necessitou de novo procedimento cirúrgico para correção dos efeitos da primeira cirurgia, mas esta nova intervenção acarretou em consequências estéticas piores, tornando a cicatriz assimétrica e larga.

Salienta ser dever do médico o efetivo acompanhamento pré-cirúrgico na identificação de fatores que poderão ensejar cicatrizes hipertróficas, ou seja, existe a possibilidade de o médico advertir o paciente sobre resultado estético abominável, não tendo o réu no caso adotado providência pré-cirúrgica para garantir a satisfação da paciente, sendo do ora apelado o ônus probatório de comprovar lhe ter cientificado acerca dos riscos e consequências da cirurgia plástica, especialmente das cicatrizes anormais.

Argui que no "Termo de Consentimento Informado" juntado pelo apelado, ainda que exista referência sobre a existência de cicatriz permanente como resultado da cirurgia, não comprova que a paciente foi adequadamente avisada acerca dos efeitos do procedimento cirúrgico, haja vista que tal advertência não se limitava a subscrição do citado termo, que foi redigido genericamente e análogo a contrato de adesão.

Enfatiza que em decorrência da cirurgia o seu problema não mais é estético e passou a ser uma deformidade, a qual caracteriza a falha na prestação do serviço, com a comprovação do nexo causal e do dano.

Defende estar comprovado o erro médico e o dever indenizatório por danos imateriais, com a presunção dos seus incômodos e sofrimentos, que lhe causaram transtornos emocionais com reflexos em sua vida afetiva, bem como está evidenciado o dano estético diante da deformidade na região abdominal, além de dever ser imposta ao réu a condenação por lucros cessantes e danos materiais, estes demonstrados pelas despesas com a cirurgia em questão e em decorrência dela.

Requer o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, com a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 200 salários mínimos, danos estéticos na quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), danos materiais e lucros cessantes (evento 23, processo judicial 6, fls. 52/64 , correspondente às fls. 639/651 dos autos físicos).

Às fls. 78/90 do Processo Judicial 6 do evento 23 (correspondentes às fls. 665/677 do caderno processual físico) foi juntada novamente a peça recursal.

Contrarrazões no evento 23, Processo Judicial 6, fls. 108/120.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a exceção contida no § 2º, VII, primeira parte, do mesmo dispositivo legal.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Inicialmente, como consta do relatório, a apelante protocolizou em duplicidade nos autos a peça recursal (evento 23, processo judicial 6, fls. 52/64, correspondente às fls. 639/651 dos autos físicos e fls. 78/90 do Processo Judicial 6 do evento 23, correspondentes às fls. 665/677 do caderno processual físico), devendo ser conhecido a primeira delas, haja vista o princípio da consumação.

Narra a apelante que se submeteu a cirurgia plástica no abdômen realizada pelo médico acionado e após o referido procedimento iniciou ferida, sendo que após tentativas frustradas de resolução do problema pelo esculápio foi atendida por outro médico da clínica, o qual receitou medicamentos e coletou material do local da lesão para exames.

Ressalta que posteriormente o ferimento se agravou e necessitou de novo procedimento cirúrgico realizado pelo médico Mauro Rafael da Igreja. Assim, por entender que a atuação do réu foi inadequada postulou a reparação dos danos.

Em sua peça defensiva, em resumo, o médico réu alegou que o ferimento/cicatriz não decorreu da cirurgia, mas da ausência de repouso, de higiene e utilização inadequada de antibiótico, além de ter informado os riscos da cirurgia por meio de termo de conhecimento subscrito pela autora.

Após a regular tramitação do feito sobreveio a sentença de improcedência dos pedidos pelos seguintes argumentos:

Das respostas aos quesitos acima destacados e da leitura da completude do laudo pericial, tem-se que a complicação no pós operatório ocorrida era algo possível e plenamente admitida em razão da intervenção realizada quando do primeiro procedimento (cirurgia de dermolipectomia abdominal). Ademais, tem-se que a infecção não se deu por culpa do profissional requerido, posto que, conforme esclarecimento do perito nomeado, tal circunstância pode ter diversas causas. [...] Dos...

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