Acórdão Nº 0001562-84.2005.8.24.0047 do Segunda Câmara de Direito Público, 23-08-2022

Número do processo0001562-84.2005.8.24.0047
Data23 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0001562-84.2005.8.24.0047/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: MAURI EDGAR GREIN (RÉU) APELADO: MARCELO POVALUK (RÉU) APELADO: OCTAVIO WUNSCHE (RÉU) APELADO: PERCIVAL SASKOSKI (RÉU) APELADO: VALDIR VANESKI (RÉU) APELADO: ILSON TEOFILO BUENO (RÉU) APELADO: JOSE VALMIR TEIXEIRA LISBOA (RÉU) APELADO: MARIA OLIVIA LEFFECK KUIAVSKI (RÉU) APELADO: NELSON FREDERICO (RÉU) APELADO: ORLI MACEDO (RÉU) APELADO: OTAVIO FERENS (RÉU) APELADO: SIZENANDO JUNGLES GONCALVES (RÉU) APELADO: TADEU OSINSKI (RÉU) APELADO: VILMAR ALVES (RÉU) APELADO: VILMAR BUENO LIMA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e apelação cível interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra a sentença que, na ação civil de improbidade administrativa ajuizada pelo ora insurgente em face do MAURI EDGAR GREIN, LISON TEÓFILO BUENO, JOSÉ WALMIR TEIXEIRA LISBOA, MARCELO POVALUK, MARIA OLÍVIA LEFFECK KUIAVSKI, NÉLSON FREDERICO, OTÁVIO WUNSCHE, ORLI MACEDO, OTÁVIO FERENS, PERCIVAL SASKOSKI, SEZINANDO JUNGLES GONÇALVES, TADEU OSINSKI, VALDIR VANESKI e VILMAR ALVES, VILMAR BUENO LIMA, julgou improcedentes os pedidos (Evento 520, em 1ºgrau).

Afirma que Mauri Edgar Grein, enquanto Prefeito Municipal, e Ílson Teófilo Bueno, então responsável pelas folhas de pagamento do Setor de Recursos Humanos, promoveram pagamentos de verbas aos demais servidores públicos municipais requeridos em desacordo ou que nem sequer estavam previstas em lei. Sustenta que a sentença é nula por falta de fundamentação, na medida em que não examinou pretensão relacionada à condenação dos apelados Mauri e Ílson pela prática de ato de improbidade administrativa que gerou prejuízo ao erário, e muito menos apreciou a irregularidade do pagamento de cada uma das rubricas pagas aos servidores de forma ilegal. Na questão de fundo, argumenta que há configuração de ato que causa prejuízo ao erário por aqueles, pois agiram com dolo ou pelo menos culpa grave, decorrente da inobservância da legislação local, não se podendo vislumbrar dolo dos demais, de forma que, quanto a eles, apenas cabe o ressarcimento do dano. Noutro flanco, defende que Mauri Edgar Grein e Ílson Teófilio Bueno também praticaram ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade (Evento 512, em 1º grau).

Sem contrarrazões (Evento 520, em 1º grau).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Rogê Macedo Neves, manifestou-se pelo provimento do recurso (Evento 10).

O feito foi sobrestado em razão do Tema 1.042/STJ (Evento 12).

Em face da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2011, determinou-se intimação das partes para manifestação (Evento 37).

O apelante veio aos autos, oportunidade em que defendeu a irretroatividade dos preceitos estabelecidos pela Lei n. 14.230/2021 aos fatos sob julgamento, sob pena de grave retrocesso à proteção do direito fundamental à probidade administrativa, com violação ao regime constitucional e convencional acerca da matéria (Evento 41).

Dos apelados, apenas Octavio Wunsche, Aldir Vaneski, Vilmar Alves e Vilmar Bueno Lima e Nelson Frederico manifestaram-se (Eventos 60, 62, 63 e 54).

Após nova vista, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer exarado pelo Excelentíssimo Senhor Marcelo Truppel Coutinho, manifestou-se pela irretroatividade das disposições contidas na Lei n. 14.230/2021, a fim de que não incidam no caso sob análise (Evento 67).

VOTO

1. De início, de rigor trazer o entendimento acerca dos efeitos da entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, a qual alterou grande parte da Lei n. 8.429/1992 - Lei de Improbidade Administrativa.

Com efeito, segundo orientação adotada por esta Corte, a Lei de Improbidade Administrativa faz parte do Direito Administrativo Sancionador, de forma que incidente o art. 5º, XL, da CF/1988, segundo o qual a lei penal deve retroagir apenas e tão somente para beneficiar o réu:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Observe-se que mesmo antes da edição da Lei n. 14/230/2021, já se compreendia a improbidade administrativa dentro do Direito Administrativo Sancionador. Agora, com as alterações, está expresso no art. 1º, § 4º, da LIA: "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Sobre o ponto, bem defendeu o eminente Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva:

Ao adotar o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o objetivo não é negar o caráter fundamental da proteção à probidade administrativa.

Seguindo o paralelo com o Direito Penal, é possível notar que, mesmo com sucessivas alterações legislativas, os bens jurídicos continuam sendo protegidos, mas isso não obsta que, eventualmente, haja abolitio criminis.

A mesma lógica aplica-se ao direito administrativo sancionador - e não porque eventual conduta ímproba passa a ser socialmente aceita, mas pelo fato de o legislador reconhecer que já não era mais viável puni-la com as penas duras e severas previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

O objetivo continua sendo a proteção do direito fundamental, mas o rol de condutas não é imutável e isso, por si só, não viola o princípio da vedação ao retrocesso e tampouco configura proteção deficiente.

Assim, não há falar em inconstitucionalidade do art. 4º, VI, da Lei n. 14.230/2021.

O órgão ministerial também sustenta a inaplicabilidade da Lei n. 14.230/2021 aos atos de improbidade praticados antes da sua vigência, pois se aplica o princípio tempus regit actum, segundo o qual deve ser adotada a norma de direito material vigente à época da ocorrência do fato.

Diante da aplicação supletiva das normas de direito penal, fica afastado o princípio tempus regit actum, de modo que a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa deve retroagir para alcançar os fatos pretéritos, no que for mais favorável ao réu (AC n. 0900599-55.2017.8.24.0039, TJSC, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 01-02-2022 - grifou-se).

Nesse contexto, as modificações promovidas por força da Lei n. 14.230/2021, em benefício do acusado, devem ser aplicadas mesmo a fatos ocorridos preteritamente.

Vale registrar que o STF reconheceu repercussão geral sobre essa questão, qual seja, "Definição de eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo - dolo - para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente" (Tema 1.199/STF).

Porém, não houve determinação de sobrestamento de processos nas instâncias ordinárias, mas tão somente dos recursos especiais, de modo que não há obstáculo ao julgamento do feito.

2. Outrossim, tem-se que a pendência de apreciação do Tema 1.042/STJ (que visa "definir se há - ou não - aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992 [...])", não impede o trâmite do feito, uma vez que o art. 17-C, § 3º, da LIA, em razão da alteração da Lei n. 14.230/2021, expressamente fez constar que "não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei".

A respeito, colhe-se precedente desta Câmara de relatoria do eminente Des. Carlos Adilson da Silva:

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO EM RAZÃO DO TEMA 1.042/STJ. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.203/21, QUE, DENTRE OUTRAS ALTERAÇÕES, SUPRIMIU O REEXAME NECESSÁRIO (§ 3º DO ART. 17-C). RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA AO RÉU. SENTENÇA NÃO MAIS SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO, APESAR DA AFETAÇÃO DA MATÉRIA PROMOVIDA PELA CORTE SUPERIOR. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "(...) o legislador foi mais além na Lei n. 14.230/2021 e, de certa forma, impôs uma radical modificação no entendimento pretoriano, que atestava, até então, a natureza extrapenal da Lei n. 8.429/92. Com a modificação advinda do art. 17-D, da Lei n. 14.230/2021, impôs o legislador a todos os tribunais pátrios, a ideia da natureza sancionadora da Lei de Improbidade, deixando-se expresso no texto normativo que não se trata de uma "ação civil". É uma claríssima mensagem ao intérprete, para que confira as garantias penais compatíveis ao caso concreto. [...] Dito isso, não há dúvida de que, em se tratando de uma ação sancionadora, a supressão do reexame obrigatório pela nova Lei claramente beneficia o réu, de modo que sua retroatividade, é regra claríssima a ser aplicada" (Reexame Necessário n. 0014372-65.2009.8.24.0075, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 13-12-2021). (TJSC, Apelação n. 0900085-81.2014.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 22-03-2022).

Assim, não se conhece do reexame necessário.

3. A prefacial de nulidade da sentença não merece prosperar.

Com efeito, em que pese o pronunciamento judicial não detalhar uma a uma as rubricas ditas pagas indevidamente pelos gestores públicos apelados, o conteúdo da fundamentação é suficiente para extrair o entendimento de que, apesar do pagamento não ter seguido a norma de regência, não se configurou improbidade administrativa.

Outrossim, a improcedência do pedido, também na forma do que declinado na sentença, deu-se em razão da falta de má-fé dos administradores públicos, sob o argumento de que "a simples ilegalidade, por si só, não é suficiente para...

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