Acórdão Nº 0001590-08.2019.8.24.0000 do Órgão Especial, 15-09-2021

Número do processo0001590-08.2019.8.24.0000
Data15 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualIncidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível (Órgão Especial) Nº 0001590-08.2019.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

SUSCITANTE: 2ª Câmara de Direito Público MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: ALTAIR APARECIDO TOBIAS ADVOGADO: JAIME DA SILVA DUARTE INTERESSADO: ANDERSON SERAFIM ROSA ADVOGADO: JAIME DA SILVA DUARTE INTERESSADO: MUNICÍPIO DE ARAQUARI/SC

RELATÓRIO

Altair Aparecido Tobias e Anderson Serafim Rosa impetraram 'mandado de segurança' contra ato do Prefeito Municipal de Araquari que indeferiu o pedido de licença para concorrerem a cargo eletivo, com ameaça de suspensão dos vencimentos e instauração de processo administrativo disciplinar, sob o fundamento de que "a negativa da autoridade coatora estava amparada em norma municipal maculada por inconstitucionalidade, uma vez que cria uma nova modalidade de inelegibilidade", e assim, usurparia "a competência da União para legislar sobre Direito Eleitoral (Lei Complementar n. 64/90)" (evento 49, Acórdão 62, fl. 3).

Após a concessão da liminar, e a manifestação do Ministério Público pela concessão da segurança com a declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo, o magistrado a quo declarou a inconstitucionalidade do art. 106 da LCM n. 117/11 no que se refere à licença do inciso VI do art. 102 da mesma lei (evento 49, Acórdão 62, fls. 3/4).

Decorreu o prazo sem a interposição de recurso voluntário e os autos ascenderam a este Tribunal para submissão à remessa necessária.

Em análise do feito, a Segunda Câmara de Direito Público decidiu suspender o julgamento da remessa e encaminhar os autos a este Órgão Especial, com fundamento no art. 58, I, 'f', do Regimento Interno, a fim de que se pronuncie sobre a inconstitucionalidade do art. 106 da Lei Complementar n. 117/2011 o qual "veda a concessão de licença ao servidor que esteja respondendo a processo administrativo disciplinar, no que se refere, ao menos, ao licenciamento para 'atividades políticas'" (evento 49, Acórdão 62, fl. 5).

Submeteu-se, assim, a este órgão a análise incidental de arguição de inconstitucionalidade do art. 106 da Lei Complementar n. 117/11 do Município de Araquari, "em relação à licença para concorrer a cargo eletivo, prevista no inciso VI do art. 102 do mesmo diploma" (evento 49, Acórdão 62, fl. 1), que assim dispõe:

"Art. 102. Conceder-se-á licença ao servidor: [...]

VI - para atividades políticas, previstas em Lei"

"Art. 106. Não se concederá licença ao servidor nomeado antes de completar 3 anos no exercício do cargo ou que estiver em estágio probatório ou respondendo processo disciplinar, com exceção do inciso III nos casos em que o cargo comissionado for correlato ao efetivo e do inciso V, ambos do artigo 102, desta lei."

Os autos vieram a mim por redistribuição (evento 11, Termo 4).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Procurador de Justiça, Paulo de Tarso Brandão, opinou pela procedência do pedido, "para que seja declarado inconstitucional o artigo 106 da Lei Complementar n. 117, de 17 de maio de 2011, do Município de Araquari, por violação aos artigos e da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, que guardam consonância com o artigo 5º, caput e inciso LVII, e artigo 22, inciso I, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988" (evento 21, Parecer 21).

É o breve relato.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é no sentido de acolher a arguição de inconstitucionalidade.

2. Da jurisdição constitucional sobre leis municipais:

De início, necessário se faz discorrer acerca da forma, parâmetro e competência do controle de compatibilidade vertical de uma norma municipal, cuja análise pressupõe, inclusive, a delimitação das competências.

2.1. Do controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por meio da ação direta:

Ao Supremo Tribunal Federal (STF) incumbe, precipuamente, a guarda Constituição Federativa e, nessa condição, a competência para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, 'a', CRFB/88):

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:I - processar e julgar, originariamente:a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;" (grifou-se).

Como se pode observar, o legislador constituinte optou por excluir a competência do STF para declarar, em concreto, a inconstitucionalidade de lei municipal, o que somente seria permitido em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), a teor do art. 102, § 1º, da CRFB/88.

Atribuiu, por outro lado, à esfera estadual, a competência para apreciar as arguições de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CRFB/88): "Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão" (grifou-se).

A Constituição do Estado de Santa Catarina, por sua vez, atribuiu ao Tribunal de Justiça, a competência para processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade de leis municipais contestados em face da Constituição Estadual:

"Art. 83 Compete privativamente ao Tribunal de Justiça:(...)XI - processar e julgar, originariamente:f) as ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais contestados em face desta Constituição;" (grifou-se).

O STF fixou parâmetros que delimitam a competência estadual para o julgamento de arguições de inconstitucionalidade - os quais devem ser respeitados, sob pena de usurpação da competência da Suprema Corte - podendo ser assim delineadas:

a) Do parâmetro de controle:

Não compete aos Tribunais de Justiça apreciarem, por meio de ação direta, a inconstitucionalidade de leis municipais e estaduais incompatíveis com a Constituição Federal, de forma que se uma lei ou ato normativo municipal ou estadual estiver em desconformidade com a Constituição Federativa, tal matéria não poderá ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade pelos Tribunais do Estados, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"Reclamação. Ação direta de inconstitucionalidade proposta, perante Tribunal estadual, com base em afronta a dispositivo constitucional estadual e a dispositivo constitucional federal. Reclamação julgada procedente, em parte, para trancar a ação direta de inconstitucionalidade quanto a 'causa petendi' relativa a afronta a Constituição Federal, devendo, pois, o Tribunal reclamado julga-la apenas no tocante a 'causa petendi' referente a alegada violação a Constituição Estadual, 'causa petendi' esta para a qual e ele competente (artigo 125, par. 2., da Constituição Federal)" (STF, Rcl n. 374, rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, j. 9.3.94).

Ainda que houvesse na Constituição Estadual previsão para atuação do Tribunal local, por meio da ação direta, "não se mostra possível a instituição de controle de constitucionalidade de leis municipais tendo como parâmetro a Constituição Federal, de competência dos Tribunais de Justiça", haja vista que "A Constituição Estadual é, portanto, o parâmetro para a fiscalização de constitucionalidade em âmbito estadual. Em face dela podem ser contrastadas tanto as normas estaduais como as municipais que devem subsumir-se aos seus princípios e observar os seus termos, quando disciplina matérias de competência do Estado-membro" (DUTRA. Carlos Roberto de Alckimin. O controle estadual de constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo : Saraiva, 2005, págs. 83/84).

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já rechaçou tal possibilidade, ao declarar a inconstitucionalidade de artigo da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais que atribuía competência ao Tribunal de Justiça Estadual para apreciar a compatibilidade vertical entre norma municipal em face da Constituição Federativa:

"Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, § 2º): cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais - sejam estaduais ou municipais -, em face da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes" (STF, ADI n. 409, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 13.3.02 - grifou-se).

"DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL, EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CABIMENTO ADMITIDO PELA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE ATRIBUI COMPETÊNCIA AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSÁ-LA E JULGÁ-LA. INADMISSIBILIDADE. 1. O ordenamento constitucional brasileiro admite Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, em face da Constituição estadual, a serem processadas e julgadas, originariamente, pelos Tribunais de Justiça dos Estados (artigo 125, parágrafo 2° da C.F.). 2. Não, porém, em face da Constituição Federal. 3. Aliás, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal tem competência para Ações dessa espécie, pois o art. 102, I, "a", da C.F. só a prevê para Ações Diretas de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não, assim, municipal. 4. De sorte que o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, diante da Constituição Federal, só se faz, no Brasil, pelo sistema difuso, ou seja no julgamento de casos concretos, com eficácia, "inter partes", não "erga omnes". 5. Precedentes. 6. Ação Direta julgada...

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