Acórdão nº 0001591-61.2013.8.14.0200 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Penal, 25-09-2023

Data de Julgamento25 Setembro 2023
Órgão2ª Turma de Direito Penal
Número do processo0001591-61.2013.8.14.0200
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoPeculato

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0001591-61.2013.8.14.0200

APELANTE: RAIMUNDO NONATO DE SOUSA LIMA, RUTH LEA COSTA GUIMARAES

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargador LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSO PENAL MILITAR. ILEGALIDADE DAS PROVAS DETERMINADAS POR JUÍZO INCOMPETENTE. INADMISSIBILIDADE. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À TEORIA MONISTA REJEITADA. CONDUTA CIVIL DISTINTA DA CONDUTA DO MILITAR, CORRÉU. NULIDADE DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. REJEIÇÃO. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DE MÉRITO. IMPROCEDENTE. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA. INCIDÊNCIA DE CAUSA DE AUMENTO CORRESPONDENTE À CONTINUIDADE DELITIVA NÃO INVOCADA EXPRESSAMENTE PELO MEMBRO DO PARQUET. IMPOSSIBILIDADE. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO §1º, DO ART. 303, CPM, IMPOSTA PELO MAGISTRADO E CONSELHO DE SENTENÇA. EXCLUSÃO, DE OFÍCIO. VIOLAÇÃO AO CPM. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DAS CONDUTAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. RETIFICAÇÃO DA CAPITULAÇÃO PENAL LEGAL. CONDUTA QUE SE ENQUADRA NOO TIPO PECULATO-DESVIO (ART. 303, CAPUT, PM). REDIMENSIONAMENTO DA PENA. PRETENDIDA INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DO COMPORTAMENTO MERITÓRIO ANTERIOR (ART. 72, II, DO CÓDIGO PENAL MILITAR). INDEFERIMENTO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CONDUTA EXCEPCIONAL ÀQUELA DO COTIDIANO DA CASERNA. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Egrégia 2ª Turma de Direito Penal, à unanimidade, em CONHECER DO RECURSO E, NO MÉRITO, DAR PARCIAL PROVIMENTO e, de Ofício, retificar a capitulação legal imposta aos apelantes para a previsão do artigo 303, caput (peculato-desvio), do Código Penal Militar, excluir a causa de aumento prevista no §1º, do art. 303, do mesmo Diploma Castrense e redimensionar a pena, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos vinte e cinco dias do mês de setembro do ano de dois mil e vinte e três.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Vânia Fortes Bitar Cunha.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DES. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR (RELATOR):Tratam-se de Recursos de Apelação interpostos por Ruth Léa Costa Guimarães e Raimundo Nonato de Sousa Lima, inconformados com os termos da sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara Única da Justiça Militar do Estado do Pará, que julgou parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar do Estado do Pará, condenando-os como incurso no artigo 303, §1º e 2º c/c art. 80, todos do Código Penal Militar.

A primeira ré teve sua pena definitiva fixada em 10 (dez) anos de reclusão, e o segundo réu em 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a serem cumpridas, inicialmente, em regime fechado. O segundo réu foi condenado, ainda, à pena acessória de expulsão da corporação.

As razões recursais da apelante RUTH LEA COSTA GUIMARAES, id8926151 a id8926164, e do apelante RAIMUNDO NONATO DE SOUSA LIMA, em id8926173 a id8926212, voltam-se, preliminarmente, ao desentranhamento de provas colhidas no inquérito policial, nulidade processual por suposta inversão da ordem dos depoimentos durante a instrução, e nulidade da sentença, por ausência de fundamentação fática e jurídica. No mérito, pugnaram pela absolvição por insuficiência probatória, aplicação da pena no mínimo legal, reconhecimento de atenuante (conduta meritória anterior) e desconsideração da continuidade delitiva, realizando nova dosimetria da pena.

Em Contrarrazões, o Ministério Público (id8926169 e id8926523), arguiu preliminar de inépcia e, no mérito, requereu a manutenção da sentença.

A d. Procuradoria de Justiça emitiu parecer pelo improvimento recursal (id 9311905).

É o relatório do necessário.

À Douta Revisão.

Submeta-se o feito ao Plenário Virtual (artigo 140-A do Regimento Interno desta Egrégia Corte).

VOTO

O EXMO. SR. DES. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR (RELATOR):

1. DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pela inépcia dos recursos, aduzindo que os apelantes não combateram os fundamentos fáticos e jurídicos da sentença guerreada, atendo-se em repetir os temas levantados na defesa.

Não assiste razão ao membro do Parquet.

Para o c. STJ a mera reprodução da petição inicial nas razões da apelação não enseja, por si só, afronta ao princípio da dialeticidade ( AgInt no AREsp 1.650.576/SP , Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 28/9/2020, DJe 1/10/2020).

Ademais, nas razões das apelações da defesa verifico que ambos impugnaram de forma específica e pormenorizada os fundamentos utilizados na decisão recorrida, pelo menos no que entenderam contrários à tese defendida.

Assim, data venia, não acolho o pleito Ministerial.

Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade das apelações interpostas, conheço dos recursos.

2. PRELIMINARES

2.1. NULIDADE PROCESSUAL

2.1.1. Provas Produzidas por Juízo Incompetente - Desentranhamento das provas colhidas em Inquérito Policial

Os apelantes alegam que as provas requeridas pela Delegada Paula Nyandra e decretadas pela Justiça Comum (busca e apreensão e escuta telefônica), são ilegais, visto que não detêm competência para decretar diligências para apuração de crimes militares.

Analisando os autos, verifico que o inquérito foi instaurado para apurar supostas irregularidades praticadas por Maria Ierecê de Carvalho, quando se encontrava na presidência da Fundação Pestalozzi, pois havia suspeitas de que autorizava o Sr. Nicanor Joaquim da Silva, pessoa estranha ao quadro de funcionários, a vender bens doados à Fundação, de forma irregular.

Porém, no decorrer da investigação constatou-se que militares estariam envolvidos, recebendo vantagens (dinheiro, passagens, etc.,), visto que formalizavam as doações e autorizavam o Sr. Nicanor a pegar e vender os veículos, ao invés de prover a destinação dos bens para os fins a que se destinavam.

Assim, considerando que somente no curso das investigações e análise do conteúdo da diligência investigatória é que se verificou a existência de indícios da prática de crimes pelos apelantes, entendo que posterior modificação da competência não possui o condão de invalidar a interceptação telefônica anteriormente determinada por Juízo que até então era competente para o processamento do feito.

Não há ilegalidade nas provas autorizadas inicialmente por juízo competente para o julgamento da ação principal à luz dos elementos indiciários que embasaram o pedido da diligência, mas que, após a apuração dos fatos, mostrou-se incompetente. É o que chamamos de Teoria do Juízo Aparente.

De acordo com precedentes do STJ, o pedido de interceptação deve ser formulado perante o juízo aparente, fixando-se a competência pelo "fato suspeitado", objeto do inquérito policial, ainda que, em momento posterior, diverso venha a ser o "fato imputado" ( AgRg no AREsp 968.679/RS , Rel. Min. Jorge Mussi, quinta turma, j. em 9/10/2018, DJe 9/11/2018).

Na mesma linha:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE PROCESSUAL E HOMICÍDIO DOLOSO PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. ALEGADA NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS POR VIOLAÇÃO DO JUIZ NATURAL. FASE INVESTIGATIVA. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O princípio do juiz natural deve ser examinado com cautela na fase investigativa, especialmente nas hipóteses em que não se mostram ainda definidas as imputações, os agentes envolvidos e a respectiva competência. 2. Tal entendimento - que passou a ser denominado teoria do juízo aparente - surgiu como fundamento para validar medidas cautelares autorizadas por Juízo aparentemente competente que, em momento posterior, fora declarado incompetente. Contudo, a partir do julgamento do HC 83.006/SP (Tribunal Pleno, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 18/6/2006, DJ 29/8/2003), passou-se a entender que mesmo atos decisórios - naquele caso, a denúncia e o seu recebimento - emanados de autoridades incompetentes rationae materiae, seriam ratificáveis no juízo competente. Precedentes do STF. 3. No caso em exame, a interceptação telefônica foi autorizada pelo juízo aparente, observados os preceitos legais para o deferimento da medida, não havendo nulidade a ser declarada. 4. A jurisprudência desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de ser possível à autoridade competente a ratificação dos atos instrutórios e decisórios proferidos pelo Juízo incompetente. 5. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief), o que não correu na hipótese. 6. Recurso não provido. (STJ - RHC: 101284 PR 2018/0192632-7, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 25/06/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2019).

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TESE DE NULIDADE DA DECISÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA POR INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. VALIDADE DA DECISÃO. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. POSTERIOR RATIFICAÇÃO DO ATO PELO JUÍZO FEDERAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. No caso, a internacionalidade/transnacionalidade dos fatos - circunstância que altera a competência para o julgamento do feito da Justiça Estadual para a Justiça Federal - foi evidenciada após a decisão de interceptação telefônica, com o desenvolvimento das investigações, de modo que o Juízo Estadual de Porto Murtinho/MS era o competente para tal decisão. Outrossim, efetuada a remessa dos autos ao Juízo Federal, foram ratificados todos os atos decisórios praticados pelo Juízo inicialmente competente. 2. Considerada essa conjuntura, não há como reconhecer a ilegalidade apontada pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT