Acórdão Nº 0001604-52.2017.8.24.0035 do Quinta Câmara Criminal, 13-02-2020

Número do processo0001604-52.2017.8.24.0035
Data13 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemItuporanga
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0001604-52.2017.8.24.0035, de Ituporanga

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES (ARTIGO 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO.

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ACUSADO QUE SUBTRAI DIVERSOS ALIMENTOS E UTENSÍLIOS DE COZINHA DO CENTRO MUNICIPAL MULTIUSO. PRESCINDIBILIDADE DO AUTO DE AVALIAÇÃO. SENSO COMUM. RÉU CONTUMAZ NA PRÁTICA DE DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO. PERICULOSIDADE SOCIAL MANIFESTA E ALTA REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO DEFLAGRADO. EXPRESSIVIDADE DO VALOR DA RES FURTIVA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ESTADO DE NECESSIDADE. FURTO FAMÉLICO. INOCORRÊNCIA. PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 24 DO CÓDIGO PENAL NÃO PREENCHIDOS. AUSÊNCIA DE PROVAS DO ESTADO DE MISERABILIDADE. CONDUTA TÍPICA. CONDENAÇÃO MANTIDA.

DOSIMETRIA. PEDIDO GENÉRICO DE REDUÇÃO DA PENA. ACOLHIMENTO EM PARTE. PENA-BASE DEVIDAMENTE JUSTIFICADA. ETAPA INTERMEDIÁRIA. QUANTUM DE 1/4 PELO RECONHECIMENTO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA QUE NÃO ENCONTRA SUPORTE NO CRITÉRIO PROGRESSIVO UTILIZADO POR ESTA CORTE. READEQUAÇÃO NO PONTO.

PENA DE MULTA. VALOR FIXADO QUE NÃO GUARDA PROPORCIONALIDADE COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE FIXADA AO RÉU. READEQUAÇÃO PROCEDIDA DE OFÍCIO.

PRETENSA ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL FECHADO PARA O ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. RÉU MULTIRREINCIDENTE E COM CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. SÚMULA 269 DO STJ NÃO APLICÁVEL AO CASO. MANUTENÇÃO DO REGIME.

HONORÁRIOS DO DEFENSOR NOMEADO. ARBITRAMENTO DEVIDO. VALORES ESTABELECIDOS NOS TERMOS DO ARTIGO 85, §§ 2º E 8º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DAS RESOLUÇÕES NS. 5 E 11 DO CONSELHO DA MAGISTRATURA DESTE TRIBUNAL.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0001604-52.2017.8.24.0035, da comarca de Ituporanga 2ª Vara em que é Apelante Mauro Machado Schackow Correa e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso dando-lhe parcial provimento para, tão somente, reajustar a reprimenda conferida ao réu, nos termos do voto, tonando-a definitiva em 1 (um) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, mantidas as demais cominações legais estabelecidas na sentença.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Luiz César Schweitzer, e dele, com voto, participaram a Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer e o Exmo. Sr. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga.

Compareceu à sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva.

Florianópolis, 13 de fevereiro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Ituporanga, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Mauro Machado Schackow Correa, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso I, na forma do artigo 14, II, ambos do Código Penal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (fls. 46/48):

"[...]

Entre os dias 5 e 8 de maio de 2017, em horário a ser apurado durante a instrução, o denunciado Mauro Machado Schackow Correa se dirigiu até a Rua Bernardo Henrique Hilleschein, Centro, Município de Chapadão do Lageado, mais precisamente no Centro Municipal Multiuso, e, ciente da reprovabilidade de sua conduta, rompeu a porta da lavanderia para adentrar no local e de lá subtraiu, para si ou para outrem, diversos mantimentos da cozinha, como cinco dúzias de ovos, dez caixas de leite, vários pacotes de carne bovina e de frango congelados, pacotes de salsicha, linguiça calabresa, café solúvel, caldo de galinha, massa de pastel, salame, pacotes de queijo fatiado, latas de azeite, um pacote de macarrão, além de outros produtos e utensílios que não puderam ser identificados, todos de propriedade do Município de Chapadão do Lageado, evadindo-se do local na posse dos produtos citados.

No dia 8 de maio de 2017, segunda-feira, quando os funcionários chegaram ao local e comunicaram a ocorrência da subtração dos produtos à Polícia Civil, iniciaram-se as diligências que culminaram na apreensão de vários produtos subtraídos na residência do denunciado Mauro Machado Schackow Correa.

[...]"

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença, nos seguintes termos (fls. 121/129):

"[...]

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fundamento no artigo 387 do Código de Processo Penal, julgo parcialmente procedente a denúncia formulada pelo Ministério Público de Santa Catarina para condenar Mauro Machado Schackow Correa, já qualificado, a pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, bem como ao pagamento de 18 (dezoito) dias-multa (cada um no valor de um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, corrigido monetariamente), por infração aos preceitos contidos no artigo 155, caput, do Código Penal.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais (artigo 804 do CPP).

Porque respondeu ao feito nesta condição, concedo ao réu o benefício de recorrer em liberdade.

Deixo de condenar o réu ao ressarcimento do dano, uma vez que não há pedido neste sentido.

Conforme determina o artigo 201, § 2º, do CPP, dê-se ciência à vítima do inteiro teor desta sentença, em especial por meio eletrônico.

[...]"

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensora nomeada às fls. 171. Nas razões recursais, pugnou pela absolvição na atipicidade da conduta, invocando o princípio da insignificância, bem como a excludente de ilicitude decorrente do estado de necessidade. Alternativamente e, de forma genérica, defendeu a aplicação da pena no mínimo legal, bem com a fixação do regime aberto para o início de cumprimento da pena. Por fim, requereu a fixação de honorários advocatícios (fls. 176/183).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença vergastada (fls. 187/193).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso de apelação interposto por Mauro Machado Schackow Correa (fls. 201/206).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso, e em atenção ao princípio tantum devolutum quantum apellatum, passa-se a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

1. A defesa postula a absolvição do apelante ante o reconhecimento do princípio da insignificância, aduzindo que estão presentes os requisitos exigidos.

Razão não lhe assiste.

Sabe-se que o princípio da insignificância visa excluir ou afastar a tipicidade da conduta. Dessa forma, ainda que o fato se enquadre no tipo penal previsto pelo legislador, a conduta que não causa lesão ao bem jurídico impede a caracterização do tipo, pois o direito penal só deve ser chamado nos casos em que ocorrem efetivamente a lesividade, em observância aos princípios constitucionais implícitos da intervenção mínima e da fragmentariedade.

Em comentários ao tema, Fernando Capez leciona:

"Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.

A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos.

[...]. Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 155 do Código Penal é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um princípio aplicável no plano concreto, portanto. [...]" (Curso de direito penal, parte geral: (arts. 1º a 120). 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, v. I, p. 27-28).

E, no mesmo sentido, expõe Guilherme de Souza Nucci:

"Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunal pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal [...]" (Manual de direito penal. 13. ed. rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 186).

Segundo entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84412, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 19-10-2004).

Outrossim, a Suprema Corte ainda orienta que "a aplicação do princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos" (HC 145880 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 11-09-2017).

E continua: "o princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva....

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