Acórdão Nº 0001770-44.2018.8.24.0037 do Quinta Câmara Criminal, 21-10-2021

Número do processo0001770-44.2018.8.24.0037
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0001770-44.2018.8.24.0037/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: JEAN CARLOS REINA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Jean Carlos Reina, dando-o como incurso nas sanções do 129, § 1°, inciso III e § 2°, inciso IV, do Código Penal, pela prática dos fatos delituosos assim narrados (evento n. 94).

"Infere-se do Inquérito Policial incluso que no dia 29 de junho de 2018, por volta das 17h40min, na Rua Orestes Micheli, Bairro Harmindo Haro de Medeiros, Joaçaba/ SC, o denunciado Jean Carlos Reina ofendeu a integridade física da vítima Rodrigo de Oliveira, causando-lhe as lesões corporais de natureza grave e gravíssima, descritas nos laudos periciais de fls. 269 e 316 (BO f l s. 155- 156).

O denunciado nutria desavenças pretéritas com a vítima Rodrigo, já que a mulher da vítima (Maria) supostamente estava mantendo envolvimento extraconjugal com um irmão de Jean (Alexandre), e isso fez com que as famílias, que moram no mesmo bairro, entrassem em conflito.

No dia dos fatos, pela manhã, o denunciado e a vítima entraram em discussão, mas foram acalmados e não chegaram a brigar. Porém, no fim da tarde, o denunciado muniu-se com uma foice e também com pedras e se dirigiu até a residência da vítima, sendo que ao encontrá-lo, sentado na parte externa da casa, começou a arremessar pedras na direção de Rodrigo, já visando lesioná-lo. Ato contínuo, o denunciado correu em direção à vítima, a qual conseguiu também correr por alguns metros, mas caiu e foi alcançada pelo agressor .

Com manifesto animus laedendi, aproveitando-se que a vítima estava caí da e não poderia oferecer grande resistência, o denunciado desferiu-lhe um golpe de foice certeiro no braço dela, causando "ferimento corto-contuso em face lateral do braço esquerdo, mais deformidade com fratura exposta do úmero" ( laudo pericial fl. 269). Tão-logo feriu a vítima, o denunciado fugiu do local (fotografias e filmagens do local do fato fls. 291- 294) .

A vítima foi socorrida e submetida a cirurgias que consistiram em "debridamento em ferimento de exposição óssea - redução increscente de fratura exposta do úmero mais controle de danos comfixador externo linear; descompressão do nervo radial, debridamento de lesão muscular, sutura do epinervo do nervo radial, síntese de úmer o complaca mais parafusos, miografia de bíceps do braquial (laudo pericial fl . 269 e relatórios de atendimento médico de fls. 181- 206)" .

Mesmo após tais procedimentos cirúrgicos, não foi possível evitar as sequelas, de modo que as agressões praticadas pelo denunciado causaram na vítima lesões corporais graves consistente na debilidade permanente da mão esquerda (item 6 - laudo pericial complementar fl . 316) e lesões corporais de natureza gravíssima consistente na deformidade permanente do braço esquerdo (item 7 - laudo pericial complementar fl . 316 e fotografias das lesões f l s. 211, 272, 317) ."

A denúncia foi recebida em 19 de fevereiro de 2019 (evento n. 97), o réu foi citado (evento n. 102) e apresentou resposta à acusação (evento n. 111), por intermédio da Defensoria Pública.

A defesa foi recebida, e não sendo o caso de absolvição sumária foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 114).

Durante a instrução procedeu-se oitiva da vítima Rodrigo de Oliveira e das testemunhas Maria Gentila Martini, Nilza Gonçalves Pinheiro, Jéssica Pinheiro Reina, Marcelo da Silva, Keli Kremer e Luis Paulo Elicker; após, em audiência de continuação, foi realizado o interrogatório do acusado (termo de audiência e mídias registradas nos eventos n. 153 e 196).

Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais (evento n. 199 e 211), e sobreveio a sentença (evento n. 214), com o seguinte dispositivo:

"DECIDO.

Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar o acusado Jean Carlos Reina, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 129, § 2°, inciso IV, do Código Penal, à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto." (grifos originais).

Não resignado, o réu interpôs recurso de apelação (evento n. 225), nos moldes do artigo 600, § 4.º, do Código de Processo Penal, por intermédio de defensor constituído (evento n. 224), e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Nesta instância (evento n. 24, destes autos), pretende a reforma da sentença com a absolvição, sob argumento de ter agido em legítima defesa de terceiro, o que seria suficiente para afastar a ilicitude do ato a ele imputado.

Foram apresentadas as contrarrazões (evento n. 29, destes autos).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento n. 34, destes autos).

VOTO

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por Jean Carlos Reina, pois inconformado com a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Joaçaba que julgou procedente a denúncia para condená-lo à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, por infração ao artigo 129, § 2°, inciso IV, do Código Penal.

Como sumariado, o apelante almeja a absolvição, sob argumento de ter agido em legítima defesa de terceiro, o que seria suficiente para afastar a ilicitude do ato a ele imputado.

Primeiramente, ressalta-se que a materialidade do delito encontra-se consubstanciado pelo boletim de ocorrência (doc. 06/07, evento n. 01), pelo laudo pericial de lesão corporal e fotografias (eventos n. 89), que atestou a existência de lesões de ""ferimento corto-contuso em face lateral do braço esquerdo com fratura exposta de úmero. Lesão do nervo radial. Incapacidade de flexão do polegar esquerdo, diminuição de força na pressão da mão esquerda" na vítima, as quais, segundo o Expert, resultaram na debilidade permanente da mão e braço esquerdo e incapacidade para o trabalho, e também pela prova oral produzida extrajudicialmente e em contraditório.

A autoria, por sua vez, é inconsteste.

Na oportunidade em que foi ouvido pela autoridade policial, o acusado Jean Carlos Reina esclareceu que "[...] e depois passou na frente da casa do interrogado e disse que iria voltar lá para matar o interrogado; que a mãe do interrogado, bem como sua esposa e cunhado, também ouviram isso; que alega que depois que atingiu o Rodrigo, com a foice, este acabou voltando para a casa dele e o interrogado ficou em casa, esperando a guarnição voltar; que essa briga final, acima citada, aconteceu bem na esquina rua onde o interrogado mora; que a confusão iniciou na frente da casa da mãe do interrogado; que a briga final ocorreu na rua onde o interrogado mora; que esclarece que essa esquina é bem próxima da casa do interrogado, bem como da casa do Rodrigo; que afirma que não deu a foiçada no braço do Rodrigo no terreno ou dentro da casa dele; que alega que a mãe do interrogado tem fotos do Rodrigo, com as facas nas mãos dele, bem na esquina onde ocorreu o confronto final naquele dia; que alega que não tinha discutido naquele dia, antes na rua ou em qualquer outro lugar, com o Rodrigo; que alega que nem tinha encrenca com esse homem antes daquele dia; que alega que tudo isso ocorreu porque o Andrei, conforme acima explicado, foi na frente da casa da mãe do interrogado e agrediu o irmão do interrogado; que alega que se não fizesse o acima disse o irmão do interrogado, o Alexandre (que é deficiente), teria levado uma facada e estaria embaixo da terra; que no entendimento do interrogado, apenas defendeu a sua família, o seu irmão; que alega que o culpado dessa confusão foi o Andrei; que alega que, antes de tudo começar, o interrogado estava em frente a casa de sua mãe, com a irmã, o cunhado e a própria mãe conversando, assando uma carninha e tomando umas cervejinhas; que com certeza o Andrei tinha ingerido bebidas alcóolicas naquele dia; que alega que não ficou ferido naquele dia; que ficou na frente de sua casa, depois que a confusão terminou naquele dia, esperando os PM's; que conversou com os PM's de boa e explicou o que tinha ocorrido para eles; que por ora não tem mais nada para acrescentar (doc. 218, ev. 50)" (transcrição indireta retirada da sentença, evento n. 214). - destaquei.

Sob o crivo do contraditório, alterou consideravelmente a sua narrativa. Afirmou que "tinha chegado do trabalho, estava conversando com sua esposa e seu irmão, Alexandre, na casa de sua mãe, e veio o Andrei que tentou "pegar" Alexandre pelo pescoço, mas, ao vê-lo, desceu e disse que já voltava; que Andrei, ao voltar, veio acompanhado de seu padrasto, Rodrigo, este com duas facas em mãos e aquele com um facão; que seu irmão estava desarmado e é deficiente; que Alexandre estava envolvido com a ex-mulher de Rodrigo, do qual estava separada há 15 (quinze) ou 20 (vinte) dias; que a mulher voltou com Rodrigo, o qual ficou sabendo do relacionamento dela com Alexandre; que, no momento em que chegaram armados com facas, queriam "pegar" Alexandre, na área da casa de sua mãe; que ele (o acusado) não deixou, pegou uma foice que estava do lado da churrasqueira e partiu para defender seu irmão; que acertou o braço (de Rodrigo); que caiu (Rodrigo) com a faca na mão; que Andrei foi embora; que a faca ficou no chão; que Rodrigo foi pra casa dele, enquanto ele (o acusado) ficou na casa de sua mãe mais um tempo, esperando a guarnição chegar para explicar; que a mãe dele chamou a polícia; que nunca mais teve contato com ele (com Rodrigo); que não teve mais problema; que seu irmão só ficou com alguns arranhões; que eles chegaram jogando pedra e acertaram suas costas; que não tem nada contra as demais testemunhas (mídia 1, ev. 195)." (transcrição indireta retirada da sentença, evento n. 214). -...

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