Acórdão Nº 0001786-54.2016.8.24.0041 do Quinta Câmara Criminal, 26-11-2020

Número do processo0001786-54.2016.8.24.0041
Data26 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0001786-54.2016.8.24.0041/SC



RELATORA: Desembargadora CÍNTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFFER


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: LEANDRO WILLNER (RÉU) APELADO: EDNA APARECIDA DE MORAES (RÉU)


RELATÓRIO


A representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Mafra ofereceu denúncia em face de Edna Aparecida de Moraes Willner e Leandro Willner, dando-os como incursos nas sanções do artigo 7.º, inciso IX, parágrafo único, da Lei n. 8.137/1990 c/c 18, § 6.º, inciso II, da Lei n.º 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor, pela prática dos fatos delituosos assim narrados (evento n. 24):
"No dia 24.11.2015, às 15 horas, no estabelecimento comercial denominado "Supermercado Willner" (nome fantasia), pessoa jurídica Comércio de Gêneros Alimentícios Willner Ltda., localizado na Rua Tenente Ary Rauen, 1535, Alto de Mafra, Mafra/SC, os denunciados EDNA APARECIDA DE MORAES WILLNER e LEANDRO WILLNER mantiveram em depósito e/ou expostos à venda: a) 36 kg de mel sem registro no órgão competente; b) 3 kg de bacon em cubos, marca Frimesa, mantidos resfriados ao invés de serem conservados a 12 °C; c) 1 kg de Linguiça Calabresa, marca Frimesa, mantido resfriado ao invés de congelado; d) 7,3 kg de salsicha, marca Copacol, em embalagem aberta; e) 14 kg de carne de frango sem identificação; f) 800 g de carne de frango em embalagem aberta e em câmara fria; g) 1,02 kg de filé duplo sem identificação; h) 2 kg de bacon de pernil, marca Sulita, resfriados ao invés de estarem em local fresco e arejado; i) 6,2 kg de carne bovina sem identificação e em embalagem aberta; j) 5,9 kg de carne suína sem identificação e em embalagem aberta; k) 450 g de língua de boi sem identificação; l) 2,72 kg de hambúrguer bovino, armazenados resfriados ao invés de congelados; m) 860 g de empanado de frango, armazenado resfriado ao invés de congelado; todos produtos impróprios para o consumo (relatório às fls. 7-8)."
A denúncia foi recebida em 21 de junho de 2018 (evento n. 27), os réus foram citados (eventos n. 31 e 34) e apresentaram defesa (eventos n. 36 e 37), por intermédio de defensor constituído.
A defesa foi recebida, e não sendo o caso de absolvição sumária foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 40).
Durante a instrução foi ouvida uma testemunha arrolada pela acusação e pela defesa; e, na sequência, os acusados foram interrogados (mídias anexadas no evento n. 71).
Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais (eventos n. 84 e 88), e sobreveio a sentença (evento n. 91), com o seguinte dispositivo:
"Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia e, por conseguinte, com fulcro no art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal, ABSOLVO os réus EDNA APARECIDA DE MORAES WILLNER e LEANDRO WILLNER, devidamente qualificados, da prática do delito previsto artigo 7º, inciso IX, parágrafo único, da Lei n. 8.137/90, imputação que lhe foi feita nestes autos."
Não resignado, o representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação (evento n. 96), na forma do artigo 600, caput, do Código de Processo Penal.
Em suas razões (evento n. 104), postula o membro do Parquet a reforma integral da sentença com a condenação dos apelados pela prática do crime previsto no artigo 7.º, inciso IX, parágrafo único, da Lei n.º 8.134/1990, por entender que existem nos autos elementos aptos a demonstrar a materialidade e autoria delitiva.
Foram apresentadas as contrarrazões (evento n. 108), e os autos foram remetidos a este egrégio Tribunal de Justiça.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso. (evento n. 15, destes autos)

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Cuida-se de apelação criminal interposta pelo representante do Ministério Público de Santa Catarina, inconformado com o teor da sentença proferida pelo Juízo da Vara Criminal da comarca de Mafra que, julgando improcedente a denúncia absolveu Edna Aparecida de Moraes Willner e Leandro Willner, da prática do delito previsto no artigo 7º, inciso IX, parágrafo único, da Lei n. 8.137/1990, com fulcro no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal.
1. Mérito
Consoante sumariado, a acusação requer a condenação dos recorridos, pois entende que a prova da materialidade e autoria do crime encontram-se demonstradas, especialmente porque não há a obrigatoriedade do exame pericial para o crime em questão.
Com razão.
O crime pelo qual os recorridos foram denunciados está disposto no artigo 7º, inciso IX, da Lei n.º 8.137/1990, que estabelece:
"Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
[...] IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa."
Trata-se de norma penal em branco, pois não informa quais seriam os produtos em condições impróprias para consumo, e, por isso, ela é complementada pelo artigo 18, § 6.º, inciso I, da Lei n.º 8.078/1990, que assim disciplina:
"§ 6° São impróprios ao uso e consumo:
I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam."
Inicialmente, cumpre destacar que não se desconhece o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça que entende ser indispensável a realização de exame pericial sobre os produtos supostamente impróprios para o consumo, em consonância com o disposto no artigo 158 do Código de Processo Penal, a seguir transcrito:
"Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado".
Nesse sentido, colhe-se julgado da Corte Suprema:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ACEITAÇÃO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. AGRAVADA ACUSADA DA PRÁTICA DOS DELITOS TIPIFICADOS NO ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, IX, DA LEI N. 8.137/90 E NO ART. 56, § 3º, DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. CRIMES QUE DEIXAM VESTÍGIO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 158 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. [...] 3. "Da leitura do artigo 7º, inciso IX, da Lei 8.137/1990, verifica-se que se trata de delito contra as relações de consumo não transeunte, que deixa vestígios materiais, sendo indispensável, portanto, a realização de perícia para a sua comprovação, nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF" (RHC 96.297/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 15/6/2018). 4. À luz do mesmo raciocínio, a denúncia também deve se fazer acompanhar de perícia no caso de imputação da prática do delito tipificado no art. 56, § 3º, da Lei 9.605/98. Precedentes. "Com efeito, nos termos do art. 158, do Código de Processo Penal, "Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado". Tal situação é análoga a do crime de tráfico de drogas, no qual a Terceira Seção já firmou compreensão no sentido de que a falta de laudo toxicológico definitivo conduz à ausência de materialidade da conduta, impondo-se a absolvição" (RHC 71.304/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 2/12/2016). 5. Meras fotos não substituem o trabalho de perícia dos experts no caso de crimes transeuntes, como é o caso dos autos. Inexistindo qualquer justificativa para a não realização da perícia, as fotos não bastam para alicerçar a ação penal. Precedente.6. Ausente laudo pericial apto a demonstrar a materialidade delitiva dos crimes cuja prática é imputada à agrava, identifica-se flagrante ilegalidade, porquanto a ação penal, ainda que suspensa, impôs o cumprimento de medidas restritivas à acusada, a carecer de justa causa. A injustificada inexistência do laudo pericial, que não se confunde com fotos, impede o prosseguimento da ação penal à míngua de prova da materialidade delitiva do delito que deixou vestígios. 7. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AgRg no RHC 117.540/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DO ART. 7.º, INCISO IX, DA LEI N.º 8.137/90. NÃO ELABORADO LAUDO PARA COMPROVAR QUE AS MERCADORIAS MANTIDAS EM DEPÓSITO E EXPOSTAS À VENDA ERAM IMPRÓPRIAS AO CONSUMO HUMANO. AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Para a comprovação de prática das condutas delitivas previstas no art. 7.º, inciso IX, da Lei n.º 8.137/90, é imprescindível a elaboração de laudo pericial que comprove ser a mercadoria imprópria (nociva) para o consumo humano, mesmo se expirado o prazo de validade do produto. 2. "A realização de mero laudo de constatação não é suficiente para atestar que a mercadoria é efetivamente imprópria para o consumo, sendo imprescindível a realização de perícia técnica. Precedente" (RHC 91.502/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 01/02/2018). 3. Agravo...

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