Acórdão Nº 0001790-21.2015.8.24.0011 do Quarta Câmara Criminal, 27-05-2021

Número do processo0001790-21.2015.8.24.0011
Data27 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0001790-21.2015.8.24.0011/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0001790-21.2015.8.24.0011/SC



RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELANTE: JOEL CESAR SCHWAMBERGER ADVOGADO: ANDERSON PETRUSCHKY (OAB SC022708) APELANTE: ELIAS DA LUZ ADVOGADO: PAULO CESAR PORTALETE (OAB SC014455) RÉU: OS MESMOS


RELATÓRIO


Na comarca de Brusque, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Joel César Schwamberger e Elias da Luz, imputando-lhes a prática do delito descrito no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93 - vigente ao tempo dos fatos -, pois, segundo consta na inicial:
No ano de 2008 Joel César Schwamberger exercia o cargo de Secretário de Administração do Município de Brusque, enquanto Elias da Luz ocupava o cargo de Diretor de Compras do Município de Brusque. Nessa qualidade, os denunciados assinaram diversas ordens de compra autorizando a aquisição de materiais de construção na loja "Archer Materiais de Construção S.A." situada em Brusque, sem a realização de prévio procedimento licitatório, sob a justificativa de que as compras estariam dispensadas de licitação em virtude de o seu custo não atingir o montante mínimo previsto em lei para a obrigatoriedade da realização do certame.
Os documentos de fls. 34/276 mostram que foram realizadas 45 compras de materiais de construção para serem entregues a pessoas carentes, entre 09/07/2008 a 23/09/2008, as quais alcançaram a importância de R$ 57.531,25.
Importante destacar, desde já, que as compras realizadas entre 09/07/2008 e 11/07/2008, no total de R$ 4.940,26, foram autorizadas pelo Secretário de Administração César Morilo Roza (fls. 252/276), e o restante, no total de R$ 52.590,99, efetuadas entre 23/07/2008 a 23/09/2008, foram autorizadas pelo seu sucessor Joel César Schwamberger e pelo Diretor de Compras Elias da Luz (fls. 34/251), ora denunciados.
Desse modo, em apenas dois meses, dentro do mesmo exercício financeiro, em atos consecutivos, os denunciados adquiriram R$ 52.590,99 em materiais de construção (e a burla à Lei de Licitações foi tão evidente que, em apenas um dia, mais exatamente em 15/08/2008, eles realizaram uma aquisição de materiais no valor total de R$ 9.402,63, a qual, com o objetivo de mascarar o ato ilícito, foi subdividida em sete compras distintas, com a emissão de notas fiscais sequenciais - vide fl. 460).
De acordo com os artigos 24, II, e 23, II, "a", da Lei n. 8.666/93:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez.
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
I - para obras e serviços de engenharia:
II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Portanto, de acordo com os dispositivos legais acima invocados, em um mesmo exercício financeiro a licitação seria dispensável para compras de um mesmo setor do Município que não ultrapassassem o valor de R$ 8.000,00, quantia que, no curto período de 2 meses, foi excedida (em quase 7 vezes) pelos denunciados.
Ao não observarem a obrigatoriedade da licitação para o caso em questão, os denunciados incidiram no tipo penal do artigo 89, caput, da Lei 8666/93:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa (Evento 8, PET499, autos originários).
Finalizada a instrução, o Magistrado a quo julgou procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar cada um dos réus ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de detenção, em regime inicial aberto, substituída por duas medidas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, na importância de 1 (um) salário-mínimo, além do pagamento de 13 (treze) dias-multa, fixados no mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93 - vigente ao tempo dos fatos (Evento 83, SENT567, autos originários).
Inconformados com a prestação jurisdicional, os réus e o Ministério Público interpuseram apelações criminais.
O órgão da acusação, no arrazoado, requereu tão somente a majoração da prestação pecuniária imposta em substituição à reprimenda privativa de liberdade (Evento 88, PET572, autos originários).
A defesa do réu Elias, por sua vez, requereu a absolvição, por ausência de dolo específico de causar dano ao erário. Destacou, ainda, a atipicidade da conduta, nos termos do art. 24, IV, da Lei 8.666/93, já que a licitação não foi realizada por ser um caso de calamidade pública. Relativamente à dosimetria da pena, almejou o afastamento da causa de aumento aplicada na terceira fase, decorrente do cargo em comissão por ele exercido. Por fim, prequestionou dispositivos legais (Evento 115, PET601, autos originários).
Joel, de igual forma, pugnou por sua absolvição, já que sequer era o responsável pelo processo licitatório. Destacou, ainda, "que a aquisição dos materiais doados se realizou em período elastecido, como o foi em todo o curso de implantação do Plano Habitacional, cujas ordens de compra e de entrega às famílias eram expedidas à medida em que os pedidos eram encaminhados pela Secretaria de Assistência Social, de modo a tornar inviável, em razão das características de cada material, a aquisição em grandes quantidades, por impraticável e impossível a adoção do sistema de estocagem, como é o caso do cimento, fator determinante dos pequenos valores constantes das respectivas notas de empenho, bem assim da dispensa do procedimento licitatório". Ressaltou, no mais, a atipicidade da conduta, já que ausente dolo. Por fim, de forma genérica, pugnou pela reforma da dosimetria da pena (Evento 122, APELAÇÃO610, autos originários).
Apresentadas as contrarrazões (Evento 128, CONTRAZ615, Evento 129, PET616 e Evento 133, PET620, todos dos autos de origem), a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Exmo. Dr. Rogério A. da Luz Bertoncini, manifestou-se pelo "conhecimento e provimento ao recurso interposto pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, e pelo parcial conhecimento e não provimento aos recursos interpostos por ELIAS DA LUZ e JOEL CESAR SCHWAMBERGER" (Evento 14, PET6)

VOTO


1 Absolvição
Ambos os réus almejam a absolvição do delito em questão, destacando, inicialmente, a ausência de dolo em causar dano ao erário.
Com razão.
O tipo penal em comento - atualmente revogado pela Lei n. 14.133/21, mas vigente ao tempo dos fatos - prevê:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Acerca das condutas elencadas no sobredito dispositivo, leciona Guilherme de Souza Nucci:
[...] dispensar (prescindir de algo, desobrigar-se em relação a alguma coisa) ou inexigir (não reclamar ou demandar algo) são as condutas mistas alternativas, cujo objeto é a licitação. A outra forma, também alternativa, é deixar de observar (não cumprir ou desrespeitar) as formalidades legais pertinentes à dispensa e à inexigibilidade (condutas supramencionadas). Portanto, o agente pode, por exemplo, realizar uma aquisição de bens para ente estatal prescindindo da licitação, quando estiver no contexto do preceituado pelo art. 24 da Lei 8.666/93. Por outro lado, pode realizar a referida aquisição de bens, sem demandar a licitação, quando esta for considerada inexigível, nos termos do art. 25 da Lei 8.666/93. Nota-se, pois, que os verbos são equivalentes, mas foram inseridos como método de referência aos citados arts. 24 e 25 desta Lei. A dispensa vincula-se ao art. 24; a inexigência, ao art. 25. No mesmo sentido, está a lição de Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 629). Por fim, evidencia-se, também, que a terceira conduta prevista no tipo do art. 89 menciona a inobservância das formalidades envolvendo a dispensa ou a inexigibilidade. Tudo está conectado aos artigos 24 e 25 da Lei 8.666/93. Em se tratando de tipo penal, pode-se considerá-lo norma penal em branco, pois somente se compreende o alcance da figura incriminadora consultando-se a parte extrapenal desta Lei (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 636 - grifou-se).
Portanto, trata-se de norma penal em branco homogênea homovitelina, pois a definição da conduta criminosa reclama complementação que, na hipótese, tem a mesma natureza jurídica e está prevista no mesmo diploma legislativo do tipo incriminador. Com efeito, as situações de dispensa e inexigibilidade e as formalidades a serem observadas estão elencadas nos arts. 24 a 26 da Lei n. 8.666/93.
In casu, os réus, Joel e Elias, na qualidade de ex-secretário de Administração e ex-diretor de compras, respectivamente, foram denunciados pois assinaram diversas ordens de compra autorizando a aquisição de materiais de construção na loja Archer Materiais de Construção S. A., sem a realização de prévio procedimento licitatório, ao argumento de que a licitação seria dispensável em virtude do valor dos bens adquiridos.
A denúncia narra, ainda, que, entre os dias 23/7/2008 e 23/9/2008, os denunciados adquiriram R$ 52.590,99 em materiais de construção, sendo que, em apenas um dia - 15/8/2008 - "eles realizaram uma aquisição de materiais no valor...

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