Acórdão Nº 0001800-08.2020.8.24.0038 do Quarta Câmara Criminal, 01-10-2020

Número do processo0001800-08.2020.8.24.0038
Data01 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Agravo de Execução Penal n. 0001800-08.2020.8.24.0038

Relator: Desembargador Alexandre d'Ivanenko

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. AUTORIZAÇÃO PARA CUMPRIMENTO DA PENA REMANESCENTE EM PRISÃO DOMICILIAR. RISCO DE CONTÁGIO PELO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19). INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REEDUCANDO JOVEM CUJOS EXAMES CLÍNICOS APONTARAM ESTABILIDADE DA PATOLOGIA DA QUAL É PORTADOR ("LINFOMA DE HODGKIN"). EXCLUSÃO DO "GRUPO DE RISCO" POR DECLARAÇÃO MÉDICA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA. ADEMAIS, SENTENCIADO QUE, EM PRISÃO DOMICILIAR PARA TRATAMENTO DE SAÚDE,VOLTOU A DELINQUIR EM 3 OPORTUNIDADES. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Execução Penal n. 0001800-08.2020.8.24.0038, da comarca de Joinville 3ª Vara Criminal em que é Agravante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravado Carlos Antonio Martins Garcia Junior:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para reformar a decisão impugnada (pp. 981-988) e, assim, determinar o imediato retorno do apenado Antonio Carlos Martins Garcia Júnior à Penitenciária Industrial de Joinville para cumprimento da pena remanescente em regime fechado. Comunique-se ao Juízo a quo com urgência para as providências de estilo, notadamente a expedição de mandado de prisão. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 1º de outubro de 2020, teve a participação dos Exmos. Srs. Des. José Everaldo Silva e Des. Sidney Eloy Dalabrida. Funcionou, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho.

Florianópolis, 5 de outubro de 2020.

Alexandre d'Ivanenko

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, inconformado com a decisão (pp. 981-988) proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da comarca de Joinville, que, nos autos do PEP n. 0001384-21.2012.8.24.0038, deferiu ao reeducando Carlos Antonio Martins Garcia Júnior prisão domiciliar.

Em suma, o Parquet argumentou o seguinte: [a] "o apenado não faria jus ao benefício, uma vez que ainda se encontra cumprindo pena em regime fechado. No entanto, a jurisprudência tem permitido a prisão domiciliar em casos excepcionalíssimos, mesmo estando o apenado em regime fechado ou semiaberto, quando, por questões humanitárias, mostrar-se recomendável o cumprimento da reprimenda em circunstâncias especiais"; [b] "a concessão da prisão domiciliar está reservada para casos únicos e reclamam robusta fundamentação fática, demonstrando a efetiva necessidade da medida. Mesmo em tempos excepcionais como o que vivemos hoje, em virtude da pandemia do COVID-19, a necessidade de demonstrar essa excepcionalidade permanece inalterada. Além da comprovação de uma situação excepcional, sobretudo é necessário averiguar se o retorno antecipado do apenado à sociedade não representará algum risco concreto, já que não concluído o processo de ressocialização"; [c] "mesmo que os exames clínicos do apenado apontem a estabilidade da patologia da qual é portador ("Linfoma de Hodgkin"), o Juízo a quo entendeu que, em virtude de os resultados não terem sido avaliados por um médico, a dúvida tornava imperioso o deferimento do benefício da prisão domiciliar"; [d] "é sabido que a pandemia do novo coronavírus forçou a adoção de medidas extremas visando ao controle da proliferação da doença nos estabelecimentos prisionais. Justamente pela excepcionalidade das condutas implementadas é que não há como permitir que apenados sejam liberados da unidade prisional sob a dúvida de eventualmente se enquadrarem no grupo de risco do COVID-19. Pelo contrário, a concessão da prisão domiciliar com fundamento na pandemia requer a existência de prova sólida que indique ser a medida Inescusável"; [e] "a decisão atacada, todavia, pautando-se em circunstâncias incertas, permitiu que o apenado, cumprindo pena ainda no regime fechado, retornasse ao convívio social. Então, sob o pretexto de assegurar o direito à saúde do apenado (cujos exames clínicos apontam para a estabilidade do quadro) diante do cenário da pandemia do novo coronavírus, colocou-se em risco o direito à segurança de várias outras pessoas"; [f] "além de inexistir comprovação de que o apenado se enquadre no grupo de risco, é preciso ressaltar que diversas medidas no intento de evitar a proliferação do vírus foram adotadas no Complexo Prisional de Joinville desde o início da pandemia".

Arrematou requerendo ao Tribunal o provimento do recurso, "a fim de reformar a decisão que deferiu o benefício da prisão domiciliar ao agravado, com a consequente expedição de mandado de prisão em seu desfavor, para que retorne a cumprir a pena em regime fechado no ergástulo" (pp. 1-7).

Com as contrarrazões (pp. 46-51), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (p. 52), os autos formados por instrumento ascenderam a este Tribunal.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, manifestando-se no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento (pp. 62-67).

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.

A controvérsia instaurada trata de decisão judicial que deferiu prisão domiciliar para tratamento de saúde, notadamente diante do risco de transmissão novo Coronavírus (COVID-19) no Sistema Penitenciário Estadual.

O recurso comporta provimento, adiante-se.

Como se sabe, em 17-3-2020, foi publicada a Recomendação n. 62 pelo Conselho Nacional de Justiça, que "recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo Coronavírus - COVID-19 no âmbito dos Sistemas de Justiça Penal e Socioeducativo".

Ao editar a Recomendação n. 62/2020, o CNJ buscou elencar possíveis medidas de prevenção à exposição e alastramento da COVID-19 em estabelecimentos prisionais e socioeducativos.

Nesse sentido, o art. 5º desse diploma normativo orientador, direcionado aos juízos de execução penal, aponta para figuras conhecidas, a saber: progressão antecipada, sobretudo com fundamento nas diretrizes fixadas pela Súmula Vinculante n. 56 do STF (inc. I); concessão de saída temporária (inc. II); concessão de prisão domiciliar (incs. III e IV); suspensão temporária do dever de apresentação em Juízo de pessoas em cumprimento de pena em regime aberto, sursis, livramento condicional, penas restritivas de direito (inc. V).

Essas são algumas medidas viável durante o período da pandemia provocado pelo novo Coronavírus, que devem ser examinadas caso a caso, de maneira individualizada, pelo Juízo da Execução Penal, levando em consideração as particularidades de cada sentenciado, do estabelecimento em que se encontra cumprido sua pena e sobretudo do nível de contágio e propagação do vírus na respectiva região.

Ademais, é de suma importância salientar que, por tratar-se de mera "recomendação", não possui força vinculante nem tem o condão de suplantar as exigências de ordem legal, quer elencadas no Código de Processo Penal, quer na Lei de Execução Penal.

A propósito:

[...] A Recomendação n. 62/2020 não é norma de caráter cogente e não criou espécie de direito subjetivo à prisão domiciliar, de observância obrigatória. É uma orientação aos juízes e aos Tribunais e deve ser interpretada com razoabilidade, ponderados o cenário de surto da doença e as condições de cada ambiente carcerário, conforme indica o próprio Conselho Nacional de Justiça (HC 576.333/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 19-5-2020, DJe 27-5-2020).

Atento a esse...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT