Acórdão nº 0001839-63.2013.8.11.0021 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara Criminal, 29-08-2023

Data de Julgamento29 Agosto 2023
Case OutcomeProvimento
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Número do processo0001839-63.2013.8.11.0021
AssuntoCrimes Previstos no Estatuto da criança e do adolescente

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 0001839-63.2013.8.11.0021
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Estupro de vulnerável, Crimes Previstos no Estatuto da criança e do adolescente]
Relator: Des(a).
MARCOS MACHADO


Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). PAULO DA CUNHA]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), NAELY PEREIRA DE ANDRADE (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), SIDNEI PEREIRA ADORNO - CPF: 000.159.421-47 (APELANTE), JOSE VICTOR GUIMARAES - CPF: 054.280.121-37 (ADVOGADO), VANDERLEI MARTINS DE OLIVEIRA JUNIOR - CPF: 993.856.431-34 (ADVOGADO), Naely Pereira de Andrade (VÍTIMA)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
MARCOS MACHADO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO.

E M E N T A

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL MAJORADO [PADRASTO DA VÍTIMA] EM CONTINUIDADE DELITIVA - SENTENÇA CONDENATÓRIA - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA PARA CONDENAÇÃO E CONTINUIDADE DELITIVA NÃO DEMONSTRADA - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU REDUÇÃO DA PENA - VARIAÇÕES NOS DEPOIMENTOS DA ADOLESCENTE - PERFIL PSICOLÓGICO DA VÍTIMA NÃO AFERIDO POR ESPECIALISTAS - ESTUDO PSICOSSOCIAL NÃO ELABORADO - INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS ORAIS COLHIDAS - DÚVIDAS ACERCA DA AUTORIA IMPUTADA AO APELANTE - LIÇÕES DOUTRINARIAS - JULGADOS DO TJMT - PROVAS PRODUZIDAS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO INSUFICIENTES PARA CONDENAÇÃO - RECURSO PROVIDO.

Nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima, embora tenha especial relevância probatória, deve conter alguns indicadores de veracidade, dentre os quais: 1) a presença de detalhes (salientando que uma mentira tende a conter pouca informação e poucos detalhes); 2) a presença de detalhes específicos (sendo que uma alegação falsamente construída não contém comentários específicos que só a vivência dá situação proporciona); 3) a utilização de linguagem apropriada, tendo em conta o nível de desenvolvimento da criança; 4) a manifestação de afetos apropriados (expressão emocional congruente com o discurso indica veracidade); 5) referências à progressão do abuso (e.g. referência à escalada da gravidade do abuso típica no abuso intrafamiliar); e 6) referência a instruções de segredo (sendo que as histerias falsamente produzidas tendem a não incluir as instruções para a manutenção do segredo), segundo lição acadêmica (CARVALHO, Lígia Alexandra da Silva. A valoração do testemunho da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar no contexto da avaliação forense, abril/2007. Disponível em: repositorio-aberto.up.pt - acesso em 8.4.2021).

“A dúvida, mesmo que mínima, deve conduzir à absolvição do acusado, pois ainda que haja probabilidade de o réu ter praticado a conduta ilícita, a mera presunção não basta para fundamentar um juízo condenatório, pois é sabido que no Processo Penal Democrático, enraizado em uma Constituição Federal que determina os direitos e garantias individuais, é absolutamente vedado ao Poder Judiciário presumir a culpa de qualquer cidadão acusado de uma infração penal, tendo em vista que nesses casos, a presunção é de inocência, ou seja, é em favor do réu e não contra ele.” (TJMT, Ap nº 104972/2010)

“Como é de trivial sabença, a condenação penal requer sempre a certeza da prática criminosa, de modo que, a ausência de provas seguras e consistentes da materialidade e autoria delitiva, aliada às contradições nos depoimentos da vítima e de sua mãe, cujos relatos não evidenciam, com segurança, a prática da conduta descrita na exordial acusatória: a absolvição do recorrente é medida que se impõe, em atenção ao brocardo jurídico in dubio pro reo.” (TJMT, Ap nº 20873/2016)

R E L A T Ó R I O

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO NU 0001839-63.2013.8.11.0021 - CLASSE CNJ - 417- COMARCA DE AGUA BOA

APELANTE(S): SIDNEI PEREIRA ADORNO

APELADOS(S): MINISTÉRIO PÚBLICO

R E L A T Ó R I O

Apelação criminal interposta por SIDNEI PEREIRA ADORNO contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Água Boa, nos autos de ação penal (NU 0001839-63.2013.8.11.0021), que o condenou por estupro de vulnerável majorado [padrasto da vítima], em continuidade delitiva, a 17 (dezessete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado - art. 217-A, c/c art. 226, II c/c art. 71, todos do CP - (ID 168237928).

O apelante sustenta que: 1) as provas seriam insuficientes para condenação; 2) a pena imposta seria exacerbada; 3) “em momento algum ficou caracterizado que houve um crime sequer, quiçá quatro crimes”.

Pede o provimento para que seja absolvido. Subsidiariamente, reduzida a pena (ID 168237947).

A 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DE AGUA BOA pugna pelo desprovimento do apelo (ID 168238155).

A i. 28ª Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento, em parecer assim sintetizado:

“RECURSO DE APELAÇÃO – RÉU CONDENADO À PENA DE 20 (VINTE) ANOS E 03 0001839-63.2013.8.11(TRÊS) MESES DE RECLUSÃO, PELA PRÁTICA DO DELITO TIPIFICADO NO ART. 217- A, C/C ART. 226, INC. II, (NA FORMA DO ART. 71), TODOS DO CÓDIGO PENAL - RECURSO DEFENSIVO - 1) PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS - ALEGAÇÃO DE QUE A SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO PODE SE FUNDAMENTAR APENAS NAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA – REJEIÇÃO - NOS CRIMES DE NATUREZA SEXUAL, EM ESPECIAL, A PALAVRA DA VÍTIMA POSSUI VALOR PROBATÓRIO DIFERENCIADO, SERVINDO DE SUBSTRATO CONDENATÓRIO QUANDO O RELATO OCORRE DE MANEIRA COERENTE E SEM CONTRADIÇÕES - HARMONIA E REGULARIDADE EM TODAS AS DECLARAÇÕES DA VITIMA - CONJUNTO PROBATÓRIO HÁBIL E SUFICIENTE PARA O DECRETO CONDENATÓRIO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - 2) PRETENDIDA EXCLUSÃO DA FRAÇÃO DE ¼ (QUARTO) RELATIVA A CONTINUIDADE DELITIVA - INVIABILIDADE - FUNDAMENTOS BASEADOS NA QUANTIDADE DE CRIMES PERPETRADOS CONTRA A OFENDIDA - ENTENDIMENTO PACIFICADO DO STJ - PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (Alexandre de Matos Guedes, procurador de Justiça - ID 172777162)

É o relatório.

V O T O R E L A T O R

V O T O (MÉRITO)

EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR)

Egrégia Câmara:

O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107).

Consta da denúncia que:

“[...]em datas não precisas, no decorrer do ano de 2012, na residência do denunciado, localizada na Rua 23, nº 621, Bairro Guarujá, em Água Boa-MT, o denunciado, dolosamente agindo, constrangeu sua enteada Naely Pereira de Andrade, de apenas nove anos de idade na época dos fatos (doc. Em fl. 19), a com ele praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal. [...]

Assim agindo, incorreu o denunciado na conduta tipificada no art. 217-A do Código Penal c/c art. 226, inciso II, e art. 241-D, da Lei 8069/90 [...].(Clarissa Cubis de Lima, promotora de Justiça - ID 168237926)

O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal e dosou a pena nos seguintes termos:

“[...]materialidade do crime de estupro de vulnerável está evidenciada pelo boletim de ocorrência, pelo Ofício da Secretaria Municipal de Saúde, pela representação criminal elaborada pelo MP, pelo termo de declarações da vítima, bem como pelo relatório policial.

À vista disso, convenço-me, portanto, da ocorrência material dos fatos.

b) DA AUTORIA

Do mesmo modo, a autoria delitiva é extraída de maneira cristalina dos autos.

Conforme se depreende do ofício encaminhado pela Coordenadora do ESF Guarujá ao Ministério Público, a suspeita de abusos sexuais contra a mencionada criança originou-se a partir do relato de duas agentes comunitárias de saúde, as quais não foram identificadas e trabalhavam junto com a mãe da vítima (Sra. Viviana Pereira Rocha). Tais informantes relataram que Sra. Judite Neres de Souza havia sido convidada para assistir um vídeo feito pelo acusado no qual a vítima supostamente seria abusada, entretanto, tal vídeo não foi assistido por ter sido apagado pelo próprio acusado. Além disso, indicou-se que a vítima era introvertida, bem como que sua mãe tinha comportamento agressivo e problemas com alcoolismo. [...]

Registre-se, que os objetos apreendidos da residência do acusado, foram periciados e foram encontrados 3 (três) vídeos pornográficos de origem desconhecida e algumas fotos de um casal não identificado praticando sexo.

Frente às narrativas apresentadas, realça-se a jurisprudência sedimentada pelo Superior Tribunal de Justiça, que indica que a palavra da vítima tem especial relevo para a constatação da autoria e da materialidade do delito descrito no art. 217-A, do Código Penal, desde que haja consonância entre a narrativa e os demais elementos colhidos durante o processo, tendo em vista que crimes contra a dignidade sexual comumente não deixam vestígios e ocorrem de maneira velada: [...]

Ademais, verifica-se que em juízo a vítima mudou a versão anteriormente apresentada em sede policial, mas entende-se que a sua primeira narrativa, juntamente com o acervo probatório tem o condão de provar a autoria do delito pelo acusado. Acentua-se que a vítima relatou que o acusado ainda reside com sua mãe, a qual possui laços afetivos de grande valia (laço materno), deste modo, entende-se que a vítima não deseja que o convivente de sua mãe seja condenado, por temer perder o convívio com sua genitora. Ficou nitidamente demonstrado que a vítima mentiu em juízo para inocentar o réu, provavelmente por estar sofrendo pressão psicológica da própria mãe, que ainda convive com o mesmo.

Com efeito, considero que o acervo probatório não deixa dúvidas quanto à consumação do delito de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A, c/c art. 226, inciso II, c/c art. 71, caput, todos do Código Penal....

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