Acórdão Nº 0001844-24.2007.8.24.0057 do Terceira Câmara de Direito Civil, 11-02-2020

Número do processo0001844-24.2007.8.24.0057
Data11 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemSanto Amaro da Imperatriz
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0001844-24.2007.8.24.0057, de Santo Amaro da Imperatriz

Relatora: Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMÓVEL RURAL. ÁREA INFERIOR AO MÓDULO RURAL DA REGIÃO. EXEGESE DO ART. 65 DO ESTATUTO DA TERRA. IRRELEVÂNCIA. RESTRIÇÃO QUE NÃO SE APLICA AS FORMAS DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE LIMITE MÍNIMO PARA A USUCAPIÃO DE IMÓVEL (RURAL OU URBANO). NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS DE PARCELAMENTO DO SOLO E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. SENTENÇA MANTIDA. PEDIDO ALTERNATIVO A FIM DE LIMITAR OS EFEITOS DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. MATÉRIA NÃO ALEGADA EM PRIMEIRO GRAU. INOVAÇÃO RECURSAL. ART. 1.014 DO CPC. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0001844-24.2007.8.24.0057, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz (2ª Vara) em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelados Maria Marlene Amorim e outros:

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento. Deixa-se de arbitrar honorários sucumbenciais recursais, porquanto não fixados na origem. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Saul Steil e Des. Fernando Carioni.

Florianópolis, 11 de fevereiro de 2020.

Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta

RELATORA


RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra sentença proferida pelo MMa. Juíza de Direito da 2ª Vara da comarca de Santo Amaro da Imperatriz, que nos autos da ação de usucapião de terras particulares proposta por Maria Marlene Amorim, Janício de Souza e s/m Juliana Máris Koerich de Souza, Maria Janete de Souza Hinckel e s/m José Vanio Hasckel, Janice de Souza e José Janir de Souza, julgou procedente o pedido deduzido na inicial, de modo que declarou o domínio da área de 2.599,34 m² (dois mil, quinhentos e noventa e nove metros quadrados e trinta e quatro centímetros quadrados) em favor dos autores, observadas as medidas e confrontações constantes na planta e memorial de fls. 17-20.

Em suas razões recursais (fls. 156-166), sustenta, em síntese, a impossibilidade de usucapião do imóvel em litígio, uma vez que se encontra fora do perímetro do município de Angelina/SC, ou seja, encontra-se localizado em zona rural, com dimensões inferiores ao módulo rural estabelecido pelo município.

Argumenta que o registro (abertura) de uma matrícula imobiliária com área inferior ao módulo rural da região, fixada pelo INCRA, é nulo de pleno direito, inclusive, os demais atos subsequentes, inexistindo efeito jurídico, de modo que a sentença concessiva de usucapião é título inútil.

Salienta, também, que não se trata da inclusão de novo requisito para a prescrição aquisitiva, mas uma consideração a sentença de usucapião que não pode ser registrada no fólio real, consoante dicção do §3º do art. 8º da Lei n. 5.868/72.

Menciona, ademais, que, mesmo que se admitisse a possibilidade de usucapião em área inferior ao módulo rural, somente seria possível em situações hábeis a garantir o direito à moradia e ao sustento da família mediante a atividade agrícola realizada em imóvel (função social da propriedade).

Assim, pugna para que o apelo seja conhecido e provido, a fim de reformar a sentença de fls. 151-153, reconhecendo a impossibilidade de usucapir imóveis rurais com dimensões inferiores ao módulo rural fixado pelo INCRA. Alternativamente, requer que sejam limitados os efeitos da prestação jurisdicional, condicionando o registro do fólio real após a regularização do zoneamento do bem imóvel usucapido, respeitando o ordenamento jurídico aplicável à espécie.

Contrarrazões às fls. 171-179.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira (fls. 183-189), em que se manifestou pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença objurgada, por seus próprios e judiciosos fundamentos.

VOTO

Cuida-se de apelação cível interposta pelo Ministério Público de Santa Catarina, nos autos da presente ação de usucapião, em que pretende a reforma da sentença, em síntese, por considerar que o terreno usucapiendo não atende aos requisitos exigidos no Estatuto da Terra, porquanto é inferior ao módulo rural estabelecido para a localidade.

De início, consigna-se que a hipótese dos autos reflete caso de aquisição originária da propriedade por meio de usucapião extraordinária, a qual se regula pelos requisitos previstos no art. 1.238 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. (grifei)

Tais requisitos encontram-se preenchidos, pois, conforme bem observou a magistrada a quo, a prova testemunhal demonstrou que a parte autora ocupa o imóvel há mais de 15 (quinze) anos, inexistindo qualquer oposição a posse desfrutada, bem como os entes públicos e terceiros citados, não opuseram qualquer resistência ao pleito de posse da parte autora, restando incontestada por período superior a quinze anos.

Satisfeitas tais exigências, impõe-se, de direito, a declaração de domínio dos requerentes sobre o bem imóvel usucapiendo, outorgando-lhes a propriedade, de modo que a irresignação do apelante para a reforma da sentença, que se limita ao fato de o imóvel possuir área inferior ao módulo rural, não há como prosperar.

Pois bem.

É cediço que a Lei n. 4.504/1964 (Estatuto da Terra), em seu art. 65, veda a divisão do imóvel em áreas inferiores ao módulo rural, nos seguintes termos: "O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural".

Sobre o assunto, também, dispõe a Resolução n. 14, do CONSEMA/2008:

Módulo rural: equivale à área da propriedade familiar, variável, não somente de região para região, como também, de acordo com o modo de exploração da gleba. Pela legislação vigente, na área rural de Santa Catarina, este módulo não pode ter área inferior a 02 (dois) hectares, ou seja, 20.000 m².

Ora, compulsando os autos verifica-se que o imóvel objeto da ação possui área total de 2.599,34 m² (dois mil, quinhentos e noventa e nove metros quadrados e trinta e quatro centímetros quadrados) e está localizado fora do perímetro urbano do município de Angelina/SC, que prevê como fração mínima para o parcelamento de áreas rurais em sua extensão 03 (três) hectares de terras, o equivalente a 30.000m² (trinta mil metros quadrados).

Contudo, a ação de usucapião consiste em forma de aquisição originária da propriedade, de modo que não há que se aplicar a previsão contida na Lei n. 4.504/1064, uma vez que somente incidiria nas hipóteses de transmissão da propriedade inter vivos.

A propósito:

"Descabe anotar qualquer restrição no registro imobiliário, porquanto o usucapião é modo originário de aquisição da propriedade que outorga o domínio sobre o imóvel de forma livre e desembaraçada de quaisquer gravames" (AC n. 2015.002371-2, de Garopaba, Rel. Des. Monteiro Rocha, j. 12.3.2015).

Além disso, o Código Civil e a Constituição Federal não preveem nenhuma limitação a extensão mínima que deve possuir o bem, seja imóvel urbano ou rural, passível de usucapião.

Sobre o tema, inclusive, colhe-se do corpo do voto do Excelentíssimo Ministro Raul Araujo, no julgamento do REsp 1040296/ES, realizado no dia 2 de junho de 2015, que

o fato de área ser inferior à definida como módulo rural para a região, por si só, não pode levar ao...

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